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terça-feira, 19 de dezembro de 2017

A necessidade de um novo revisionismo histórico

Por Marcelo Gullo Omodeo*
Caricatura do imperialismo inglês,
como um polvo que controla o mundo, do final do século XIX

"A `guerra da independência da Espanha´ foi um fracasso não somente como sustentavam os homens da geração do ‘900, por não conseguir configurar politicamente a grande nação hispano-americana, mas, também, porque as diferentes repúblicas que surgiram, produto da fragmentação dos diferentes Vice-reinados, passaram da dependência formal da Espanha à dependência informal da Grã-Bretanha(...) o instrumento principal, através do qual a Inglaterra havia conseguido a subordinação ideológico-cultural da América espanhola e da Argentina em particular, havia consistido na ``falsificação da história"

Apresentada no primeiro congresso de revisionismo histórico Manuel Dorrego, celebrado em Navarro(província de Buenos Aires), em 14 de maio de 2011.

A vulnerabilidade ideológica

A hipótese sobre a qual repousam as Relações Internacionais, como sustenta Raymond Aron, é dada pelo fato de que as unidades políticas se esforçam em impor, umas às outras, suas vontades.
[1] A Política Internacional compõe-se, sempre, de uma luta de vontades: vontade para impor ou vontade para não se deixar impor a vontade do outro.

Para impor sua vontade, os Estados mais poderosos tendem, num primeiro momento, a tentar impor sua dominação cultural. O exercício da dominação de não encontrar uma resistência adequada por parte do Estado receptor provoca a subordinação ideológico-cultural, e como resultado, o Estado subordinado sofre de uma espécie de síndrome de Imunodeficiência ideológica, assim, o Estado receptor perde até sua vontade de defesa. Podemos afirmar, seguindo o pensamento de Hans Morgenthau, que o objetivo ideal ou teleológico da dominação cultural, em suas palavras, ``imperialismo cultural[2], consiste na conquista das mentalidades de todos os cidadãos que fazem a política do Estado em particular e a cultura do cidadão em geral, ao qual quer subordinar.Porém para alguns pensadores, como Juan José Hernández Arregui a política de subordinação cultural tem como finalidade última não só a ``conquista das mentalidades´´ mas a destruição do ``ser nacional´´ do Estado sujeito à política de subordinação. E ainda que geralmente, segundo Hernández Arregui, o Estado emissor da dominação cultural (o ``Estado metrópole´´ em termos de Hernández Arregui), não consegue o aniquilamento do ser nacional do estado receptor, o emissor consegue criar no receptor, ``… um conjunto orgânico de maneiras de pensar e de sentir, uma visão de mundo extremada e sutilmente fabricada, que se torna em atitude `normal´ de conceitualização da realidade [que] se expressa como uma consideração pessimista da realidade, como um sentimento generalizado de desânimo, de falta de segurança perante a si próprio, e na convicção de que a subordinação do país e sua des-hierarquização cultural, é uma predestinação histórica, com seu equivalente, a ambígua sensação de incapacidade congenita do povo em que nasceu e que só a ajuda estrangeira pode o redimir.´´[3]

É preciso destacar que, embora o exercício de subordinação cultural por parte do Estado emissor não consiga a subordinação ideológica total do Estado receptor, pode condenar profundamente a estrutura de poder deste último. Realiza-se por meio do convencimento de uma parte importante da população, uma vulnerabilidade ideológica que resulta ser -em tempos de paz – a mais grave e perigosa das vulnerabilidades possíveis para o poder nacional porque, ao condicionar o processo da formação de visão do mundo de uma parte importante dos cidadãos e da elite dirigente, condiciona, portanto, a orientação estratégica da política econômica, da política externa e, o que é mais grave ainda, corroe a autoestima da população, debilitando a moral e o caráter nacional, ingredientes indispensáveis - como ensinara Morgenthau – do poder nacional necessário para levar adiante uma política tendendo a alcançar os objetivos de interesse nacional.

Sobre a importância que a subordinação cultural teve e têm para o sucesso da imposição da vontade das grandes potências, refere-se Zbigniew Brzezinski: ``O Império Britânico de ultramar foi adquirido inicialmente mediante uma combinação de explorações, comércio e conquista.Porém, de uma maneira mais semelhante a de seus predecessores romanos e chineses ou de seus rivais franceses e espanhóis, sua capacidade de permanência derivou em grande parte da percepção da superioridade cultural britânica.Essa superioridade não era só uma questão de arrogância subjetiva por parte da classe governante imperial, mas uma perspectiva compartilhada por muitos dos súditos não-britânicos. [...] A superioridade cultural, afirmada com êxito e aceitada com calma, teve como efeito a diminuição de depender de grandes forças para manter o poder do centro imperial.Antes de 1914 só uns poucos milhares de militares e funcionários britânicos controlavam ao redor de sete milhões de quilômetros quadrados e quase quatrocentos milhões de pessoas não-britânicas.´´ [4]

A subordinação ideológico-cultural produz, nos Estados subordinados uma ``superestrutura cultural´´ que forma um verdadeiro ``teto de vidro´´ que impede a criação e a expressão do pensamento anti-hegemônico e o desenvolvimento profissional dos intelectuais que expressam esse pensamento. O uso que aqui damos a expressão ``teto de vidro´´ pretende representar a limitação invisível para o progresso dos intelectuais anti-hegemônicos, tanto nas instituições culturais como nos meios de comunicação de massa. [5]

O surgimento do pensamento nacional

Em alguns dos estados que foram submetidos pelas potências hegemônicas a uma política de subordinação cultural surge, como reação, um pensamento anti-hegemônico que leva adiante uma insubordinação ideológica que é, sempre, a primeira etapa de todo processo emancipatório exitoso. Quando esse pensamento anti-hegemônico consegue se traduzir em uma política de estado, então, se inicia um processo de ´´insubordinação fundadora`` [6] que, ao ser exitoso, consegue romper as cadeias que prendem o Estado, tanto cultural, econômica e politicamente, com a potência hegemônica.

Na Argentina o pensamento anti-hegemônico foi designado pelos seus próprios protagonistas como ``Pensamento Nacional´´ por contraposição ao pensamento produzido pela subordinação cultural, pensamento, este último, ao que denominaram implicitamente, como ´´Pensamento Colonial”. O pensamento colonial, para os homens do pensamento nacional, dava origens a partidos políticos, de esquerda ou de direita, que não questionavam a estrutura material nem a superestrutura cultural da dependência.

Portanto, poderia haver, nos termos expressados por esses mesmos homens do pensamento nacional, tanto uma direita como uma esquerda ´´mercenárias``.

A geração do ‘900 e a primeira insubordinação ideológica

Na América Latina, a primeira insubordinação ideológica foi protagonizada pelos homens da chamada Geração do ‘900, cujas figuras mais representativas foram o uruguaio José Enrique Rodó[7] (1871-1917), o mexicano José Vasconcelos[8] (1882-1959) e o argentino Manuel Ugarte (1875-1951).Eles concluíram que o processo de rebelião colonial hispano-americana iniciado em 1810, havia sido, em realidade, um ´´grande fracasso``, porque ao contrário do processo de rebelião colonial protagonizado pelas Treze Colônias norte-americanas, não havia terminado na ´´Unidade``, isto é, na conformação de um único Estado, mas pelo contrário - a diferença dos desejos e esforços de seus principais heróis, Artigas, San Martín, Belgrano, O’Higgins, Bolívar e Sucre – na fragmentação da nação hispano-americana. [9]

Esta primeira insubordinação ideológica, se materializou politicamente no Aprismo fundado pelo jovem peruano Víctor Raúl Haya de la Torre (1895-1979) que formou o primeiro partido político hispano-americano cuja finalidade era a construção de um estado latino-americano que abarcaria desde o Rio Grande à Tierra del Fuego, abraçando uma ideologia concreta, o pensamento daqueles homens da Geração do ‘900. [10]

A Geração Revisionista e a segunda insubordinação ideológica

A segunda insubordinação ideológica, melhor localizada geograficamente, porém talvez, mais intensa do ponto de vista conceitual originada no Rio da Prata, foi protagonizada por aqueles homens a quem podemos chamar de ´´ A Geração Revisionista``. Ao falar dessa Geração é imprescindível mencionar seus mais destacados integrantes como foram os argentinos Arturo Jauretche (1901-1974), Raúl Scalabrini Ortiz (1899-1959), José María Rosa (1906-1991), José Luis Torres (1901-1965), Arturo Sampay (1911-1977), Rodolfo Puiggrós (1906-1980), José Hernández Arregui  (1913-1974), Jorge Abelardo Ramos (1921-1994), Fermín Chaves (1924-2006), os uruguaios Washington Reyes Abadie (1919-2002), Vivian Trías (1922-1980) e o mais jovem de todos eles, Alberto Methol Ferré (1929-2009). Fora do Rio da Prata, podem também ser considerados inscritos nesta corrente, o boliviano Andrés Soliz Rada e o chileno Pedro Godoy, estes dois últimos ainda vivos.

