terça-feira, 19 de dezembro de 2017

A necessidade de um novo revisionismo histórico

Por Marcelo Gullo Omodeo*
Caricatura do imperialismo inglês,
como um polvo que controla o mundo, do final do século XIX

"A `guerra da independência da Espanha´ foi um fracasso não somente como sustentavam os homens da geração do ‘900, por não conseguir configurar politicamente a grande nação hispano-americana, mas, também, porque as diferentes repúblicas que surgiram, produto da fragmentação dos diferentes Vice-reinados, passaram da dependência formal da Espanha à dependência informal da Grã-Bretanha(...) o instrumento principal, através do qual a Inglaterra havia conseguido a subordinação ideológico-cultural da América espanhola e da Argentina em particular, havia consistido na ``falsificação da história"

Apresentada no primeiro congresso de revisionismo histórico Manuel Dorrego, celebrado em Navarro(província de Buenos Aires), em 14 de maio de 2011.

A vulnerabilidade ideológica

A hipótese sobre a qual repousam as Relações Internacionais, como sustenta Raymond Aron, é dada pelo fato de que as unidades políticas se esforçam em impor, umas às outras, suas vontades.
[1] A Política Internacional compõe-se, sempre, de uma luta de vontades: vontade para impor ou vontade para não se deixar impor a vontade do outro.

Para impor sua vontade, os Estados mais poderosos tendem, num primeiro momento, a tentar impor sua dominação cultural. O exercício da dominação de não encontrar uma resistência adequada por parte do Estado receptor provoca a subordinação ideológico-cultural, e como resultado, o Estado subordinado sofre de uma espécie de síndrome de Imunodeficiência ideológica, assim, o Estado receptor perde até sua vontade de defesa. Podemos afirmar, seguindo o pensamento de Hans Morgenthau, que o objetivo ideal ou teleológico da dominação cultural, em suas palavras, ``imperialismo cultural[2], consiste na conquista das mentalidades de todos os cidadãos que fazem a política do Estado em particular e a cultura do cidadão em geral, ao qual quer subordinar.Porém para alguns pensadores, como Juan José Hernández Arregui a política de subordinação cultural tem como finalidade última não só a ``conquista das mentalidades´´ mas a destruição do ``ser nacional´´ do Estado sujeito à política de subordinação. E ainda que geralmente, segundo Hernández Arregui, o Estado emissor da dominação cultural (o ``Estado metrópole´´ em termos de Hernández Arregui), não consegue o aniquilamento do ser nacional do estado receptor, o emissor consegue criar no receptor, ``… um conjunto orgânico de maneiras de pensar e de sentir, uma visão de mundo extremada e sutilmente fabricada, que se torna em atitude `normal´ de conceitualização da realidade [que] se expressa como uma consideração pessimista da realidade, como um sentimento generalizado de desânimo, de falta de segurança perante a si próprio, e na convicção de que a subordinação do país e sua des-hierarquização cultural, é uma predestinação histórica, com seu equivalente, a ambígua sensação de incapacidade congenita do povo em que nasceu e que só a ajuda estrangeira pode o redimir.´´[3]

É preciso destacar que, embora o exercício de subordinação cultural por parte do Estado emissor não consiga a subordinação ideológica total do Estado receptor, pode condenar profundamente a estrutura de poder deste último. Realiza-se por meio do convencimento de uma parte importante da população, uma vulnerabilidade ideológica que resulta ser -em tempos de paz – a mais grave e perigosa das vulnerabilidades possíveis para o poder nacional porque, ao condicionar o processo da formação de visão do mundo de uma parte importante dos cidadãos e da elite dirigente, condiciona, portanto, a orientação estratégica da política econômica, da política externa e, o que é mais grave ainda, corroe a autoestima da população, debilitando a moral e o caráter nacional, ingredientes indispensáveis - como ensinara Morgenthau – do poder nacional necessário para levar adiante uma política tendendo a alcançar os objetivos de interesse nacional.

