sábado, 20 de fevereiro de 2016

Sobre a natureza das relações entre os débeis e os fortes


Por Marcelo Gullo* - esboço para a construção de uma teoria crítica das Relações Internacionais

Palavras-chave: Teoria crítica das relações internacionais, Política externa, Política econômica, Subordinação ideológica, Impulso estatal, Insubordinação fundante.

Introdução

Como nossos jovens universitários desde o México até Buenos Aires, desde Lima até o Rio de Janeiro, estudam as relações internacionais? Quais textos utilizam? Embora existam distintos enfoques e programas - com efeito dada a existência de numerosas casas de altos estudos -, alguns mais tradicionais, outros mais modernos, alguns mais teóricos, outros mais práticos, os textos que são utilizados, salvo contadas exceções, são os dos grandes estudiosos norteamericanos e europeus que conceberam seus ensaios a partir de meados do século XX.

O primeiro aspecto negativo desta questão é que isso deixou uma grande região de obscuridade relativa no estudo das relações internacionais: o funcionamento da hierarquia internacional, ou se se prefere, da natureza das relações entre os fracos e os fortes. Por este motivo, o objetivo principal deste trabalho é tratar de iluminar, ainda que parcialmente, esta região obscura. Nesta tarefa nos concentramos principalmente neste escrito deixando de lado - intencionalmente -, importantíssimos temas que não poderiam ser tratados nestas poucas páginas.

O segundo aspecto negativo é que se continua formando jovens gerações sem portá-los com uma bagagem crítica e complementária. Em raras ocasiões os jovens são advertidos de que as relações internacionais não podem ser consideradas uma ciência pura, ou seja, descontaminada e resguardada dos vai-véns da história e da "facticidade". Tampouco são advertidos de que não é possível realizar uma "aproximação objetiva", se por isto se entende a carência de toda projeção ou influência de valores (pessoais e sociais), sobre os investigadores, as teorias ou os sistemas; e que tampouco há "consideração desinteressada", porque nada mais interessado e situado do que o sujeito humano.

Importa precisar que: "O século XXI começou com uma mescla mortal de incerteza, mistificação e ainda dogmatismo ideológico, junto a visíveis tentativas de novas ordens estratégicas, onde o antigo e persistente jogo da dominação se expressa em relações de poderio recentes e mais complexos"[1]. A globalização comunicacional e econômica agigantou os jogos do poder e os fatos demonstram que "o problema e as práticas de dominação não só subsistem, mas que tendem a se acentuar conflitiva e desordenadamente... tecnológica e comunicacionalmente ampliadas, o ameaçador jogo entre a dominação e a liberação contínua sem pausa na milenar trajetória"[2].

É por isso que uma das tarefas primordiais dos trabalhadores da cultura, entre eles os professores de relações internacionais, nas regiões subordinadas, deveria consistir em "desembaraçar as ideologias dos sistemas centrais, enquanto elas representam forças e instrumentos de dominação. Mas a realização cabal desta tarefa pressupõe, por sua vez, a construção e o uso de um instrumento adequado: necessitamos, pois, de uma nova ciência do pensar, isto é, de uma epistemologia própria"[3].

Devemos então pensar desde o "universal situado", realizar uma leitura das relações internacionais "culturalmente situada"[4]. Não renunciamos [a tarefa de] explicar o sistema em seu conjunto, não renunciamos a pretensão de universalidade do conhecimento, nem estamos dispostos a assumir uma posição relativista. Uma "universalidade situada" supõe que miremos, observemos, sempre, desde um ângulo. Não se pode nunca ver todos os ângulos ao mesmo tempo. Sempre vemos em perspectiva e o lugar desde onde miramos e observamos gera categorias. Conclui-se, então, que necessitamos um corpus epistêmico que permite dar conta de nossa perspectiva, mas é preciso advertir que os corpus epistêmicos não se pagam nem se alugam, se constroem.