 A ´´idéia força`` fundamental descoberta pela ´´Geração Revisionista`` que se transformará na pedra angular de todo seu pensamento, consiste em revelar que a ´´guerra de independência da Espanha`` foi um fracasso não só como sustentam os homens da Geração do ‘900, por não se conseguir configurar a grande nação hispano-americana, mas também, porque as distintas repúblicas que surgiram, produto da fragmentação dos diferentes Vice-reinados, passaram da dependência formal da Espanha à dependência informal da Grã-Bretanha; essa dependência informal da Grã-Bretanha fez que todas as Repúblicas hispano-americanas se incorporarem à economia internacional como simples produtores de matérias-primas e, ao contrário de Estados Unidos e Canadá[11], subordinadas ideologicamente, não aplicaram uma política protecionista que houvesse lhes permitido se converter, também, em medianos ou fortemente industrializados, o que, por sua vez, teria facilitado a unidade que propunham os homens do ‘900.  [12]

A Geração Revisionista é uma corrente de pensamento que descobre, também, que o instrumento principal através do qual a Inglaterra conseguiu a subordinação ideológico-cultural da América espanhola e da Argentina em particular, consistiu na ´´falsificação da história``.

É por isso que escreveu Raúl Scalabrini Ortiz:´´Se não temos presente a constante e astuta compulsão, com que a diplomacia inglesa leva estes povos aos destinos planejados e mantidos por eles, as histórias americanas e seus fenômenos sociais são narrações absurdas em que os acontecimentos mais graves ocorrem sem antecedentes e acabam sem consequência. Neles atuam anjos e demônios, não homens...a história oficial argentina é uma obra da imaginação em que os fatos foram consciente e deliberadamente distorcidos, falsificados, de acordo com um plano preconcebido que tende a dissimular o trabalho de intriga feito pela diplomacia inglesa, promotora subterrânea dos principais acontecimentos ocorridos neste continente.´´[13]

Esta simples, porém contundente citação de Scalabrini Ortiz poderia resumir de modo tão claro como é lapidário, o núcleo do descobrimento dessa série de elevadas penas ao serviço da nação: deixar claro que não só fomos desintegrados, mas que fomos para a maior glória, senhorio e riqueza da Inglaterra. Novo amo que se instalou para saquear nossos recursos, frustrar nossas ânsias de liberdade nacional e justiça para nossa gente.

E claro, como a verdade de que seguíamos sendo uma colônia, embora dependentes de outro mestre, a Grã-Bretanha, não era um filme ´´adequado para todo público``, teve-se que ´´inventar`` uma nova história, uma história que oculte, distorça e ajuste os fatos aos desígnios do novo mestre. Essa tarefa que, com maestria de veterano sofista levou adiante Bartolomé Mitre, depois da batalha de Caseros, foi difundida pela escola pública e pelos programas oficiais: ´´A história que nos ensinaram desde pequenos, a história que nos inculcaram como uma verdade que já não é analisada, pressupõe que o território argentino flutuava beatificamente no seio de uma matéria angélica. Não nos cercava nem avidezas nem cobiças estranhas. Tudo de ruim que aconteceu entre nós, entre nós mesmos foi engendrado...as lutas diplomáticas estiveram ausentes de nossas contenções...para esconder a responsabilidade dos verdadeiros instigadores, a história argentina adota esse ar de ficção em que os protagonistas se movem sem relação com as duras realidades desta vida. As revoluções são explicadas como simples explosões passionais e ocorrem sem que ninguém forneça fundos, viveres, munições, armas, equipamentos. O dinheiro não está presente nelas, porque rastreando as pegadas do dinheiro pode-se chegar a descobrir os principais mobilizadores revolucionários... essa história é a maior inibição que pesa sobre nós. A reconstrução da história argentina é, por isso, urgente, inevitável e impostergável.`` [14]

Conhecer a existência de uma verdade diferente da ´´oficial``, como bem aponta Scalabrini Ortiz, no parágrafo anterior, para aqueles homens torna-se impostergável o trabalho de ´´descobrir`` a história verdadeira, a história que nos relegava a servos e nos atava ao destino da potência que, sorrateiramente, nos dominava. Não podiam aqueles homens de política e caneta, deixar de encarar a tarefa de estabelecer, sobre bases sólidas, os princípios ocultos, aquelas premissas que nos levarão a conclusões verdadeiras, longe da falácia mitrista e perto do conhecimento de nossa realidade e de nossos problemas reais, para que munidos de verdades, encaremos a solução dos verdadeiros problemas. Era para isso, necessário revisar (e refutar documentos em mão) a farsa mitrista, alheia à verdade. A essa tarefa se dedicaram, principalmente, entre outros, José Maria Rosa, Jorge Abelardo Ramos e Fermín Chávez.

Segundo Arturo Jauretche, a falsificação da história argentina, prosseguiu como propósito: ´´Impedir, através da desfiguração do passado, que os argentinos possuam a técnica, a atitude para conceber e realizar uma política nacional... desejando que ignoremos como uma nação é construída e como sua formação autêntica é prejudicada, para que ignoremos como se conduz, como se constrói uma política de fins nacionais, uma política nacional... não é pois um problema de historiografia, mas de política: o que nos apresentaram como história é uma política da história em que essa, é só um instrumento de planos mais vastos destinados precisamente a impedir a história, a verdadeira história, com a formação de uma consciência histórica nacional que é a base necessária de toda política da nação... a política da história falsificada é, e foi, a política da anti-nação, da negação do ser e de suas próprias possibilidades, é incontestável, por outro lado, que a verdade histórica é o antecedente de qualquer política que se defina como nacional, e todos terão de concordar na necessária destruição da falsificação que tem impedido que nossa política exista como coisa própria, como criação própria, para um destino próprio.`` [15]

A necessidade de um Novo Revisionismo Histórico para a concretização da nossa segunda independência

Enquanto que a primeira insubordinação ideológica dos homens da Geração do ‘900, materializou-se politicamente no aprismo, a segunda insubordinação ideológica, protagonizada pelos homens da Geração Revisionista, materializou-se no peronismo que iniciou, em 1945, um processo de Insubordinação Fundante que foi abortado, quando produzido, dez anos depois, induzido pela Inglaterra e pelos Estados Unidos, o golpe de estado que derrubou o governo constitucional de Juan Domingo Perón (1895-1974). Caído o peronismo, foi vítima, como havia sido, em sua época, o rosismo [16], da falsificação da história, e se apresentou o governo peronista, como um governo ´´populista``, a Perón como um General fascista e a seu grande amor e companheira, María Eva Duarte de Perón, Evita (1919-1952), como uma ´´revolucionária``, oposta ao General burguês que era incapaz de levar adiante a revolução, criando, dessa forma o ´´evitismo`` como forma superior do anti-peronismo.[17].

Foi então, que os homens da Geração Revisionista, empreenderam a tarefa de reivindicar o peronismo, como já haviam feito com o rosismo, porém sua tarefa permaneceu inconclusa porque, muitos destes homens de caneta e política, os surpreendeu, antes, a morte. Concluir essa tarefa, é a missão inevitável do Novo Revisionismo Histórico.

*Marcelo Gullo nasceu na cidade de Rosário em 1963. Nos primeiros meses de 1981, começou sua militância política contra a ditadura militar. Doutor em Ciência Política pela Universidade del Salvador, Bacharel pela Universidade Nacional de Rosário, Graduado em Estudos Internacionais pela Escola Diplomática de Madri, obteve o Diploma de Estudos Superiores em Relações Internacionais, especialização em História e Política Internacional, pelo ´´ Institut Universitaire de Hautes Etudes Internationales`` da Universidade de Genebra. Discípulo do cientista político brasileiro Helio Jaguaribe e do sociólogo e historiador uruguaio Alberto Methol Ferré, publicou numerosos artigos e livros e é acessor em matéria de Relações Internacionais da Federação Latino-americana de Trabalhadores da Educação e da Cultura (FLATEC) e professor de História Argentina na UNLa (Universidade Nacional de Lanús).


[1] Ver Aron, Raymond, Paix et guerre entre les nations (avec une presentation inédite de l’auteur), Paris, Ed. Calmann-Lévy, 1984.

[2] Hans Morgenthau define o imperialismo cultural do seguinte modo: ´´Se alguém pudesse imaginar a cultura e, mais particularmente, a ideologia política de um Estado A com todos seus objetivos imperialistas concretos em processo de conquistar as mentalidades de todos os cidadãos que fazem a política de um estado B, observaríamos que o primeiro dos estados teria conquistado uma vitória mais que completa e teria estabelecido seu domínio sobre uma base mais sólida que a de qualquer conquistador militar ou amo econômico. O Estado A não precisaria ameaçar com a força militar ou usar pressões econômicas para alcançar seus fins. Para isso, a subordinação do Estado B à sua vontade teria sido produzida pela persuasão de uma cultura superior e por uma maior atrativo de sua filosofia política``. Morghentau, Hans, Política entre as nações. A luta pelo poder e pela paz, Buenos Aires, Grupo Editor Latino – americano, 1986, p. 86.

[3] Hernández Arregui, Juan José, Nacionalismo e libertação, Buenos Aires, Ed. Peña Lillo, 2004, p.140.

[4] Brzezinski, Zbigniew, O grande conselho mundial. A supremacia estadunidense e seus imperativos geoestratégicos, Barcelona, Ed. Paidos, 1998, p.29.

[5] Segundo as reflexões de Gustavo Battistoni, podemos dizer que os intelectuais anti-hegemônicos, são dissidentes do sistema que, ao não aceitar as ideias hegemônicas, sofrem, como castigo, o esquecimento. Pela pressão da superestrutura cultural que, nos países subordinados, está a serviço das estruturas do poder mundial.  BATTISTONI, Gustavo, Dissidentes e esquecidos, Rosario, Ed. Germinal, 2008.