Sobre a importância que a subordinação cultural teve e têm para o sucesso da imposição da vontade das grandes potências, refere-se Zbigniew Brzezinski: ``O Império Britânico de ultramar foi adquirido inicialmente mediante uma combinação de explorações, comércio e conquista.Porém, de uma maneira mais semelhante a de seus predecessores romanos e chineses ou de seus rivais franceses e espanhóis, sua capacidade de permanência derivou em grande parte da percepção da superioridade cultural britânica.Essa superioridade não era só uma questão de arrogância subjetiva por parte da classe governante imperial, mas uma perspectiva compartilhada por muitos dos súditos não-britânicos. [...] A superioridade cultural, afirmada com êxito e aceitada com calma, teve como efeito a diminuição de depender de grandes forças para manter o poder do centro imperial.Antes de 1914 só uns poucos milhares de militares e funcionários britânicos controlavam ao redor de sete milhões de quilômetros quadrados e quase quatrocentos milhões de pessoas não-britânicas.´´ [4]

A subordinação ideológico-cultural produz, nos Estados subordinados uma ``superestrutura cultural´´ que forma um verdadeiro ``teto de vidro´´ que impede a criação e a expressão do pensamento anti-hegemônico e o desenvolvimento profissional dos intelectuais que expressam esse pensamento. O uso que aqui damos a expressão ``teto de vidro´´ pretende representar a limitação invisível para o progresso dos intelectuais anti-hegemônicos, tanto nas instituições culturais como nos meios de comunicação de massa. [5]

O surgimento do pensamento nacional

Em alguns dos estados que foram submetidos pelas potências hegemônicas a uma política de subordinação cultural surge, como reação, um pensamento anti-hegemônico que leva adiante uma insubordinação ideológica que é, sempre, a primeira etapa de todo processo emancipatório exitoso. Quando esse pensamento anti-hegemônico consegue se traduzir em uma política de estado, então, se inicia um processo de ´´insubordinação fundadora`` [6] que, ao ser exitoso, consegue romper as cadeias que prendem o Estado, tanto cultural, econômica e politicamente, com a potência hegemônica.

Na Argentina o pensamento anti-hegemônico foi designado pelos seus próprios protagonistas como ``Pensamento Nacional´´ por contraposição ao pensamento produzido pela subordinação cultural, pensamento, este último, ao que denominaram implicitamente, como ´´Pensamento Colonial”. O pensamento colonial, para os homens do pensamento nacional, dava origens a partidos políticos, de esquerda ou de direita, que não questionavam a estrutura material nem a superestrutura cultural da dependência.

Portanto, poderia haver, nos termos expressados por esses mesmos homens do pensamento nacional, tanto uma direita como uma esquerda ´´mercenárias``.

A geração do ‘900 e a primeira insubordinação ideológica

Na América Latina, a primeira insubordinação ideológica foi protagonizada pelos homens da chamada Geração do ‘900, cujas figuras mais representativas foram o uruguaio José Enrique Rodó[7] (1871-1917), o mexicano José Vasconcelos[8] (1882-1959) e o argentino Manuel Ugarte (1875-1951).Eles concluíram que o processo de rebelião colonial hispano-americana iniciado em 1810, havia sido, em realidade, um ´´grande fracasso``, porque ao contrário do processo de rebelião colonial protagonizado pelas Treze Colônias norte-americanas, não havia terminado na ´´Unidade``, isto é, na conformação de um único Estado, mas pelo contrário - a diferença dos desejos e esforços de seus principais heróis, Artigas, San Martín, Belgrano, O’Higgins, Bolívar e Sucre – na fragmentação da nação hispano-americana. [9]

Esta primeira insubordinação ideológica, se materializou politicamente no Aprismo fundado pelo jovem peruano Víctor Raúl Haya de la Torre (1895-1979) que formou o primeiro partido político hispano-americano cuja finalidade era a construção de um estado latino-americano que abarcaria desde o Rio Grande à Tierra del Fuego, abraçando uma ideologia concreta, o pensamento daqueles homens da Geração do ‘900. [10]