Seguindo o pensamento de Mario Casalla cremos que: "Toda reflexão está situada e é desde essa situação concreta a partir da qual se estabelecem e se abordam os denominados fatos. Trata-se assim de uma dupla situacionalidade: a do investigador diante do fato (hecho: no duplo sentido que esta palavra tem) e a deste fato em si. Não há investigadores nem fatos isolados e o problema da busca da pureza ou da objetividade - no sentido quase religioso com que este termo é pronunciado no credo positivista e neopositivista - é tão ingênuo quanto impossível... todo pensar (adverte-se ou não; assuma-se ou não se assuma) é um pensar de e desde uma situação (por sua vez, pessoal e histórica), e que esta o realimenta permanentemente. Isso não significa, nem sequer aproximadamente, que o 'fato' em particular deva ser substituído por uma situação que o acompanha. Muito pelo contrário, o que queremos significar é a impossibilidade de abster da situação, de fechar o meio - sem mais e sob o digno manto do 'rigor científico' - à estrutura dentro da qual algo é o que é".[5]

Todo estudioso das relações internacionais pensa e escreve (assuma ou não assuma) desde uma região subordinante ou uma região subordinada, e sua produção intelectual (advirta ou não advirta) pode servir para perpetrar a situação de subordinação ou para superá-la.[6]

A estas alturas do nosso raciocínio devemos esclarecer que, para realizar uma "leitura culturalmente situada" do pensamento produzido no marco das relações internacionais como disciplina de estudo, devemos precisar que "a situação não é o conjunto pré-fabricado de circunstâncias que rodeiam o fato (uma obra, um autor, uma ideia)... situar um pensamento é compreendê-lo dentro daquela estrutura histórica (quer dizer, não é meramente formal) em relação com a qual este se expressa e dentro da qual adquire sua especificidade".[7]

Todo o pensamento produzido no marco das relações internacionais como disciplina científica é um discurso situado, isto significa que: todo pensamento é um discurso de uma determinada situação, tanto como transcendência e vontade de superação. "O pensamento é, assim, um modo determinado da práxis - nunca, portanto, simplesmente teórico ou puro -. E, assim como a situação não é uma estrutura formal, tampouco é um tipo de ente 'explicatio' que 0 desde o 'geral' - dá conta do particular. Nem as 'condições objetivas' que certo positivismo e marxismo (do século passado, mas também deste) aludem quando desejam explicar porque as coisas sucedem tal como sucedem. Aquele jogo que descrevemos de totalização e transcendência, de singularidade e alteridade, de vai-vem entre o fático e o hipotético, não pode ser reduzido a um universalismo, transcendentalismo, nem estruturalismo de nova ou velha espécie".[8]

É por tudo que fora exposta que, este esboço a uma teoria crítica das relações internacionais, tenta ser um pensar desde nossa situação de subordinação, uma tentativa de refletir desde nosso estar e desde nosso ser. Um pensar as relações internacionais desde uma região subordinada, convencidos de que, como sustentava Stanley Hoffmann: "... nascida e formada na América do Norte, a disciplina das relações internacionais está, por assim dizer, demasiado próxima do fogo" E que: ".... necessita uma tripla distância: deveria se afastar do contemporâneo rumo ao passado; afastar-se da impossível busca da estabilidade; abandonar a ciência política e retomar a empinada ascensão rumo aos altos picos que os interrogadores levantados pela filosofia política tradicional significam".[9]

Na mesma linha de reflexão de Stanley Hoffmann, Miguel Barrios sustenta que: "as Relações Internacionais em seu caráter de disciplina, de forte raiz anglo-saxã, se consolidam universitariamente associadas à hegemonia dos EUA e à visão cultural norteamericana, desconhecendo ou abordando secundariamente, ou melhor dizendo, desconhecendo as contribuições filosóficas e teóricas de outras correntes do pensamento internacional, que vêm desde a antiguidade ou do Direito das Gentes da escolástica, ou da geopolítica, inerente à ação e estratégia dos Estados."[10]