[6] Sobre o conceito de Insubordinação Fundante ver Gullo, Marcelo, A Insubordinação Fundante, Breve história da construção do poder das nações, Buenos Aires, Ed. Biblos, 2008.

[7] Foi com a geração do ‘900 que, após cem anos de solidão, se resgata, pelo menos intelectualmente, a unidade histórica da América Latina. A Geração do ‘900 foi a primeira – após o fim da guerra da independência – que concebeu a ideia de que todas as repúblicas hispânicas eram artificiais, na realidade, eram parte de uma mesma pátria dividida. Um dos membros mais destacados desta geração, o uruguaio José Enrique Rodó, foi o primeiro que, no Rio da Prata, reivindicou Simón Bolívar, e retomou a ideia bolivariana de que todas as repúblicas hispano-americanas eram apenas fragmentos de uma Pátria Grande. É, nesse sentido, que afirma Rodó, já em 1905: “Pátria é, para os hispano-americanos, a América espanhola. Dentro do sentimento de Pátria, cabe o sentimento de adesão, não menos natural e indestrutível para a província, para a região, para a comarca; e províncias, regiões ou comarcas de nossa pátria, são as nações em que ela politicamente se divide... A unidade política que consagre e encarne essa unidade moral – o sonho de Bolívar -, é ainda um sonho cuja realidade não verão talvez as gerações hoje vivas. O que importa! A Itália não era apenas a ‘expressão geográfica’ de Metternich, antes de a espada de Garibaldi e o apostolado de Mazzini a constituírem em expressão política”. RODO, José Enrique, El Mirador de Próspero, Barcelona, Ed. Cervantes, 1928, p. 170.

[8] Significativamente José Vasconcelos em 1923, por ocasião de seu discurso que pronunciou na Faculdade de Humanidades de Santiago do Chile, dia em que recebeu o grau de professor honorário, argumentou: ´´Eu vejo a bandeira ibero-americana flutuante, uma só, no Brasil, no México, no Peru e na Argentina, no Chile e no Equador, e me sinto nesta Universidade de Santiago tão encarregado de responsabilidades com o presente, como se aqui mesmo estivesse passado todos meus anos.`` Claridad, Lima, Ano 1, maio, 1923, p.2.

[9] A este respeito afirma Manuel Ugarte em sua obra ´´O futuro da América Espanhola``, os seguintes conceitos: ´´Contemplemos o mapa da América Latina. O que primeiro ressalta aos olhos é o contraste entre a unidade dos anglo-saxões, reunidos com toda autonomia que implica um regime eminentemente federal, baixo uma só bandeira, em uma nação única, e o desmantelamento do latinos, divididos em vinte nações, algumas vezes indiferentes entre si e outras hostis. Ante a tela pintada que representa o Novo Mundo é impossível evitar a comparação. Se a América do Norte, após o impulso de 1775, houvesse sancionado a dispersão de seus fragmentos para formar repúblicas independentes; se Geórgia, Maryland, Rhode Island, Nova Iorque, Nova Jersey, Connecticut, New Hampshire, Maine, Carolina do Norte, Carolina do Sul e Pensilvânia houvessem se erguido em nações autônomas, comprovaríamos o progresso implausível distintivo dos Yankees? O que facilitou foi a união das treze jurisdições coloniais que se separaram da Inglaterra, jurisdições que estavam longe de apresentarem a homogeneidade que notamos entre as que se separaram da Espanha. Esse é o ponto de partida da superioridade anglo-saxã, no Novo Mundo. Apesar da Guerra da Secessão o interesse supremo se sobrepôs, no Norte, às convenções regionais e o povo inteiro se lançou ao topo, enquanto no sul, subdividíamos o esforço deslumbrados por apetites e liberdades teóricas que nos faria adormecer``. UGARTE, Manuel, O futuro da América Espanhola, Valência, Ed. F Sempere, 1911, p 110.

[10] Em 29 de junho de 1925, seguindo a convocação de José Ingenieros realizou-se uma assembléia anti-imperialista em Paris, na Maison de Savants, na rua Danton, para protestar contra a ameaça estadunidense de invadir o México. No cenário o melhor do pensamento ibero-americano. Miguel de Unamuno, José Vasconcelos, Manuel Ugarte, Eduardo Ortega y Gasset, o poeta guatemalteco Miguel Ángel Asturias, o líder estudantil uruguaio Carlos Quijano – mais tarde diretor do Semanário ´´Marcha`` - e Vítor Raúl Haya de la Torre.

O ato foi encerrado com as seguintes palavras de Vítor Raúl Haya de la Torre: ´´Um dos mais importantes planos do imperialismo é manter a nossa América dividida, América Latina unida, federada, formaria um dos países mais poderosos do mundo e seria visto como um perigo... Consequentemente, o plano mais simples é... nos dividir. O melhor instrumento para esta tarefa são as oligarquias crioulas, e a palavra mágica para a execução é ´pátria`. Pátria pequena e patriotismo pequeno, na América Latina, são as Clestinas do imperialismo. Patriotismo significa hostilidade ao vizinho, ódio, xenofobia, nacionalismo provinciano e bastardo. E sabem bem quem nos dominam na América Latina que o culto da pequena pátria é um culto suicida. Sabem bem que dividir nossa pátria com ódios é abrir as portas ao conquistador...Nossas classes dominantes atraiçoam-nos, vendem-nos, são nossos inimigos de dentro. O único caminho dos povos latino-americanos que lutam por sua liberdade é se unir contra essas classes, derrubá-las do poder, castigar sua traição. Essa é a grande missão da nova geração revolucionária anti-imperialista da América Latina. Acusar e punir os mercadores da pátria pequena e formar a pátria grande``. HAYA DE LA TORRE, Víctor Raúl, Para a Emancipação da América Latina, Buenos Aires, Ed. Gleizer, 1927, p. 108

[11] No que diz respeito a história política e econômica do Canadá, é necessário assinalar que: durante a campanha eleitoral de 1878 o líder do partido conservador John Mcdonald levantou as bandeiras do protecionismo e da industrialização. Seus adversários do partido liberal, a do destino agrário do Canadá. O partido liberal defendia mais livre comércio para a saída da crise, o partido conservador mais e mais protecionismo econômico, tudo o que os industriais necessitavam. São significativas as seguintes palavras que Mcdonald pronunciou em um encontro com industriais: ``Não posso dizer que tipo de proteção eles exigem. Porém, deixemos que cada industrial nos diga o quer, que nós trataremos de dar o que necessitam´´. Nas eleições de 1878, o velho líder conservador John Mcdonald, obteve um grande triunfo eleitoral. Em 14 de março de 1879 a Câmara dos Comuns, sancionou oficialmente a National Policy, estabelecendo desta forma uma forte política protecionista que duraria por mais de 50 anos.

[12] Diferente da Argentina que após a batalha de Caseros levantou a bandeira do livre comércio, o Estados Unidos foi, até depois da Segunda Guerra Mundial, o bastião mais poderoso das políticas protecionistas e seu lar intelectual. Em 1816, a tarifa para quase todos os produtos manufaturados era de 35%. Em 1820, a tarifa média para os produtos manufaturados era de 40 %. Em 1832, a Lei Tarifária concedeu uma proteção especial de 45% para os produtos manufaturados de lã e 50% para os tecidos de algodão. Em 1875, as tarifas para produtos manufaturados oscilavam entre 35% e 45%. Somente em 1913, houve uma diminuição das tarifas, porém a medida foi revertida um ano mais tarde, quando estourou a Primeira Guerra Mundial. Em 1922, a porcentagem paga sob produtos manufaturados de importação, subiu 30%. Em 1925, a tarifa média dos produtos manufaturados era de 37% e, em 1931, de 48%. Todavia em 1960, os Estados Unidos mantiveram uma tarifa média de 13%. A este respeito, ver Chang, Ha-Joon, Remova a escada. A estratégia de desenvolvimento em perspectiva histórica, Madrid, Ed Instituto Complutense de Estudos Internacionais (ICEI), 2004 e SEVARES, Julio, Por que cresceram os países que cresceram, Buenos Aires, Ed Edhasa, 2010.

[13] Scalabrini Ortiz, Raúl, Política Britânica no Rio da Prata, Buenos Aires, Ed. Sol 90, 2001, Págs. 46 e 47.

[14] Ibid., Pgs. 47 a 49.

[15] JAURETCHE, Arturo. Política Nacional e Revisionismo Histórico, Buenos Aires, Ed. Corregidor, 2006, p. 14 a 16.

[16] ``A ``Revolução Libertadora´´ de 1955 queria fazer com o peronismo a mesma política da história que havia feito com os federais, reforçada pelas cátedras da Educação Democrática e pelas medidas destinadas a enterrar o passado, proibindo símbolos, cânticos e retratos... Por exemplo, para prejudicar Perón, tentaram identificá-lo com Rosas e resultou que Rosas saiu ganhando porque então o povo começou a entendê-lo´´ JAURETCHE, Arturo, ``Os vencedores de Caseros não fizeram uma história da política mas uma política da história´´. Crisis, dezembro de 1973.