A Geração Revisionista e a segunda insubordinação ideológica

A segunda insubordinação ideológica, melhor localizada geograficamente, porém talvez, mais intensa do ponto de vista conceitual originada no Rio da Prata, foi protagonizada por aqueles homens a quem podemos chamar de ´´ A Geração Revisionista``. Ao falar dessa Geração é imprescindível mencionar seus mais destacados integrantes como foram os argentinos Arturo Jauretche (1901-1974), Raúl Scalabrini Ortiz (1899-1959), José María Rosa (1906-1991), José Luis Torres (1901-1965), Arturo Sampay (1911-1977), Rodolfo Puiggrós (1906-1980), José Hernández Arregui  (1913-1974), Jorge Abelardo Ramos (1921-1994), Fermín Chaves (1924-2006), os uruguaios Washington Reyes Abadie (1919-2002), Vivian Trías (1922-1980) e o mais jovem de todos eles, Alberto Methol Ferré (1929-2009). Fora do Rio da Prata, podem também ser considerados inscritos nesta corrente, o boliviano Andrés Soliz Rada e o chileno Pedro Godoy, estes dois últimos ainda vivos.

 A ´´idéia força`` fundamental descoberta pela ´´Geração Revisionista`` que se transformará na pedra angular de todo seu pensamento, consiste em revelar que a ´´guerra de independência da Espanha`` foi um fracasso não só como sustentam os homens da Geração do ‘900, por não se conseguir configurar a grande nação hispano-americana, mas também, porque as distintas repúblicas que surgiram, produto da fragmentação dos diferentes Vice-reinados, passaram da dependência formal da Espanha à dependência informal da Grã-Bretanha; essa dependência informal da Grã-Bretanha fez que todas as Repúblicas hispano-americanas se incorporarem à economia internacional como simples produtores de matérias-primas e, ao contrário de Estados Unidos e Canadá[11], subordinadas ideologicamente, não aplicaram uma política protecionista que houvesse lhes permitido se converter, também, em medianos ou fortemente industrializados, o que, por sua vez, teria facilitado a unidade que propunham os homens do ‘900.  [12]

A Geração Revisionista é uma corrente de pensamento que descobre, também, que o instrumento principal através do qual a Inglaterra conseguiu a subordinação ideológico-cultural da América espanhola e da Argentina em particular, consistiu na ´´falsificação da história``.

É por isso que escreveu Raúl Scalabrini Ortiz:´´Se não temos presente a constante e astuta compulsão, com que a diplomacia inglesa leva estes povos aos destinos planejados e mantidos por eles, as histórias americanas e seus fenômenos sociais são narrações absurdas em que os acontecimentos mais graves ocorrem sem antecedentes e acabam sem consequência. Neles atuam anjos e demônios, não homens...a história oficial argentina é uma obra da imaginação em que os fatos foram consciente e deliberadamente distorcidos, falsificados, de acordo com um plano preconcebido que tende a dissimular o trabalho de intriga feito pela diplomacia inglesa, promotora subterrânea dos principais acontecimentos ocorridos neste continente.´´[13]

Esta simples, porém contundente citação de Scalabrini Ortiz poderia resumir de modo tão claro como é lapidário, o núcleo do descobrimento dessa série de elevadas penas ao serviço da nação: deixar claro que não só fomos desintegrados, mas que fomos para a maior glória, senhorio e riqueza da Inglaterra. Novo amo que se instalou para saquear nossos recursos, frustrar nossas ânsias de liberdade nacional e justiça para nossa gente.

E claro, como a verdade de que seguíamos sendo uma colônia, embora dependentes de outro mestre, a Grã-Bretanha, não era um filme ´´adequado para todo público``, teve-se que ´´inventar`` uma nova história, uma história que oculte, distorça e ajuste os fatos aos desígnios do novo mestre. Essa tarefa que, com maestria de veterano sofista levou adiante Bartolomé Mitre, depois da batalha de Caseros, foi difundida pela escola pública e pelos programas oficiais: ´´A história que nos ensinaram desde pequenos, a história que nos inculcaram como uma verdade que já não é analisada, pressupõe que o território argentino flutuava beatificamente no seio de uma matéria angélica. Não nos cercava nem avidezas nem cobiças estranhas. Tudo de ruim que aconteceu entre nós, entre nós mesmos foi engendrado...as lutas diplomáticas estiveram ausentes de nossas contenções...para esconder a responsabilidade dos verdadeiros instigadores, a história argentina adota esse ar de ficção em que os protagonistas se movem sem relação com as duras realidades desta vida. As revoluções são explicadas como simples explosões passionais e ocorrem sem que ninguém forneça fundos, viveres, munições, armas, equipamentos. O dinheiro não está presente nelas, porque rastreando as pegadas do dinheiro pode-se chegar a descobrir os principais mobilizadores revolucionários... essa história é a maior inibição que pesa sobre nós. A reconstrução da história argentina é, por isso, urgente, inevitável e impostergável.`` [14]