Nos propomos, então, pelas razões expostas, estudar histórica e analiticamente as relações internacionais da perspectiva de uma região subordinada. Somos conscientes de que, para analisar o passado, para compreender os processos em andamento e para projetar hipóteses sobre o futuro, é-nos necessário um sistema apropriado de categorias que não pode ser em um todo - pelas razões expostas pelo mesmo Hoffmann - elaborado nos altos centros de excelência dos países subordinante. Consideramos preciso esclarecer que nossa respeitosa, porém irrenunciável, visão crítica não implica em geral nem o desconhecimento nem o rechaço em bloco da produção intelectual realizada nos países subordinantes - particularmente a produzida nos Estados Unidos, lugar de nascimento das relações internacionais como disciplina de estudo, mas a análise crítica e uma leitura culturalmente situada de tal produção intelectual. A necessidade de uma postura crítica nos parece tão mais necessária quanto, comumente, fora dos Estados Unidos, como também destaca Hoffmann, os especialistas em relações internacionais tendem, com demasiada frequência, a refletir mais ou menos servilmente e com algum atraso as "modas" norteamericanas - os debates e as categorias de análise em voga - e ao fazê-lo, refletem, e servem também, ao interesse político dos Estados Unidos, dada a conexão existente em tal país entre o mundo acadêmico e o mundo do poder, que coloca grande número de acadêmicos e investigadores não meramente nos "salões" do poder, mas também na "cozinha" do poder.[11]

Importa destacar que o ato reflexivo dos especialistas em relações internacionais fora dos Estados Unidos de seguir os debates e as categorias de "moda" nesse país dá, também, como resultado "malhas curriculares, especialmente em Teoria das Relações Internacionais, de uma narração caótica, descontextualizada, sem tempo-espaço e menos com um fio conceitual, exceto a narração. E a novidade incessante da "aparição" de novas "teorias" que formam parte da narração continua, e são abordadas como se se tratasse da teoria da relatividade de Einstein. Basta observar brevemente a temática na América Latina dos Congressos de Relações Internacionais e Ciência Política para comprovar o que foi dito. Sempre uma hierarquização positivista, é tácita a seus programas" [12]. Bruscamente salienta Barrios que, na Iberoamérica, para qualquer cientista das relações internacionais, o não se submeter aos debates e categorias de moda, nem a suas premissas tácitas "pode conduzir ao isolamento do sistema meritocrático científico."[13]

Devemos precisar também que, ao tentar elaborar um esboço para uma teoria crítica das relações internacionais, somos plenamente conscientes de que Raymond Aron demonstrou, com segurança e há já muitos anos, que nenhum teórico das relações internacionais poderá, jamais, chegar à elaboração de leis gerais que façam possível a predição e que é pouco o que se pode fazer além de tratar de tornar inteligível o campo de análise, mediante a definição de conceitos básicos, mediante a análise de configurações essenciais e o esboço das características de uma lógica constante de comportamento.

É preciso esclarecer, por último, que quando nos referimos a que um Estado é um Estado subordinado a outro não fazemos referência a sua posição econômica, mas a uma situação de poder. Os termos Estado subordinado e Estado subordinante não são estritamente sinônimos de Estado subdesenvolvido e Estado desenvolvido. Ainda que exista, logicamente, uma relação entre subdesenvolvimento e subordinação, um Estado desenvolvido por ser um Estado subordinado. O desenvolvimento - industrial e científico-tecnológico - é um requisito indispensável para sair estruturalmente da situação de subordinação, mas não é condição suficiente para não ser um Estado subordinado. Se é um Estado subordinado, um Estado autônomo ou um Estado subordinante não só pelo grau de desenvolvimento industrial e tecnológico alcançado, mas pelo poder que se tem.[14] Assim um Estado desenvolvido - em termos de capacidade industrial e produção de tecnologia - que perde poder pode passar, lenta ou vertiginosamente, a converter-se em um Estado subordinado.