[17] A respeito afirma Noberto Galasso: ``Na polícia armada da frente de libertação nacional, o General necessitava de um contato direto com ‘a espinha dorsal’ - os sindicatos – e essa tarefa foi realizada por ela, que já começou a ser ‘Evita’ e deixou os luxuosos vestidos pelo terno de alfaiate... Então, veio sua viagem à Europa e ao regressar, põe em marcha a Fundação, duplicando assim a tarefa social de apoiar o movimento. Ali entregou sua vida. ‘Não foi caridade’ – recordava seu confessor, o padre Hernán Benítez -. Era preciso ficar até a madrugada para responder às cartas porque nenhum argentino deveria ficar desapontado por falta de resposta, superando a fraqueza dos 38 quilos. O povo entendeu esse amor desenfreado. A oligarquia também por isso à odiava: ‘Viva o câncer’ escreveram nas paredes. Ela, consumida pela doença, disse suas últimas palavras: ‘Obrigado, Juan’. Os evitistas de última hora jamais serão capazes de compreendê-lo, esse é o ‘evistismo anti-perón’ que como disse alguém, é o estágio superior do gorilismo.” GALASSO, Norberto, Aquela mulher, segunda-feira, 9 de maio de 2011.

Tradução: Elvis Braz Fernandes

segunda-feira, 25 de julho de 2016

Trabalho, educação e cultura

por Alberto Buela

Trabalho

Costuma-se recomendar na filosofia, assim como fizeram entre outros Heidegger, Zubiri, Bollnow e nosso Wagner de Reyba, que a primeira aproximação (aproximación) ao objeto de estudo seja através de um aperfeiçoamento (acercamiento) etimológico. Porque, como afirma Heidegger: "a linguagem começa e termina ao fazermo-nos sinais da essência de uma coisa"[1]. Assim comprovamos que o trabalho provém do verbo latino tripaliare que por sua vez provém de tripalium=três varas (palos), que era um poste ou jugo feito com três varas onde se atavam os bois e também os escravos para açoitar. Vemos como o aperfeiçoamento etimológico ao termo trabalho nos revela sua vinculação ao sofrer, a qualquer atividade que produz dor no corpo. Daqui que o verbo tripaliare significa em latim atormentar, causar dor, torturar.

Esclarecido o termo passemos agora a sua descrição fenomenológica. O trabalho, que pode ser definido como a execução de tarefas que implicam um esforço físico ou mental para a produção de algum tipo de bens ou serviços para atender as necessidades dos homens, tem duas manifestações: como opus= obra e como labor=labor. Enquanto a obra expressa o produto ou bem objetivo que produz, assim como labor expressa o produto subjetivo que logra.

Sobre a obra não há discussão, a obra está aí, ao alcance da mão e da vista, no máximo se pode discutir se esta está bem ou mal feita. O assunto se complica no trabalho como labor, pois implica uma subjetividade, a do trabalhador. Pois no labor está implicado a expressão do próprio trabalhador. Até não muito [tempo atrás] se reservava o termo de "labores" a uma matéria nos colégios de senhoritas. Creio que a matéria se denominava "manualidades e labores", onde tecido (hilado), o bordado, o tecido (tejido) e a costura constituíam sua temática. É que o trabalho como labor implica a formação profunda do homem que trabalha. Não é necessário esclarecer que o termo homem compreende tanto a mulher quanto o varão, pois ambos formam parte do gênero homem. A língua alemã possui também dois termos para designar as manifestações do trabalho: Arbeit para obra e Bildung para labor. E este último tem o sentido de formação.

E aqui é onde encontramos nós a vinculação entre o trabalho e a escola: na busca não tanto da informação, de conhecimentos, mas na busca da formação do educando.

E a isto sobretudo ajuda o trabalho em uma época tão dessacralizada como a que hoje nos toca viver, pois o sagrado desapareceu de nossa consciência habitual. E a educação nos valores morais se tornou muito difícil, tendo em conta que o que o menino vê diariamente é corrupção, crimes, assassinatos, roubos, golpes, droga, desordem, anomia etc.

Assim o trabalho é o único meio que temos em mãos para criar virtude[2], pelo menos pela repetição de atos, de nos levantarmos todos os dias cedo ainda que não gostamos. De lavarmos o rosto e nos pentearmos. A cumprir um horário. De ter que escutar o companheiro de trabalho com suas diferenças e nos acostumarmos a conviver com o outro, ainda que mais não seja por oito ou seis horas diárias. O trabalho limita e faz moderar (morigera) o capricho subjetivo, de onde nascem todas nossas arbitrariedades e nossos males.

E como a virtude se funda na repetição habitual de atos bons, o trabalho nos permite o passo inicial à virtude, que é fazer as coisas bem, corretamente, evitando o dano ao outro e ao meio ambiente.

Em nosso país temos tido o privilégio de proclamar que existe uma só classe de homem: o que trabalha. Ou outro: governar é criar trabalho. Incluso a máxima obra teórico-política que com traços próprios e originais se realizou na Argentina durante o século XX foi a Constituição do Chaco de 1951, onde em seu preâmbulo afirma: Nós o povo trabalhador... e não como as Constituições de 1853, incluso a de 1949 e a atual 1994: Nós o povo... ao típico estilo liberal, filho dos jjuristas da Revolução Francesa.

É que em uma época não tão longínqua se sustentava e se proclamou aos quatro ventos o ideal da liberação pelo trabalho e através dele, a poupança (ahorro).

Hoje, pelo contrário, o não-trabalho e o subsídio vieram substituir o ideal da liberação pelo trabalho. Esperemos que não seja para sempre e possamos retomar tão louvável ideal.

Educação

Como fizemos com o termo trabalho, observamos que educação vem do latim ducere que significa guiar, conduzir. De modo que educar consiste em poder guiar conduzir o educando ao logro de sua formação de homem como tal.

Este ideal educativo nos chega dos gregos com sua famosa paideia, que significou a formação do homem de acordo com seu autêntico ser; o da humanitas romana do Varrón e Cicerón, de educar o homem de acordo com sua verdadeira forma humana; o do mundo cristão com sua ideia de exemplariedade em todos os tratados De Magistro dos pensadores medievais que têm Cristo como mestre dos mestres e o do mundo moderno com Johann Pestalozzi e seu método.

Todo este ideal educativo se plasmou em nosso país a partir da lei 1420 pela qual a educação primária tem como objetivo a eliminação do analfabetismo e a formação no menino dos valores morais. (Ensinam-se modos maneiras, costumes. Em uma palavra, ensinam-se hábitos práticos etc.) De igual maneira a educação média tem por objetivo fortalecer a consciência de pertença histórico-política à Nação a que se pertence. (Ensinam-se valores cidadãos e pátrios. Em uma palavra hábitos socio-políticos)

E finalmente a educação superior que tem por objetivo entregar um método de estudo sistemático e reconhecido, onde os logros dos níveis prévios podem se expressar e se detectem as carências. Todo este ideal educativo se questionou a partir do último quarto do século XX quando massivamente a escola deixou seus ideais de formação para se limitar, no melhor dos casos, a ser uma simples transmissora de conhecimentos.

A escola, e há que recordar mais uma vez, como seu nome indica é e deve ser antes que nada o lugar do ócio. O termo vem do latino schola, o que por sua vez vem do grego (scholé, N.A) que significa ócio. Antes que qualquer coisa, a escola é o lugar do ócio. Se se quer, o lugar onde não se faz nada. Nada de útil, nada que não tenha seu fim em si mesmo. Nada em vista de outra coisa que não seja a formação do próprio educando. O caráter de útil, a utilidade, vem depois da escola e é em geral uma preocupação dos pais. Uma vez que se determinou a escola se verá se seus ensinos são úteis. Mas a escola não é outra coisa que o lugar para aprender no ócio. É o desfrutar jogando na aprendizagem, uma aprendizagem que vale por si mesmo e não em vista de outra coisa. Este aprender é por nada. Tem um fim em si mesmo que é o acesso ao saber e à sabedoria.

Faz 2500 anos Platão na Carta VII nos legou um ensino perdurável de como nos aproximarmo-nos do saber e da sabedoria: primeiro através do nome, depois buscando a definição, em terceiro lugar a imagem representada para chegar por último ao conhecimento mesmo. E para que se entenda põe o exemplo do círculo. Em primeiro lugar temos um nome chamado círculo, depois buscamos a definição composta de nomes e predicados: aquele cujos extremos distam todos igual do centro. Em terceiro lugar a imagem como representação sensível, cópia imperfeita e não permanente exemplificada por círculos e rodas. Para chegar finalmente ao conhecimento mesmo, tudo o que "depois de uma longa convivência com o problema e depois de ter ganhado intimidade com ele, de repente, como a luz que salta da faísca, surge a verdade na alma[3].

Cultura

Cada vez que escutamos falar de cultura ou de gente culta, associamos a ideia com a gente que sabe muito, que tem títulos, que é lida, como diziam nossos pais, longe e há tempo. É por isso que fez fama, apesar de sua demonização política, a frase de Goebbels: Cada vez que me falam de cultura levo a mão ao meu revólver. Porque sintetiza melhor que nada, em um brevíssimo juízo, o rechaço do homem comum, do homem de classes mais baixas (pueblo llano), ao monopólio da cultura que desde a época do Iluminismo para cá possuem e exercem os ilustrados e suas academias.

Cultivo

Por outro lado, para nós cultura é o homem se manifestando. É tudo aquilo que ele faz sobre a natureza para que esta lhe outorgue o que de seu e espontaneamente não lhe dá. É por isso que o fundamento último do que é cultura, como seu nome indica, é o cultivo.

Cultura é tanto a obra do escultor sobre a pedra amorfa quanto a obra do torneiro sobre o ferro bruto ou como a da mãe sobre a manualidade do menino, quando lhe ensina tomar o talher.

Vemos de início não mais, como esta concepção é diametralmente oposta a essa noção livresca e acadêmica que mencionamos no começo.