Conhecer a existência de uma verdade diferente da ´´oficial``, como bem aponta Scalabrini Ortiz, no parágrafo anterior, para aqueles homens torna-se impostergável o trabalho de ´´descobrir`` a história verdadeira, a história que nos relegava a servos e nos atava ao destino da potência que, sorrateiramente, nos dominava. Não podiam aqueles homens de política e caneta, deixar de encarar a tarefa de estabelecer, sobre bases sólidas, os princípios ocultos, aquelas premissas que nos levarão a conclusões verdadeiras, longe da falácia mitrista e perto do conhecimento de nossa realidade e de nossos problemas reais, para que munidos de verdades, encaremos a solução dos verdadeiros problemas. Era para isso, necessário revisar (e refutar documentos em mão) a farsa mitrista, alheia à verdade. A essa tarefa se dedicaram, principalmente, entre outros, José Maria Rosa, Jorge Abelardo Ramos e Fermín Chávez.

Segundo Arturo Jauretche, a falsificação da história argentina, prosseguiu como propósito: ´´Impedir, através da desfiguração do passado, que os argentinos possuam a técnica, a atitude para conceber e realizar uma política nacional... desejando que ignoremos como uma nação é construída e como sua formação autêntica é prejudicada, para que ignoremos como se conduz, como se constrói uma política de fins nacionais, uma política nacional... não é pois um problema de historiografia, mas de política: o que nos apresentaram como história é uma política da história em que essa, é só um instrumento de planos mais vastos destinados precisamente a impedir a história, a verdadeira história, com a formação de uma consciência histórica nacional que é a base necessária de toda política da nação... a política da história falsificada é, e foi, a política da anti-nação, da negação do ser e de suas próprias possibilidades, é incontestável, por outro lado, que a verdade histórica é o antecedente de qualquer política que se defina como nacional, e todos terão de concordar na necessária destruição da falsificação que tem impedido que nossa política exista como coisa própria, como criação própria, para um destino próprio.`` [15]

A necessidade de um Novo Revisionismo Histórico para a concretização da nossa segunda independência

Enquanto que a primeira insubordinação ideológica dos homens da Geração do ‘900, materializou-se politicamente no aprismo, a segunda insubordinação ideológica, protagonizada pelos homens da Geração Revisionista, materializou-se no peronismo que iniciou, em 1945, um processo de Insubordinação Fundante que foi abortado, quando produzido, dez anos depois, induzido pela Inglaterra e pelos Estados Unidos, o golpe de estado que derrubou o governo constitucional de Juan Domingo Perón (1895-1974). Caído o peronismo, foi vítima, como havia sido, em sua época, o rosismo [16], da falsificação da história, e se apresentou o governo peronista, como um governo ´´populista``, a Perón como um General fascista e a seu grande amor e companheira, María Eva Duarte de Perón, Evita (1919-1952), como uma ´´revolucionária``, oposta ao General burguês que era incapaz de levar adiante a revolução, criando, dessa forma o ´´evitismo`` como forma superior do anti-peronismo.[17].

Foi então, que os homens da Geração Revisionista, empreenderam a tarefa de reivindicar o peronismo, como já haviam feito com o rosismo, porém sua tarefa permaneceu inconclusa porque, muitos destes homens de caneta e política, os surpreendeu, antes, a morte. Concluir essa tarefa, é a missão inevitável do Novo Revisionismo Histórico.

*Marcelo Gullo nasceu na cidade de Rosário em 1963. Nos primeiros meses de 1981, começou sua militância política contra a ditadura militar. Doutor em Ciência Política pela Universidade del Salvador, Bacharel pela Universidade Nacional de Rosário, Graduado em Estudos Internacionais pela Escola Diplomática de Madri, obteve o Diploma de Estudos Superiores em Relações Internacionais, especialização em História e Política Internacional, pelo ´´ Institut Universitaire de Hautes Etudes Internationales`` da Universidade de Genebra. Discípulo do cientista político brasileiro Helio Jaguaribe e do sociólogo e historiador uruguaio Alberto Methol Ferré, publicou numerosos artigos e livros e é acessor em matéria de Relações Internacionais da Federação Latino-americana de Trabalhadores da Educação e da Cultura (FLATEC) e professor de História Argentina na UNLa (Universidade Nacional de Lanús).