O Estado francês é, nesse sentido, um exemplo paradigmático, deixou de ser um Estado subordinante - parte do núcleo do centro do poder mundial - durante ps séculos XVIII e XIX para converter-se, depois da Segunda Guerra Mundial, em um Estado subordinado dentro do sistema internacional para voltar a alcançar, paulatinamente, uma situação de autonomia nacional com a chegada ao governo do General De Gaulle em 1958, até princípios do século XXI quando começa a se deslizar, novamente, para uma situação de subordinação privilegiada.[15]

Estamos vivendo tempos interessantes, tão interessantes que o ter se convertido o processo de integração da Europa, depois da criação do Euro, em um processo de "integração satelizante", , vemos aparecer dentro da própria Europa Estados subordinantes e Estados subordinados. Vemos se deslizar lentamente Portugal, Itália, Grécia e Espanha para uma situação de subordinação, que pareceria irreversível. Dessa forma estas linhas que teriam como destinatários principais os homens e mulheres dos Estados subordinados da América do Sul sejam quiçá também de utilidade para os homens e mulheres dos novos Estados subordinados da Europa.

A principal característica do sistema internacional

A principal característica do sistema internacional, como sustenta Raymond Aron (1905-1983), reside no fato de que as unidades políticas que o integram se esforçam em impor, umas às outras, sua vontade.[16] A Política Internacional comporta, sempre, um conflito de vontades: vontade para impor ou vontade para não se deixar impor, a vontade do outro.

Importa ressaltar que uma unidade política para resistir à imposição da vontade de outra unidade política só pode contar, em última instância, com suas próprias forças, pois da simples observação objetiva do cenário internacional se conclui que o direito internacional é uma teia de aranha que captura a mosca mais fraca, mas que deixa passar, sempre, a mosca mais forte.[17] Não é o direito internacional o fator principal que inibe que as unidades políticas mais poderosas que integram o sistema internacional utilizem a força para impor sua vontade, mas a simples equação custo-benefício tanto a nível interno como externo. No cenário internacional, o poder é será, sempre, a medida de todas as coisas. Os Estados não são iguais uns aos outros simplesmente porque alguns têm mais poder que outros e o princípio de igualdade jurídica dos Estados, proclamado pelo Direito Internacional, é uma ficção jurídica que apenas serve a fins decorativos. Afirmar que, no cenário internacional, o poder é a medida de todas as coisas não implica postular a ausência de limites como um ideal e uma regra de conduta para os Estados, nem desconhecer a importância da mortal internacional a opinião pública internacional e o Direito Internacional como limitações do poder dos Estados, mas antes reconhecer que a "proximidade" desapareceu do quadro de valores praticáveis. "A 'proximidade', derivada da parábola do bom samaritano, é de absoluto caráter teológico e só pode ter vigência em um Estado teológico, como historicamente teve no Sacrum Imperium; mas transportada à ordem política secular se troca em um fator de poder, em um instrumento de domínio dos Estados onívoros que deglutem assim os Estados fracos. Não pode haver proximidade com a poderosa ordem temporal, pois é uma lei inexorável que sempre o poderoso termina aniquilando o fraco. A rigor, na ordem política não pode haver amizade, mas sobre a base da igualdade, que se traduz fugazmente no equilíbrio de poder, que sempre dura pouco. Por isso a conduta consequente é a do amigo-inimigo, que prevê uma nação de ingratas surpresas e fomenta sua consciência de autodeterminação".[18]

Pela própria natureza do sistema internacional os Estados com poder tendem a se constituir em Estados líderes ou a se transformar em Estados subordinantes e, por lógica consequência, os Estados desprovidos dos atributos do poder suficiente para manter sua autonomia tendem a se tornar Estados vassalos ou Estados subordinados e, além de que estes Estados conseguem conservar os aspectos formais da soberania, não podem levar adiante, em temas estratégicos ou cruciais, uma política externa nem uma política econômica realmente independente dos desejos da potência hegemônica ou das potências principais que conduzem o sistema. Logicamente existem graus na relação de subordinação, que é uma relação dinâmica e não estática. É importante compreender que a crescente interdependência econômica não anula as relações de subordinação.[19] Os Estados Unidos dependem do petróleo saudita, mas não estão subordinados à Arábia Saudita. Por sua vez, Arábia Saudita, da qual os Estados Unidos depende em grande medida para seu abastecimento de petróleo, está subordinada aos Estados Unidos a tal ponto que, sendo a monarquia saudita a guardiã dos lugares santos do islã, viu-se obrigada, quando os Estados Unidos exigiu, a permitir no solo sagrado do Islã - vedado por mandato religioso a todo exército estrangeiro - a presença massiva do exército norteamericano. A interdependência econômica não altera a divisão fundamental do sistema internacional em Estados subordinantes, Estados subordinados e Estados autônomos.[20]

Tipos ideais do exercício da imposição da vontade

Para impor sua vontade os Estados podem utilizar a ameaça ou o uso da força, a captação de vontades através do suborno, as pressões econômicas ou a subordinação ideológica-cultural.