O termo cultura provém do verbo latino colo/cultum que significa cultivar.

Para o pai dos poetas latinos, Virgílio, a cultura está vinculada no genis loci (o nascido da terra em um lugar determinado) e ele lhe outorgava três traços fundamentais: clima, solo e paisagem.

Caracterizado assim o genius loci de um povo, este podia compartilhar com outros o clima e a paisagem, mas não o solo. Assim como nós os argentinos compartilhamos o clima e a paisagem com nossos vizinhos, mas não compartilhamos o solo. E isso não apenas porque é que neste último se assenta o Estado-Nação, mas da perspectiva de Virgílio o solo é para ser cultivado pelo povo[,] sobre ele assenta para conservar sua própria vida e produzir sua própria cultura.

Enraizamento

Mas para que um cultivo frutifique, este deve deixar boas raízes, profundas e vigorosas que deem seiva ao plantado. Toda cultura genuína exige um enraizamento (arraigo) como o exige toda planta para crescer vigorosa e forte, e neste sentido recordemos aqui de simone Weil, a mais original filósofa do século XX, quando em seu livro L'Enracinement nos diz: o reconhecimento da humanidade do outro, este compromisso com o outro, só se faz efetivo se há "raízes", sentimento de coesão que enraiza as pessoas a uma comunidade"[4]. A filósofa deu um passo além, pois, passou do mero deixar raízes ao enraizamento que sempre indica uma pertença a uma comunidade em um lugar determinado. O enraizamento, diferente da terra natal que é o pedaço de terra natal, abarca a totalidade das referências à vida que nos são familiares e habituais. O enraizamento genuíno se expressa em um ethos nacional.
Fruto

Logo de ter arado, rastreado, semeado, regado e esperado o amadurecer, aparece o melhor que dá o solo: o fruto, que quando é acabado, quando está maduro, quer dizer perfeito, dizemos que o fruto expressa plenamente o labor e então nos gosta.
Sabor

E aqui aparece um desses paradoxos da linguagem que nos deixam pensando sobre o intrincado emparelhamento entre as palavras e as coisas Nós ainda usamos para expressar o gosto ou o prazer que nos produz um fruto ou uma comida uma velha expressão em castelhano: o fruto nos "sabe bem". E saber provém do latim sapio, e sapio significa sabor. De modo tal que podemos concluir que o homem culto não é aquele que sabe muitas coisas, senão o que saboreia as coisas da vida.

Sapiente

Existe para expressar este saber um termo que é o de sapiente, que nos indica, não só o homem sábio, mas aquele que une a si mesmo sabedoria mais experiência pelo conhecimento de suas raízes e sua pertença ao meio[5]. Os antigos gregos tinham uma palavra para expressar este conceito: (phrónesis)

Vemos, então, como a cultura não é algo externo, mas que é um fazer-se e um manifestar-se da coisa mesma (uno mismo). Por outro lado a cultura, para nós argentinos, tem que se americanizar, mas isto não se entende se se concebe a cultura como algo externo. Como uma simples imitação do que vem de fora, do estrangeiro.

Não há que esquecer que por detrás de toda cultura autêntica está sempre o solo. Que como dizia nosso mestre e amigo o filósofo Rodolfo Kusch: "Ele simboliza a margem de enraizamento que toda cultura deve ter. É por isso que se pertence a uma cultura e se recorre a ela nos momentos críticos para enraizar-se e sentir que está com uma parte de seu ser preso ao solo"[6].

Cultura e Dialética

É sabido desde Hegel para cá que o conceito é "o que existe fazendo-se", que para ele, encontra sua expressão acabada na dialética, que tem três momentos: o suprimir, o conservar e o superar. E não a vulgar expressão de tese, antítese e síntese a que não têm se acostumado os manuais. Temos visto até agora como a cultura põe fim, faz cessar a insondável completude (oquedad) da natureza primitiva com o cultivo, a pedra ou o campo bruto, por exemplo, e em um segundo momento conserva e retém para si o sabor e o saber de seus frutos, vgr.: as obras de arte. Falta ainda descrever o terceiro dos momentos desta Aufhebung ou dialética[7].

Se bem podemos, em uma versão sociológica, entender a cultura como o homem se manifestando, "a cultura, afirmamos em um velho trabalho, não é só a expressão do homem se manifestando, mas que também envolve a transformação do homem através de sua própria manifestação"[8].

O homem não só se expressa através de suas obras, mas que suas obras, finalmente, o transformam ele mesmo. Assim na medida em que passa o tempo o campesinato se mimetiza com seu meio, o obreiro com seu trabalho, o artista com sua obra.

Esta é a razão última, em nossa opinião, pela qual o trabalho deve ser expressão da pessoa humana, porque do contrário o trabalhador perde seu ser nas coisas. O trabalho devém trabalho alienado. E é por isso, por um problema eminentemente cultural, que os governos devem privilegiar e defender como primeira meta e objetivo: o trabalho digno.

Esta imbricação entre o homem e seus produtos onde em um primeiro momento aquele quita o que sobra da pedra dura ou o ferro amorfo para dar-lhe a forma preconcebida ou se se quer, para desocultar a forma, e, em um segundo momento se goza em seu produto, para, finalmente, ser transformado, ele mesmo, como consequência desse deleite, desse sabor que é, como vimos, um saber. Esse saber gozado, experimentado, é o que cria a cultura genuína.

Assim a sequência cultura, cultivo, enraizamento, fruto, sabor, sapiência e cultura descreve esse círculo hermenêutico da ideia de cultura.

Círculo que se alimenta dialeticamente neste fazer-se permanente que é a vida, onde compreendemos o mais evidente quando chegamos a conjecturar o mais profundo: que o ser é o que é, mais o que pode ser.

Resumindo, vimos como o trabalho gera virtude, pelo menos mundana ou não transcendente, que se relaciona com a educação enquanto ambas atividades buscam a formação do homem em seu ser, para que este possa plasmar em sua vida uma cultura genuína, isto é, vinculada a seu enraizamento.

NOTAS

[1] Heidegger, Martín: Poéticamente habita el hombre, Rosario, Ed. E.L.V., 1980, p. 20.-

[2] Outro grande iniciador laico, em algumas virtudes, é o esporte.

[3] Platão: Carta VII, 341 c4. Também em Banquete 210e 

[4] Weil, Simone: Echar Raíces, Barcelona, Trotta, 1996, p. 123.-

[5] Buela, Alberto: Traducción y comentario del Protréptico de Aristóteles, Bs.As., Ed. Cultura et labor, 1984, pp. 9 y 21. "Temos optado por traduzir phronimós por sapiente e phrónesis por sapiência, por dois motivos. Primeiro porque nossa menosprezada língua castelhana é a única das línguas modernas que, sem forçar, assim o permite. E, segundo, porque dado que a noção de phrónesis implica a identidade entre o conhecimento teórico e a conduta prática, o traduzi-la por "sabedoria" a seca, tal como se fez habitualmente, é mutilar parte da noção, tendo em conta que a sabedoria implica antes de nada um conhecimento teórico".

[6] Kusch, Rodolfo: Geocultura del hombre americano, Bs.As. Ed. F.G.C., 1976, p.74.

[7] Buela, Alberto: Hegel: Derecho, moral y Estado, Bs.As. Ed. Cultura et Labor- Depalma, 1985, p. 61 "Em uma sucinta aproximação podemos dizer que Hegel expressa o conceito de dialética através do termo alemão Aufhebung ou Aufheben sein, que significa tanto suprimir, conservar como superar. A palavra tem em alemão um duplo sentido: significa tanto a ideia de conservar, manter como ao mesmo tempo a de cessar, pôr fim. Claro está que estes dois sentidos implicam um terceiro que é o resultado da interação de ambos, que é o de superar ou elevar. Daí que a fórmula comum e escolástica para explicar a dialética é a de: negação da negação".

[8] Buela, Alberto: Aportes al pensamiento nacional, Bs.As., Ed. Cultura et labor, 1987, p.44.- 


terça-feira, 5 de janeiro de 2016

A corrupção do sagrado, ou: o elevado índice de suicídio indígena no Brasil

 
Uma vez saiu uma importantíssima notícia afirmando que a maioria dos moradores de rua são homens desiludidos com o amor. Muitos dos homens desiludidos chegam à depressão, outra parte se mata, e outro tanto toma outro rumo: se tornam andarilhos, vagabundos, gente sem rumo, sem casa, sem vida. É uma alternativa ao suicídio.

Estes homens perderam tudo em sua vida: para eles, o casamento é um sacramento, e a mulher que amaram: um templo de Deus. Corrompido, destruído e pulverizado este templo, manchado com a sujeira demoníaca da traição e da falta de comprometimento a Deus, não mais por ele Deus poderá ser louvado. E não será louvado enquanto não houver um templo.

O que estes homens perderam foi a conexão com o Centro do Mundo. Tudo se tornou, para eles, um erro, uma desordem, uma anarquia ontológica. Eles não perderam uma mulher, perderam um veículo de Deus, perderam o caminho rumo a Ele.

Mircea Eliade compreendeu este fenômeno ao apresentar exemplos de civilizações antigas que, tendo perdido o templo em alguma catástrofe natural ou em alguma guerra, todo um povo se dissolve em suicídio, muitas vezes por morte de fome voluntária. Neste artigo apresentaremos outro exemplo da perda do sagrado, algo muito próximo de nós, e muito próximo das civilizações antigas. Trata-se dos índios brasileiros que sofrem com a corrupção de suas terras e tribos, com a poluição da natureza e com as mudanças forçadas às quais são sujeitos por parte de empresas e governos. Os índios não perdem apenas as matas, os rios, seus povos sagrados e amados, perdem o Centro do Mundo.