[1] Ver Aron, Raymond, Paix et guerre entre les nations (avec une presentation inédite de l’auteur), Paris, Ed. Calmann-Lévy, 1984.

[2] Hans Morgenthau define o imperialismo cultural do seguinte modo: ´´Se alguém pudesse imaginar a cultura e, mais particularmente, a ideologia política de um Estado A com todos seus objetivos imperialistas concretos em processo de conquistar as mentalidades de todos os cidadãos que fazem a política de um estado B, observaríamos que o primeiro dos estados teria conquistado uma vitória mais que completa e teria estabelecido seu domínio sobre uma base mais sólida que a de qualquer conquistador militar ou amo econômico. O Estado A não precisaria ameaçar com a força militar ou usar pressões econômicas para alcançar seus fins. Para isso, a subordinação do Estado B à sua vontade teria sido produzida pela persuasão de uma cultura superior e por uma maior atrativo de sua filosofia política``. Morghentau, Hans, Política entre as nações. A luta pelo poder e pela paz, Buenos Aires, Grupo Editor Latino – americano, 1986, p. 86.

[3] Hernández Arregui, Juan José, Nacionalismo e libertação, Buenos Aires, Ed. Peña Lillo, 2004, p.140.

[4] Brzezinski, Zbigniew, O grande conselho mundial. A supremacia estadunidense e seus imperativos geoestratégicos, Barcelona, Ed. Paidos, 1998, p.29.

[5] Segundo as reflexões de Gustavo Battistoni, podemos dizer que os intelectuais anti-hegemônicos, são dissidentes do sistema que, ao não aceitar as ideias hegemônicas, sofrem, como castigo, o esquecimento. Pela pressão da superestrutura cultural que, nos países subordinados, está a serviço das estruturas do poder mundial.  BATTISTONI, Gustavo, Dissidentes e esquecidos, Rosario, Ed. Germinal, 2008.

[6] Sobre o conceito de Insubordinação Fundante ver Gullo, Marcelo, A Insubordinação Fundante, Breve história da construção do poder das nações, Buenos Aires, Ed. Biblos, 2008.

[7] Foi com a geração do ‘900 que, após cem anos de solidão, se resgata, pelo menos intelectualmente, a unidade histórica da América Latina. A Geração do ‘900 foi a primeira – após o fim da guerra da independência – que concebeu a ideia de que todas as repúblicas hispânicas eram artificiais, na realidade, eram parte de uma mesma pátria dividida. Um dos membros mais destacados desta geração, o uruguaio José Enrique Rodó, foi o primeiro que, no Rio da Prata, reivindicou Simón Bolívar, e retomou a ideia bolivariana de que todas as repúblicas hispano-americanas eram apenas fragmentos de uma Pátria Grande. É, nesse sentido, que afirma Rodó, já em 1905: “Pátria é, para os hispano-americanos, a América espanhola. Dentro do sentimento de Pátria, cabe o sentimento de adesão, não menos natural e indestrutível para a província, para a região, para a comarca; e províncias, regiões ou comarcas de nossa pátria, são as nações em que ela politicamente se divide... A unidade política que consagre e encarne essa unidade moral – o sonho de Bolívar -, é ainda um sonho cuja realidade não verão talvez as gerações hoje vivas. O que importa! A Itália não era apenas a ‘expressão geográfica’ de Metternich, antes de a espada de Garibaldi e o apostolado de Mazzini a constituírem em expressão política”. RODO, José Enrique, El Mirador de Próspero, Barcelona, Ed. Cervantes, 1928, p. 170.

[8] Significativamente José Vasconcelos em 1923, por ocasião de seu discurso que pronunciou na Faculdade de Humanidades de Santiago do Chile, dia em que recebeu o grau de professor honorário, argumentou: ´´Eu vejo a bandeira ibero-americana flutuante, uma só, no Brasil, no México, no Peru e na Argentina, no Chile e no Equador, e me sinto nesta Universidade de Santiago tão encarregado de responsabilidades com o presente, como se aqui mesmo estivesse passado todos meus anos.`` Claridad, Lima, Ano 1, maio, 1923, p.2.