Poder-se-ia citar milhares de exemplos da ameaça ou o uso da força como meio de imposição da vontade de uma unidade política sobre outra, desde a primeira Guerra do Ópio (1839-1842) pela qual a Grã Bretanha impôs à China a importação legal de Ópio, ou a segunda Guerra do Ópio (1856-1860) através da qual o Segundo Império Francês, o Reino Unido da Grã Bretanha, o Império russo e os Estados Unidos forçaram a abertura ao exterior dos portos chineses, a admissão de delegações estrangeiras em Pequim e a importação legal de ópio; passando pela independência do Texas do México (1836) instigada pelos Estados Unidos; pela guerra dos Estados Unidos contra o México (1846-1848) pela qual o país asteca se viu obrigado a ceder à república norteamericana em torno de dois milhões de quilômetros quadrados; a Guerra Franco-Prussiana (1870-1871) pela qual a Alemanha tomou da França a Alsácia e Lorena; a Guerra do Pacífico (1879-1883) através da qual a República do Chile arrebatou da República da Bolívia 400 quilômetros de litoral marítimo e do Peru a província de Arica; a ocupação dos Sudetos pela Alemanha nazista (1938); a intervenção soviética na Hungria (1956) e na Tchecoslováquia (1968); a ocupação norteamericana da República Dominicana (1965-1966), a invasão soviética do Afeganistão (1979); até os recentes casos da imposição de vontade dos Estados Unidos e da OTAN (1999) contra a Sérvia para dar origem, rompendo a integridade territorial da Sérvia, à República do Kosovo, a invasão dos Estados Unidos no Iraque (2003) para terminar com o regime de Saddam Hussein, e a intervenção da OTAN (2011) para eliminar o líder líbio Muhamar Gaddafi.

Além disso, os casos perfeitamente documentados de imposição da vontade de uma unidade política sobre outra através da captação de vontades por meio do suborno não preencheriam menos páginas que os casos do uso da força. Nessas páginas poder-se-ia citar, por exemplo, desde o pagamento a políticos panamenhos feito pelos Estados Unidos (1903) para que se tornassem independentes da Colômbia, até os subornos, generosamente distribuídos, pela Grã Bretanha (1940) na península ibérica, entre os generais e ministros franquistas, para que Espanha mantivesse sua neutralidade durante a Segunda Guerra Mundial e não aceitasse a proposta alemã de recuperar o penhasco de Gibraltar.[21]

Não obstante, dada a profusa bibliografia existente, não cremos necessário nos deter na explicação do uso da força, do suborno ou da pressão econômica como métodos de imposição, mas sim na subordinação ideológica cultural que, constituindo a forma mais sutil e eficiente a longo prazo que um Estado tem para se impor a outro Estado sua vontade, tem sido, aliás, a menos estudada, mas sobretudo a menos exemplificada - por parte dos especialistas em relações internacionais - de todas as formas de imposição da vontade de uma unidade política sobre outra: a subordinação ideológica.