Uma nova reportagem publicada pela Survival International revela que o temível índice de suicídio entre os indígenas Guarani Kaiowá do sul do Brasil é o maior do mundo.

O índice de mortes auto-provocadas dentro da tribo é 34 vezes o índice padrão do Brasil e estatisticamente o maior entre qualquer sociedade no planeta. Os índices de suicídios entre outros povos indígenas, tais como os australianos aborígenes e os nativos americanos no Alasca, também são excepcionalmente altos. Isso pode ser visto como resultado inevitável do roubo histórico e contínuo de de sua terra e do "desenvolvimento" forçado sobre eles.

A reportagem, "O progresso pode matar", expõe as devastadoras consequências da perda de terra e autonomia de povos tribais. Assim como os altos índices de suicídio entre tribos, isso também revela os altos índices de alcoolismo, obesidade, depressão e outros problemas de saúde.

A estatísticas particularmente impressionantes incluem os índices altíssimos de infecção HIV na Papua Ocidental, que de quase nenhum caso em 2000 aumentou para 10.000 em 2015, e o índice de mortalidade infantil entre australianos aborígenes é duas vezes o da sociedade australiana. Em grande parte no mundo, a subnutrição continua causando mais problemas, tais como a desnutrição das crianças guaranis no Brasil, que são forçadas a viver em rodovias, e a obesidade de muitos nativos americanos, para os quais a comida sem qualidade é a única opção viável.

Roy Sesana do Botswana Bushmen, que forçosamente foi despejado de suas terras em 2002, disse: "que tipo de desenvolvimento é este em que o povo é levado a viver menos do que antes? Eles pegam HIV/AIDS. Nossas crianças são espancadas na escola e não vão lá. Algumas se tornam prostitutas. Não somos permitidos a caçar. Eles brigam porque estão aborrecidos e bebem. Estão começando a cometer suicídio. Nunca vimos isso antes. Isso é "desenvolvimento"?

Olímpio, da tribo Guajajara na Amazônia brasileira, disse: "Somos contra o tipo de desenvolvimento que o governo está propondo. Penso que alguma ideia não-indígena de "progresso" é loucura! Eles vêm com essas ideias agressivas de progresso e as impõe a nós, seres humanos, especialmente a povos indígenas que são os mais oprimidos de todos. Para nós, isso não é progresso de jeito nenhum!"

Todas essas estatísticas demonstram as consequências fatais de forçar a mudança nas sociedades tribais em nome do "progresso" e do "desenvolvimento". Em muitos casos, as tribos foram forçadas a mudar de fontes de alimento abundantes e sustentáveis e de uma fonte de identidade em favor da pobreza e da marginalização nas margens da sociedade em geral. As trágicas repercussões dessas mudanças forçadas podem continuar ainda por várias gerações de aqui em diante.

Ao redor do mundo, as tribos continuam a lutar pelo reconhecimento do seu direito de viver em suas terras em paz. Onde esse direito foi respeitado ou restaurado, as tribos florescem. Por exemplo, depois da criação de uma reserva indígena no norte da Amazônia em 1992, grupos médicos trabalharam com shamãs tribais e junto deles reduziram à metade o índice de mortalidade entre os índios Yanomamis. Da mesma forma, os Jarawa na Índia vivem nas terras dos seus ancestrais e desfrutam do que tem sido chamado de "vida de opulência". Os nutricionistas classificam sua dieta como "ótima".

Survival Internation, o movimento global para o direito de povos tribais, está clamando às Nações Unidas para reforçar a proteção dos direitos de terras tribais e chamar atenção dos governos para que mantenham seus compromissos para com seus povos indígenas.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

O Ensaio de Golpe da Direita Globalista no Brasil

por Amarílis Demartini & Caimmy de Sá

Após os primeiros meses do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, intensos ataques à sua gestão começaram a ser disparados pela oposição e logo adquiriram o semblante de golpismo. Aécio Neves, recém-derrotado nas eleições, assumiu o papel de garoto propaganda das manobras e FHC veio à tona conclamar seus partidários. Logrou-se até derrubar alguns peemedebistas de cima do muro e convocar manifestações que, se não foram bem o que se esperava, conseguiram encher avenidas por todo o país e gerar apreensão. Em meados do ano já cogitávamos seriamente a possibilidade de que o governo do PT fosse derrubado, trazendo algo ainda pior do que o seu “neodesenvolvimentismo” alinhado com os usurários[1], e essa impressão se intensificou na última semana com a aprovação de um pedido de impeachment pelo presidente da Câmara dos Deputados. Mas, apesar de tudo, ficamos com a sensação de que a concretização das ameaças não será tão simples.

           Uma pista de qual seria a ponta solta da trama golpista está na série de declarações públicas contra a derrubada da presidente, vindas de notórios representantes dos interesses atlantistas[2], de bancos a órgãos de mídia[3]. Se o povo já não se levantar com o ímpeto necessário para defender o governo após o “pacote de maldades”, outros atores – os quais na democracia ocidental são, obviamente, muito importantes: os próprios beneficiários das medidas de austeridade, isto é, os credores do Estado – podem vir a evitar a sua derrocada. As questões que se colocam, então, e às quais tentaremos buscar respostas, são: por que a finança globalista, já estando em uma posição vantajosa com o PT, alimentou a possibilidade de golpe? Como se explicam os recentes desenvolvimentos dessa ofensiva? Quais são as possíveis estratégias por trás deles? E, mais importante, qual a posição mais adequada a ser tomada nessa
conjuntura por aqueles que, como nós, buscam um Brasil soberano?

            Achamos que as respostas estão em boa parte nas condições políticas particulares do Brasil. Dentre as dezenas de partidos políticos ativos, poucas são as figuras interessantes, com projetos diferentes e condizentes com a nossa realidade, e essas poucas (poucas mesmo) são quase sempre desconhecidas do grande público. As instituições políticas no geral e aqueles que as compõem são alvo de desanimador (embora compreensível) descrédito por parte da população, e se é verdade que esta está insatisfeita com o PT, o PSDB não goza de maior prestígio. Assim, o jogo democrático torna-se para o brasileiro cada vez mais um amontoado propagandístico sem capacidade representativa, sofremos com a carência de líderes e ideias autênticas, enquanto, por outro lado, isso se traduz num movimento de maior acirramento e envolvimento das pessoas com questões políticas, especialmente por parte dos jovens. Isto caracteriza uma tendência à instabilidade, que poderia muito bem resultar favorável para uma dissidência organizada, mas que carrega em si uma alta dose de imprevisibilidade. Tendo isso em mente, passemos a analisar os meios aventados para um golpe.

O Golpe Militar
            A sanha oposicionista parecia tanta, que chegou a ser considerada por muitos a ideia de uma intervenção direta das Forças Armadas no plano político federal. É bem verdade que existem grupos de oligarcas nacionais que trabalham para isso desde a derrubada do Regime Militar, os quais se agitam esperançosamente a cada momento de efervescência política no Brasil e se tornam mais impacientes a cada ano do Partido dos Trabalhadores no poder. Entretanto, estes elementos da burguesia interna vêm perdendo forças mesmo dentro das corporações militares, seu poder de mobilização é débil e estão já obsoletos para influenciar decisivamente os funcionários do governo americano, que ingenuamente consideram seu parceiro.Isso porque ao longo do regime militar essa oligarquia foi suplantada pelo aparelho midiático e a presença de corporações multinacionais agindo com muito mais liberdade no cenário político brasileiro. Embora ela mantenha sua influência local em alguma medida, o imperialismo pode agora, quase sempre, dispensar o emprego de intermediários nas questões de interesse externo.Tal situação apenas se agravou durante a vigência do neoliberalismo pós-Constituição de 1988.

Analisando as condições históricas, parece-nos que um golpe nos moldes de 64, ou seja, perpetrado pela intervenção direta das forças armadas, dificilmente se repetiria. No tempo de João Goulart não havia margem para uma alternativa democrática, legal ou institucional, que representasse um alinhamento com o poder anglo-americano que naquele momento exigia colaboração de todos os países da América, iniciando a Operação Condor com aval e apoio de setores políticos, militares, e associações civis ligadas, diretamente ou não, aos interesses da burguesia (e podemos citar com certa importância no caso brasileiro, a Opus Dei, a Maçonaria e outros círculos do tipo).

            Naquela situação, além do Ministério da Fazenda nas mãos de um economista do naipe de Celso Furtado, tínhamos um Darcy Ribeiro, ambos expoentes da corrente trabalhista.Não só isso, como se tinha um nacionalista feroz no governo do Estado do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, que estava disposto a reunir e convocar todo o III Exército a uma guerra anti-imperialista que se daria em solo brasileiro. Ou seja, a perspectiva de instaurarem-se projetos nacionalistas que poderiam vir a contrariar ou se indispor com os EUA era algo muito palpável, mesmo porque, no contexto de então, muito pouco era preciso para ser alvo de suspeitas.

