Pouco depois do debate em torno de seu poema sobre Israel e o
Irã, o escritor alemão despertou nova polêmica com comentário poético
sobre a Grécia. O editor Volker Neuhaus analisa méritos e motivações de
Günter Grass.
O Prêmio Nobel alemão da Literatura Günter Grass não se cansa de
interferir em discussões públicas com seus posicionamentos sobre eventos
políticos e sociais. Por vezes diretamente – em entrevistas –, por
outras indiretamente – com poesia. Com frequência, o autor aborda temas
considerados tabu por muito leitores, o que muitas vezes desencadeia
controvérsias acaloradas.
Quais são seus motivos? Trata-se de confusos comentários de um escritor
ancião – como zombam certos cronistas – ou das reflexões "perfeitamente
normais" de um autor celebrado? Quem responde é Volker Neuhaus, editor
das obras de Günter Grass na Alemanha. No momento, ele redige uma
abrangente biografia do autor de O tambor, a ser lançada no segundo semestre de 2012.
Deutsche Welle: O senhor edita as obras de Günter
Grass há muitos anos e conhece o Prêmio Nobel muito bem. Como vê a
agitação midiática em torno dos dois poemas sobre temas atuais da
política?
Volker Neuhaus: Como algo muito peculiar. A coisa mais
estranha de todas é que depois do segundo poema [sobre a Grécia,
publicado no final de maio pelo jornal Süddeutsche Zeitung],
perguntou-se: "Por que ele faz isso?" Acho que jamais ninguém perguntou,
a respeito de nenhum poeta do mundo, por que ele publica poemas. Grass
encontra-se agora na feliz posição de poder publicar suas poesias em
lugares muito visíveis. Ele é poeta de profissão e publica seus poemas.
Pode-se discutir sobre o conteúdo, como já acontece. Mas dessa maneira, é
muito, muito peculiar.
Prêmio Nobel da Literatura 1999: devolução?
Olhando por trás dos bastidores: como se explica tamanha agitação?
Pelo fato de Grass assumir uma posição absolutamente extraordinária.
Tenta-se sempre privá-lo dessa posição, o que não é possível. Não há
como tirar o carro oficial de Grass, sua pensão vitalícia ou seu
escritório. Tudo isso ele conquistou por seus próprios méritos. Agora
fica-se dizendo que ele deveria devolver o Prêmio Nobel, que é a única
coisa que ele pode fazer... Ou devolver o título de membro honorário do
PEN Clube. Grass é o raro exemplo de um homem totalmente independente,
porém famoso. E tudo por seu próprio mérito, ele não precisa levar
ninguém em consideração. Por isso, às vezes ele entra em atrito.
E ele tem, então, "inimigos" muito especiais no jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung. A situação escalou nos últimos anos. O que o senhor supõe que esteja por trás disso?
Não sei. É o que chamam de debunking: tirar uma personalidade
do pedestal, tornando-a pequena e manipulável. Grass atingiu uma
grandeza que, a rigor, é inatacável. O ódio do FAZ contra Grass
só pode ser hereditário. Não há como explicar de outra maneira, já que
esse ódio passa de um editor do caderno de literatura para outro, sempre
massacrando Grass. Apesar de todas as diferenças de geração, estão
sempre atacando Grass. Tudo isso é bem peculiar.
Voltemos para o homem e escritor Günter Grass. Certa vez, um
crítico escreveu: ele pertence à tradição europeia da discutibilidade
esclarecida do humanismo, ele é alguém que interfere. O senhor também vê
a questão assim?
Sim, é uma bela forma de expressar o que ocorre. Grass faz uso de sua
projeção pública, a fim de atrair atenção para sua própria opinião –
como todos fazemos. As pessoas vão à mesa do bar que frequentam para
proclamar suas opiniões. Só que aí quem escuta são os "amigos de bar".
Grass está em condições de articular sua opinião de modo que ela seja
ouvida. O primeiro poema [sobre Israel] deveria ter sido publicado no
jornal Die Zeit, mas os editores disseram "não". No mesmo dia, o Süddeutsche Zeitung o publicou. Foi um golpe de sorte para Grass.
Há basicamente duas acusações contra o escritor. Uma se volta
contra os argumentos objetivos. Um jornal escreveu: "As justificativas
de Grass não coincidem, nem de longe, com as opiniões
correntes e difundidas pela discussão científica especializada ou pelo
debate jornalístico". Sugere-se, desta forma, que ele não tenha
entendido nada sobre o conflito entre Israel e o Irã...
Isso tem origem num mal-entendido. Estou plenamente convencido de que
as primeiras duas estrofes do poema sobre Israel não são absolutamente
contra o país. O nome "Israel" só aparece na terceira estrofe. As duas
primeiras estrofes se voltam claramente na direção dos Estados Unidos,
onde houve especulações táticas sobre a condutibilidade das guerras
atômicas. Grass refere-se a isso. Israel exercce aí só o papel de ser o
contrapeso do Irã. Trata-se das duas potências atômicas do Oriente
Médio. Contudo, o ponto decisivo é que Grass está em condições de
defender a própria opinião, e ela é muito fundamentada e decidida. Ele é
muito bem informado e estaria em condições de enfrentar qualquer
discussão. Afinal, ele participa de discussões públicas. Na verdade, ele
é alguém extraordinariamente bem informado.
Günter Grass (dir.) conversa com premiê israelense Levi Eshkol, na década de 1960
A segunda acusação é no sentido de uma "falta de qualidade
poética". O que remete à questão: será que tais poemas são a forma
adequada para uma expressão de opinião desse gênero?
Um poema é tudo aquilo que é impresso como poema. Uma colega minha de
trabalho já provou que o [primeiro] poema de Grass é concebido de forma
francamente rítmica. Num debate público, na cidade de Osnabrück,
chegamos à conclusão – na presença do adversário no pódio – de que se
Grass tivesse dito a mesma coisa numa entrevista, em vez de em versos,
suas palavras não teriam tido o mesmo efeito.
Um poema tem algo de estatuário, algo de completo, apodíctico,
monumental. Primeiro, ele fez isso na poesia sobre o tema
EUA-Israel-Irã. E depois de novo – o que se pode chamar de sofisticado.
Ele escreveu um poema belíssimo, hínico, que também em seu conteúdo se
aplicava ao tema da Grécia e se situava na tradição de Hölderlin, com
saltos e meandros solenes. Justamente sobre o tema Grécia! Ou seja,
Grass sabe tocar o teclado da poesia, no qual já toca há mais de 60
anos. Isso é perceptível.
Depois do primeiro poema, muita gente observou que Grass tinha o
povo a seu lado – como demonstraram as muitas e muitas cartas de
leitores. Os argumentos eram no sentido: "Eis aqui alguém que representa
a opinião da maioria" – em oposição à dos caderno de cultura. No caso
do poema sobre a Grécia, não se pode dizer a mesma coisa...
Sim, ele apontou que está realmente na hora de se lembrar das raízes
dos valores comuns e de que a União Europeia não é apenas um mercado
comum, mas se situa na tradição da sociedade de valores ocidentais.
Via Deutsche Welle
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