[9] A este respeito afirma Manuel Ugarte em sua obra ´´O futuro da América Espanhola``, os seguintes conceitos: ´´Contemplemos o mapa da América Latina. O que primeiro ressalta aos olhos é o contraste entre a unidade dos anglo-saxões, reunidos com toda autonomia que implica um regime eminentemente federal, baixo uma só bandeira, em uma nação única, e o desmantelamento do latinos, divididos em vinte nações, algumas vezes indiferentes entre si e outras hostis. Ante a tela pintada que representa o Novo Mundo é impossível evitar a comparação. Se a América do Norte, após o impulso de 1775, houvesse sancionado a dispersão de seus fragmentos para formar repúblicas independentes; se Geórgia, Maryland, Rhode Island, Nova Iorque, Nova Jersey, Connecticut, New Hampshire, Maine, Carolina do Norte, Carolina do Sul e Pensilvânia houvessem se erguido em nações autônomas, comprovaríamos o progresso implausível distintivo dos Yankees? O que facilitou foi a união das treze jurisdições coloniais que se separaram da Inglaterra, jurisdições que estavam longe de apresentarem a homogeneidade que notamos entre as que se separaram da Espanha. Esse é o ponto de partida da superioridade anglo-saxã, no Novo Mundo. Apesar da Guerra da Secessão o interesse supremo se sobrepôs, no Norte, às convenções regionais e o povo inteiro se lançou ao topo, enquanto no sul, subdividíamos o esforço deslumbrados por apetites e liberdades teóricas que nos faria adormecer``. UGARTE, Manuel, O futuro da América Espanhola, Valência, Ed. F Sempere, 1911, p 110.

[10] Em 29 de junho de 1925, seguindo a convocação de José Ingenieros realizou-se uma assembléia anti-imperialista em Paris, na Maison de Savants, na rua Danton, para protestar contra a ameaça estadunidense de invadir o México. No cenário o melhor do pensamento ibero-americano. Miguel de Unamuno, José Vasconcelos, Manuel Ugarte, Eduardo Ortega y Gasset, o poeta guatemalteco Miguel Ángel Asturias, o líder estudantil uruguaio Carlos Quijano – mais tarde diretor do Semanário ´´Marcha`` - e Vítor Raúl Haya de la Torre.

O ato foi encerrado com as seguintes palavras de Vítor Raúl Haya de la Torre: ´´Um dos mais importantes planos do imperialismo é manter a nossa América dividida, América Latina unida, federada, formaria um dos países mais poderosos do mundo e seria visto como um perigo... Consequentemente, o plano mais simples é... nos dividir. O melhor instrumento para esta tarefa são as oligarquias crioulas, e a palavra mágica para a execução é ´pátria`. Pátria pequena e patriotismo pequeno, na América Latina, são as Clestinas do imperialismo. Patriotismo significa hostilidade ao vizinho, ódio, xenofobia, nacionalismo provinciano e bastardo. E sabem bem quem nos dominam na América Latina que o culto da pequena pátria é um culto suicida. Sabem bem que dividir nossa pátria com ódios é abrir as portas ao conquistador...Nossas classes dominantes atraiçoam-nos, vendem-nos, são nossos inimigos de dentro. O único caminho dos povos latino-americanos que lutam por sua liberdade é se unir contra essas classes, derrubá-las do poder, castigar sua traição. Essa é a grande missão da nova geração revolucionária anti-imperialista da América Latina. Acusar e punir os mercadores da pátria pequena e formar a pátria grande``. HAYA DE LA TORRE, Víctor Raúl, Para a Emancipação da América Latina, Buenos Aires, Ed. Gleizer, 1927, p. 108

[11] No que diz respeito a história política e econômica do Canadá, é necessário assinalar que: durante a campanha eleitoral de 1878 o líder do partido conservador John Mcdonald levantou as bandeiras do protecionismo e da industrialização. Seus adversários do partido liberal, a do destino agrário do Canadá. O partido liberal defendia mais livre comércio para a saída da crise, o partido conservador mais e mais protecionismo econômico, tudo o que os industriais necessitavam. São significativas as seguintes palavras que Mcdonald pronunciou em um encontro com industriais: ``Não posso dizer que tipo de proteção eles exigem. Porém, deixemos que cada industrial nos diga o quer, que nós trataremos de dar o que necessitam´´. Nas eleições de 1878, o velho líder conservador John Mcdonald, obteve um grande triunfo eleitoral. Em 14 de março de 1879 a Câmara dos Comuns, sancionou oficialmente a National Policy, estabelecendo desta forma uma forte política protecionista que duraria por mais de 50 anos.