           Com a vitória do modelo estadunidense sobre a antiga União Soviética, a ordem bipolar da Guerra Fria desmoronou e os representantes do Ocidente puderam avançar em muito com suas expectativas de uma ordem unipolar, sabendo que países que buscassem se livrar da sua influência não teriam mais outra potência à qual recorrer para sua sustentação no cenário geopolítico. Nós, na Ibero-América, logo sentimos os efeitos da nova postura dos EUA e da onda neoliberal que se sucedeu. Hoje no Brasil, temos um defensor de grandes conglomerados financeiros ocupando a pasta da economia, o governo faz privatizações, concessões, e até apoia na ONU a demonização do governo sírio de Assad.

           A própria oposição política, que caracteriza o maior veículo da ameaça golpista contra o PT, não gostaria de dividir seu protagonismo com os militares e correr o risco de ver o sistema democrático liberal enfraquecido. Para os atlantistas estrangeiros, tampouco é desejável que se abale esse sistema que tem garantido tão bem seus interesses no nosso continente – um fechamento político nas mãos das Forças Armadas poderia significar maior investimento na área de defesa, mudança de atitude com relação à cultura e até arroubos patrióticos, o que para aqueles seria puro retrocesso.

Além disso, dentre os oficiais do Exército já são poucos os que aspiram a meter-se pela política, a atitude legalista é enfatizada na instituição desde as primeiras lições e a discussão ideológica desencorajada. Isso vem em boa parte do fato de que os militares sofrem até agora as amargas consequências do antigo golpe, em um duplo sentido. Por um lado, há uma política que tende a condenar os militares não como traidores da Pátria(que de fato foram), mas como violadores dos "direitos humanos", política que leva a processos, sindicâncias, assédio e ações vexatórias vindas de movimentos de esquerda (principalmente, mas não só de esquerda).  A Comissão da Verdade,criada por Dilma Rousseff e pautada por uma moral "humanitária",quase nada falou do papel representado pelo empresariado envolvido com multinacionais nas manobras que levaram ao colapso de Jango, mas trouxe uma série de incômodos ao meio militar e poderia ter sido bem pior, se fossem instaurados processos criminais tal como certos movimentos cobravam. Digamos que as recentes provocações certamente irritaram muitas pessoas ligadas à caserna brasileira, mas ao invés de incitara uma reação revanchista,fizeram essas pessoas quererem manter-se longe de dores de cabeça por algum tempo.

           Por outro lado, o próprio processo de golpe instalou uma cultura de despolitização das Forças Armadas ao distanciá-las do amplo debate público. No momento que precedeu o golpe, era comum ver os militares divididos entre grupos nacionalistas, comunistas e liberais filo-atlantistas. Com a vitória da ala liberal através do golpe, os elementos militares pertencentes aos outros dois campos foram purgados do aparato de defesa, levando à hegemonia de um único grupo e, por consequência, à despolitização. Basta pensarmos na exclusão de Ivan Cavalcanti Proença e Nelson Werneck Sodré, respectivamente um nacionalista e um comunista.

O Golpe Institucional
           A forma mais cômoda para um golpe da direita contra Dilma seria a via institucional, jurídica ou parlamentar. Isso poderia acontecer através da anulação das eleições, o que foi tentado quando Gilmar Mendes, ministro do STF(Supremo Tribunal Federal) requisitou a investigação das contas de campanha da chapa eleita, alegando o possível uso de dinheiro proveniente do esquema de corrupção da “Lava Jato”[4]. Mas o pedido foi arquivado pelo procurador-geral eleitoral, que alegou falta de indícios suficientes e expiração do prazo para a entrada com recursos. Desde então, Mendes vem tentando outros caminhos para invalidar o pleito, mas até agora nenhum logrou progresso.

           Outra forma de atacar pela via institucional é através da abertura de processos de impeachment, e Eduardo Cunha (deputado eleito pelo PMDB e presidente da Câmara) finalmente aceitou um pedido depois de ter recebido uns 15 deles. Os antecedentes deste acontecimento envolvem toda uma trama de denúncias e negociações políticas que vem se desenvolvendo entre o governo e sua base, pressionada pela oposição. Já em setembro havia sido criado um movimento congressista oficial pelo impeachment unindo deputados oposicionistas e os rebeldes da base, ao que a bancada governista reagiu com um movimento “anti”. Cunha vem sendo acuado por investigações de corrupção e lavagem de dinheiro, e o fato de o PT ser o principal partido que pretende levar adiante o processo de cassação que corre contra ele no Conselho de Ética certamente influenciou sua ação de ataque à presidência.

           Para que o processo de impedimento da presidente tenha sucesso, é necessário que seja analisado por uma comissão parlamentar especial e aprovado na Câmara por mais de dois terços dos deputados, com o que Dilma Roussef seria afastada por 180 dias, assumindo o vice-presidente Michel Temer (PMDB). A partir daí, o processo se encaminha ao Senado e, havendo a condenação de dois terços dos senadores, Dilma deixa a função. Entretanto, essas maiorias não são fáceis de conseguir, pois exigiriam uma ruptura total da base com o governo e aqui vemos a necessidade de falar do principal componente dela, o PMDB.

           O chamado Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) protagoniza a situação politicamente escorregadia e imprevisível na qual nos encontramos. A sigla representa o maior partido do país, o qual tem sido essencial para o que se convencionou chamar “governabilidade”: sem nunca ter elegido um presidente, a legenda está profundamente arraigada em todo o aparelho estatal, influencia toda decisão abrangente e é afamada por seu oportunismo. Dilma vem negociando com o PMDB constantemente, os favoreceu na nomeação dos ministérios, mas ainda assim o partido mostra-se pouco interessado em colaborar e nenhuma declaração de apoio contra o impeachment veio até agora, nem sequer do vice-presidente Michel Temer, de quem Roussef disse esperar “integral confiança”. Muito pelo contrário, uma embaraçosa carta de Temer à presidente foi divulgada na mídia essa semana, e Eliseu Padilha, homem próximo àquele, acaba de pedir demissão do Ministério da Aviação Civil. O partido ainda lançou, no final de outubro, um documento contendo críticas às políticas econômicas dos petistas e reforçando seu compromisso com o liberalismo econômico. Porém, não seria surpresa nenhuma se esta organização grande, ideologicamente débil e com tantos interesses conflitantes, acabasse dividida, o que inviabilizaria os planos golpistas.

           O cenário de golpe institucional é possível, mas lhe falta respaldo de importantes setores. O ex-ministro do STF Carlos Ayres Britto, entre outros especialistas do Direito Constitucional, manifestou-se anteriormente ressaltando que não há base jurídica para um impeachment. Há também diversas entidades de pressão popular que se mantêm do lado do governo, pela sua ligação histórica com o Partido dos Trabalhadores. A capacidade de apaziguar as demandas classistas dos trabalhadores tem sido, na verdade, um dos pontos positivos para o capital nos anos de PT, mas também vem gradualmente se desgastando. Apesar de toda a insatisfação que as medidas deste mandato têm suscitado entre os seus apoiadores mais à esquerda (ou simplesmente mais conscientes), em uma situação de golpe da direita, provavelmente eles iriam às ruas e não seriam facilmente reprimidos. O mesmo não se pode esperar dos partidários da oposição.

O que é que está acontecendo?
            A disputa pelo Estado que nos aparece na forma básica de PT versus PSDB se digladiando corresponde a projetos concorrentes, em ambos os quais atores econômicos saem ganhando e o país sai perdendo, mas um deles se destaca como potencialmente mais nocivo do que o outro. Este se caracteriza pela alternativa deliberadamente atlantista encabeçada pelo PSDB.

            É notório que o governo petista tem cedido terreno ao grande capital e garantido seu lucro em detrimento do nosso desenvolvimento (não apenas econômico, mas também cultural e moral), quando não abertamente, por seu envolvimento em práticas de corrupção que, além de constituir alta traição em si mesmas, tornam nosso Estado vulnerável aos ataques do interesse globalista.  O escândalo da Petrobrás, por exemplo, não obstante se tenha tornado um “escândalo” com um empurrãozinho da influência externa e da mídia sua serviçal, resultou na desvalorização da nossa principal estatal, com a venda de ativos a investidores privados e a abertura do precedente para maiores concessões do pré-sal a gigantes internacionais. Esta perda é incalculável para o Brasil.

            Se, no entanto, o capital internacional tem avançado sobre os bens brasileiros e o setor financeiro tem quebrado sucessivos recordes de lucro por aqui[5], o fato é que nunca se dão por satisfeitos e sabem que estariam em situação mais vantajosa com o PSDB no poder. Esta afirmação é corroborada pela análise dos financiamentos de campanha das últimas eleições[6]. O PT aparece atrás do PMDB, como o terceiro colocado com relação ao montante arrecadado e uma receita total de $385,993,122.54, enquanto o PSDB, campeão de arrecadação, tem um total de $629,323,035.76. Ao sondar-se a proveniência das doações, nota-se a aberta preferência do setor bancário e de serviços financeiros pelo PSDB. Ora, qualquer um que esteja a par da importância da geopolítica para se compreender o mundo atual e agir nele, sabe que o setor bancário não é simplesmente mais um braço qualquer do capital[7], servindo como o principal instrumento de submissão das nações pelo projeto liberal globalista. É quando a atuação dos bancos é rechaçada por governos resistentes que o atlantismo passa a lançar mão de outros tipos de intervenção, suscitando guerras e “revoluções laranjas”, como vimos recentemente na Líbia, na Síria e em um bocado de outras nações, nesses tempos de ofensiva da unipolaridade.