A subordinação ideológica

Através da subordinação ideológico-cultural - que Hans Morgenthau (1904-1980) denomina como "imperialismo cultural" - o Estado que a aplica como metodologia não pretende a conquista de um território ou o controle da vida econômica, mas o controle das "mentes dos homens" como ferramenta para a modificação das relações de poder: "Se se pudesse imaginar - afirma Hans Morgenthau - a cultura e, mais particularmente, a ideologia política de um Estado A com todos seus objetivos imperialistas concretos em transe de conquistar as mentalidades de todos os cidadãos que fazem a política de um Estado B, observaríamos que o primeiro dos Estados teria alcançado uma vitória mais que completa e teria estabelecido seu domínio sobre uma base mais sólida que a de qualquer conquistador militar ou amo econômico. O Estado A não necessitaria ameaçar com a força militar ou usar pressões econômicas para lograr seus fins. Para isso, a subordinação do Estado B a sua vontade ter-se-ia produzido pela persuasão de uma cultura superior ou pelo maior atrativo de sua filosofia política."[22]

Quer dizer que mediante a subordinação ideológica cultural uma unidade política substitui, para o alcance de seu objetivo de impor sua vontade à outra unidade política, o uso ou ameaça da força - formas eficientes a curto ou médio prazo, mas deficientes a longo prazo - pela sedução e a persuasão.

As políticas destinadas a alcançar a subordinação ideológica -cultural, ou seja, as políticas destinadas a alcançar a imposição dos objetivos de um Estado por meio da sedução foram denominadas, elegantemente, por Joseph Nye, de "poder brando". Sobre isto afirma o próprio Nye: "Há uma forma indireta de exercer o poder. Um país pode obter os resultados que prefere na política mundial porque outros países querem segui-lo ou se juntaram a um sistema que produz tais efeitos. Nesse sentido, é tão importante estabelecer a agenda e estruturar as situações na política mundial como conseguir que os demais mudem em situações particulares. Nesse aspecto do poder - ou seja, conseguir que outros queiram o que um quer - pode se denominar comportamento indireto ou cooptivo de poder. Está em contraposição com o comportamento ativo de poder de mando que consiste em fazer com que os demais façam o que um quer. O poder cooptivo pode descansar na atração das próprias ideias ou na capacidade de planejar a agenda política de tal forma que configure as preferências que os outros manifestam. Os pais de adolescentes sabem que, se estruturaram as crenças e as preferências de seus filhos, seu poder será maior e durará mais, que sozinho descansará no controle ativo. Similarmente, os líderes políticos e os filósofos há muito tempo compreenderam o poder que surge de planejar a agenda e determinar o marco de um debate. A capacidade de estabelecer preferências tende a estar associada com recursos intangíveis de poder tais como a cultura, a ideologia e as instituições. Pode-se pensar esta dimensão como um poder brando, em contraste com o duro poder de mando geralmente associado com recursos tangíveis tais como o poderio militar e econômico."[23]

Subordinação ideológica e insubordinação fundante

Na história das relações internacionais, a primeira unidade política a utilizar de forma sistemática e premeditada a subordinação ideológico-cultural como ferramenta fundamental de sua política externa, para impor sua vontade às outras unidades políticas, foi a Grã Bretanha, apresentando o livre comércio como um princípio científico de caráter universal a Inglaterra conseguiu que as elites de condução da maioria das outras unidades políticas que integravam o sistema internacional fizessem o que a Inglaterra queria, quer dizer, que abrissem suas economias para a livre importação dos produtos industriais britânicos. Tal foi o caso, por exemplo, da elite francesa durante a revolução que, totalmente subordinada ideologicamente, o dia 4 de agosto de 1789 estabeleceu o livre comércio.[24] Caso semelhante se produziu no Rio da Prata, quando a Junta Revolucionária, que em 25 de maio tinha substituído Virrey Cosneros estabelecendo um governo autônomo, em 26 do mesmo mês firmou com o Capitão Charles Montague Fabian, chefe da frota britânica fundada no porto de Buenos Aires, a Ata de Livre Comércio [25].