[12] Diferente da Argentina que após a batalha de Caseros levantou a bandeira do livre comércio, o Estados Unidos foi, até depois da Segunda Guerra Mundial, o bastião mais poderoso das políticas protecionistas e seu lar intelectual. Em 1816, a tarifa para quase todos os produtos manufaturados era de 35%. Em 1820, a tarifa média para os produtos manufaturados era de 40 %. Em 1832, a Lei Tarifária concedeu uma proteção especial de 45% para os produtos manufaturados de lã e 50% para os tecidos de algodão. Em 1875, as tarifas para produtos manufaturados oscilavam entre 35% e 45%. Somente em 1913, houve uma diminuição das tarifas, porém a medida foi revertida um ano mais tarde, quando estourou a Primeira Guerra Mundial. Em 1922, a porcentagem paga sob produtos manufaturados de importação, subiu 30%. Em 1925, a tarifa média dos produtos manufaturados era de 37% e, em 1931, de 48%. Todavia em 1960, os Estados Unidos mantiveram uma tarifa média de 13%. A este respeito, ver Chang, Ha-Joon, Remova a escada. A estratégia de desenvolvimento em perspectiva histórica, Madrid, Ed Instituto Complutense de Estudos Internacionais (ICEI), 2004 e SEVARES, Julio, Por que cresceram os países que cresceram, Buenos Aires, Ed Edhasa, 2010.

[13] Scalabrini Ortiz, Raúl, Política Britânica no Rio da Prata, Buenos Aires, Ed. Sol 90, 2001, Págs. 46 e 47.

[14] Ibid., Pgs. 47 a 49.

[15] JAURETCHE, Arturo. Política Nacional e Revisionismo Histórico, Buenos Aires, Ed. Corregidor, 2006, p. 14 a 16.

[16] ``A ``Revolução Libertadora´´ de 1955 queria fazer com o peronismo a mesma política da história que havia feito com os federais, reforçada pelas cátedras da Educação Democrática e pelas medidas destinadas a enterrar o passado, proibindo símbolos, cânticos e retratos... Por exemplo, para prejudicar Perón, tentaram identificá-lo com Rosas e resultou que Rosas saiu ganhando porque então o povo começou a entendê-lo´´ JAURETCHE, Arturo, ``Os vencedores de Caseros não fizeram uma história da política mas uma política da história´´. Crisis, dezembro de 1973.

[17] A respeito afirma Noberto Galasso: ``Na polícia armada da frente de libertação nacional, o General necessitava de um contato direto com ‘a espinha dorsal’ - os sindicatos – e essa tarefa foi realizada por ela, que já começou a ser ‘Evita’ e deixou os luxuosos vestidos pelo terno de alfaiate... Então, veio sua viagem à Europa e ao regressar, põe em marcha a Fundação, duplicando assim a tarefa social de apoiar o movimento. Ali entregou sua vida. ‘Não foi caridade’ – recordava seu confessor, o padre Hernán Benítez -. Era preciso ficar até a madrugada para responder às cartas porque nenhum argentino deveria ficar desapontado por falta de resposta, superando a fraqueza dos 38 quilos. O povo entendeu esse amor desenfreado. A oligarquia também por isso à odiava: ‘Viva o câncer’ escreveram nas paredes. Ela, consumida pela doença, disse suas últimas palavras: ‘Obrigado, Juan’. Os evitistas de última hora jamais serão capazes de compreendê-lo, esse é o ‘evistismo anti-perón’ que como disse alguém, é o estágio superior do gorilismo.” GALASSO, Norberto, Aquela mulher, segunda-feira, 9 de maio de 2011.

Tradução: Elvis Braz Fernandes