            No Brasil, bem menos que isso foi necessário para incomodar aqueles que se sentem os donos do mundo: a presença dos bancos estatais na nossa economia vem irritando os banqueiros. Ao disponibilizar linhas de crédito acessíveis, a Caixa Econômica Federal tirou deles uma fatia importante do mercado, e isso se traduziu em ataques à instituição, ao que o governo respondeu sinalizando a privatização[8]. O BNDES, ainda mais incômodo por financiar os grandes projetos do PAC, foi o alvo seguinte, com a abertura de uma CPI debaixo de intensas críticas da mídia. Além disso, outras movimentações do governo também contribuíram para exasperar os financistas, são algumas delas: a intenção de não mais operar com o manejo da taxa SELIC, que beneficiava os bancos; a sanção da lei de superávit primário que privilegia as empreiteiras em detrimento daqueles; a taxação sobre o lucro dos bancos que, ao estender o ajuste fiscal aos mais ricos, aumentaria em 3 a 4 bilhões a arrecadação estatal; e o esforço para restabelecer a CPMF.

            Como toda ação que leve ao desabono de empresas nacionais abrirá espaço para o capital internacional, e ainda com base nos financiadores do PSDB e o projeto de enfraquecimento do aparelho estatal ao qual esse partido se propõe, podemos afirmar que a disputa política entre PT e PSDB reflete em boa medida a disputa levada a cabo entre capitais internos e externos, não se limitando ao setor financeiro. Com isso, temos de onde saíram, em termos econômicos, os incentivos ao golpismo e não há dúvidas de que foram seguidos de perto pela intrusão política e ideológica dos EUA[9].
            Então, por que duvidamos do sucesso da empreitada golpista?
  1. Em parte, pelo fracasso da oposição em conseguir apoio popular e político.As bases impulsionadas pelos thinktanks americanos e que lideraram as manifestações de rua anti-PTtem se enfraquecido, sofrendo seguidos rachas por discordâncias entre os líderes e também porque setores mais propensos ao conservadorismo, usados como idiotas úteis pelos liberais, têm começado a ressentir-se[10]. Por mais que a população esteja descontente com a crise financeira e desaprove a administração de Dilma Roussef, não há indícios de um movimento massivo e disposto a sair às ruas pelo impeachment.
  2. Além disso, as medidas de austeridade impostas pelo Ministro da Fazenda, Joaquim Levy,garantirão que o Brasil continue pagando as dívidas regularmente, com os juros abusivos de sempre, subsídios para o agronegócio, a deterioração dos direitos trabalhistas para a burguesia industrial (turbinada pela imigração direcionada pelos capitalistas aos municípios industriais) e a alegria do setor exportador com a alta vertiginosa do dólar. Sendo assim, para o capital atlantista pode ser mais seguro evitar a instabilidade e tentar manter os níveis de insatisfação das massas contra Dilma para serem usados em uma derrota eleitoral em 2018.
            Temendo o trunfo Lula, a oposição emplacou ainda certas alterações legislativas que inviabilizariam o financiamento da campanha petista, já prejudicado de todo modo pelo desmonte dos esquemas com empreiteiras. Nesse sentido, os oposicionistas sofreram uma derrota com a aprovação do fim do financiamento de empresas nas campanhas. De toda forma, a ofensiva liberal não está derrotada e o Brasil precisa de um movimento que não se acue diante dela para livrar-se do jugo imperialista de uma vez por todas. A nós está muito claro que esse movimento não virá do PT.
 
Conclusão
            Queremos deixar claro que repudiamos o PT, por toda sua condescendência para com o globalismo no campo da economia e também pela adoção de um programa completamente afeito às piores degenerações liberais nos âmbitos social e cultural, com grande prejuízo para a tradição brasileira. Entretanto, em política a neutralidade é impossível e pretender refugiar-se nela é apoiar um ou outro lado, conscientemente ou não. Com a crise política instalada no Brasil este ano, vimos partir tanto de círculos da extrema-esquerda quanto de nacionalistas o reforço ao coro golpista anti-PT por vários motivos. Essa atitude pode ser fruto de legítima revolta, mas, no momento, não ajuda o Brasil, nem a classe trabalhadora brasileira.

Não estamos dizendo, com isso, que o governo petista (especialmente o de Dilma Rousseff e ainda mais nesse segundo mandato) seja minimamente contra- hegemônico. Por muito do que dissemos nesse texto, é evidente que não é esse o caso. A questão que faz com que nos oponhamos à derrubada do governo é a falta de qualquer alternativa que ofereça melhores perspectivas no curto prazo – o fiasco nacional que é o sistema partidário atual não acabará sem trabalho árduo e revolucionário, de conscientização, desconstrução e conquista de espaços. A ascensão de figuras do PSDB ou PMDB, partidos que não se preocupam em manter sequer uma imagem de resistência, representaria uma vitória ainda maior para o capital financeiro por aqui, causando danos que, mesmo com a construção de uma alternativa realmente dissidente não poderiam ser reparados sem muita dificuldade. O PT, por querer manter-se no poder, sabendo que não tem a confiança do atlantismo e que pode perder o apoio das próprias bases militantes, fica na defensiva e para isso precisa amparar-se em algumas das posições que serão importantes para retomar uma política soberana.A postura do PT contra a pilhagem do aparelho e empresas estatais é fraca demais para impedir a rapina, mas ela não seria nem encontrada com a oposição no poder, e o processo seria acelerado. Talvez, tentando ser otimistas em uma situação bem pouco propícia a isso, poderíamos pensar que uma pressão vinda das ruas lograria uma postura mais incisiva do governo. Foram formadas frentes de esquerda com esse propósito, ainda que por um viés com o qual temos muito desacordo[11].

            Assim, reafirmamos nossa ruptura com toda a política moderna, com as direitas e as esquerdas, mas sem nunca tirar os pés do chão. Porque queremos uma revolução real,será preciso saber valer-se de tudo o que puder se tornar um recurso contra o inimigo e agir no mundo que ele mesmo construiu para implodi-lo. Assim, buscamos no momento de crise a oportunidade para inserir no debate público nacional uma opção autêntica pautada pela Quarta Teoria Política[12] e não por falsas dicotomias como petismo ou anti-petismo, dicotomias essas calcadas namodernidade a ser ultrapassada e que podem distrair tanto dos pontos fundamentais sobre os quais devemos estar atentos quanto do poder real de escolha que temos.

Notas:
[1]As aspas são porque a versão de que os governos de Lula e Dilma foram neodesenvolvimentistas é contestável. Falta à política petista uma série de características centrais do desenvolvimentismo de Celso Furtado, do qual a versão “neo” procederia. Furtado tinha em vista a soberania nacional, através da internalização das decisões políticas e econômicas, portanto, a condescendência atual para com as instâncias estrangeiras já seria uma contradição, daí a ironia. Para maiores detalhes referentes ao questionamento de tal tese, conferir:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-66282012000400004&script=sci_arttext

[2] “Atlantismo” é um termo importante para nós. Ele foi sucintamente definido por Aleksandr Dugin da seguinte forma:
“Atlantismo – termo geopolítico significando:
- sob o ponto de vista histórico e geográfico, o setor ocidental da civilização mundial;
- sob o ponto de vista estratégico-militar, os países membros da OTAN (em primeiro lugar, os EUA);
- sob o ponto de vista cultural, a rede unificada de informações criada pelos impérios midiáticos Ocidentais;
- sob o ponto de vista social, o ‘sistema de mercado’, afirmado como sendo absoluto e negando todas as formas diferentes de organização da vida econômica.”
Texto completo e traduzido em: http://evrazia.info/article/4436

[3]Aqui podemos citar Itaú, NY Times, Globo, entre outros.
http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/08/1672332-nao-ha-motivos-para-tirar-dilma-do-cargo-diz-presidente-do-itau-unibanco.shtml
http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/08/impeachment-sem-evidencia-concreta-traria-dano-diz-new-york-times.html
http://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/08/em-editorial-surpreendente-globo-pede-sustentacao-ao-governo-dilma.html

[4]Esta Operação mereceria um texto inteiro e é certamente a antessala da estratégia golpista.

[5]http://g1.globo.com/economia/negocios/noticia/2015/08/mesmo-diante-de-crise-lucro-dos-bancos-nao-para-de-crescer.html

[6]Devemos os créditos dessa análise e outros dados, referentes à conjuntura econômica, ao artigo de Pablo Polese (Mestre em Sociologia pela UNICAMP, doutorando em Serviço Social pela UERJ e UFRJ) no blog esquerdista Passa Palavra.

[7] Ao que parece, a maior parte dos marxistas se esforça para ignorar peremptoriamente este fato.
8http://www.valor.com.br/politica/3833616/vou-abrir-o-capital-da-caixa-mas-processo-demora-adianta-dilma

[9]http://mundo.sputniknews.com/americalatina/20150414/1036371835.html

[10]Por exemplo, o desentendimento entre “libertários” e “liberais” no Instituto Mises Brasil, e entre o Movimento Brasil Livre e os seguidores de Olavo de Carvalho, etc.

[11]É o casoda Frente Brasil Popular e da Frente Povo Sem Medo. Embora essas iniciativas tenham muitas pautas válidas, infelizmente, se desviam do foco e valem-se de um discurso de cunho liberal em questões não econômicas, defendendo degenerações absolutamente impopulares, como é comum às esquerdasnos nossos dias.

[12]Quem não conhece os fundamentos da Quarta Teoria Política, neste vídeo pode ver uma breve explicação do Professor Aleksandr Dugin com legendas em português: https://www.youtube.com/watch?v=YpRykFhRlIA