Uma das questões mais chamativas, mas por sua vez mais ignoradas da história das relações internacionais, refere-se ao fato de que, a partir de sua industrialização, a Grã Bretanha passou a atuar com deliberada duplicidade. Uma coisa era o que efetivamente tinha realizado - e realizava - em matéria de política econômica para se industrializar e progredir industrialmente, e outra aquela que ideologicamente propagava, com Adam Smith e outros porta-vozes. A Inglaterra se apresentava ao mundo como a pátria do livre comércio, como o berço da não intervenção do Estado na economia quando, na realidade, tinha sido, em termos históricos, a pátria do protecionismo econômico e do intervencionismo estatal.[26]

O estudo da história da economia inglesa - afirma Helio Jaguaribe - demonstra que a industrialização britânica, incipiente desde o Renascimento isabelino e fortemente desenvolvido desde fins do século XVIII, com a Revolução Industrial, teve como condição fundamental o estrito protecionismo do mercado doméstico e o conveniente auxílio do Estado ao processo de industrialização. Obtidos para si os bons resultados dessa política, a Grã Bretanha se esmerou em sustentar, para os outros, os princípios do livre comércio e da livre atuação do mercado, condenando, como contraproducente, qualquer política protecionista, por mais tênue que esta fosse. Imprimindo a essa ideologia de preservação de sua hegemonia as aparências de um princípio científico universal de economia, alcançou com êxito persuadir de sua procedência, por um longo tempo (de fato, mas tendo como centro os Estados Unidos, Alemanha e Japão, até os nossos dias), os demais povos que, assim, se constituíram passivamente no mercado para os produtos industriais britânicos e depois para os norteamericanos, alemães e japoneses, permanecendo como simples produtores de matérias primas.[27]

Dessa forma, a subordinação ideológica - nas nações que aceitaram os postulados do livre comércio, como um princípio científico de caráter universal - se constituiu no primeiro passo da cadeia que as atava e condenava ao subdesenvolvimento endêmico e à subordinação política, além de que conseguiram manter os atributos formais da soberania.

A partir de então, para que um processo emancipatório - empreendido por qualquer unidade política submetida à subordinação ideológica britânica - fosse exitoso, deveria partir necessariamente da execução de uma insubordinação fundante, ou seja, do pôr em marcha de uma insubordinação ideológica - consistente no rechaço da ideologia de dominação difundida pela Grã Bretanha: o livre comércio - que deveria ser complementada com a aplicação de um adequado impulso estatal (protecionismo econômico, investimentos públicos, subsídios estatais) que pusesse em marcha o processo de industrialização. Foi, certamente, graças à realização de suas respectivas insubordinações fundantes que os Estados Unidos, a Alemanha e o Japão conseguiram se industrializar e se converter em países efetivamente autônomos.[28]

Dado que a estratégia de subordinação ideológica adotada pela Inglaterra como principal forma de dominação foi depois continuada pelas outras unidades políticas - Estados Unidos, Alemanha e Japão - que conseguiram, graças à realização de suas próprias insubordinações fundantes, emancipar-se e industrializar-se, resultou então até a atualidade que, necessariamente, pela lógica consequência, todo o processo emancipatório exitoso fosse o produto de uma insubordinação fundante, quer dizer, de uma insubordinação ideológica, mais um adequado impulso estatal.

Certamente a Grã Bretanha e os Estados Unidos não foram as únicas nem as últimas unidades políticas que utilizaram a subordinação ideológica para impor sua vontade a outras unidades políticas, nem o liberalismo e o livre comércio as únicas ideologias utilizadas para lograr a subordinação ideológica cultural. A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas - depois do deslocamento de Trotsky (1879-1940) por Stalin (1878-1953) e até sua dissolução, em 1990 - utilizou, muito eficientemente, o marxismo-leninismo como ideologia de subordinação. A Universidade Patrick Lumumba, fundada em Moscou em 5 de fevereiro de 1960, cumpriu para a União Soviética a mesma função que a Universidade de Chicago para os Estados Unidos.

Política externa e política econômica

A partir da Revolução Industrial, a política externa da Grã Bretanha teve como um de seus principais objetivos o de impor a outros Estados integrantes do sistema internacional a adoção de um modelo econômico baseado na abertura indiscriminada da economia, ou seja, [de impor] a aceitação absoluta do livre comércio e da teoria da divisão internacional do trabalho. Algo similar a aquilo que, atualmente, fazem os Estados Unidos, a Alemanha ou a França e que, em médio prazo, também fará a República Popular da China. Por lógica consequência o modelo econômico adotado pelos Estados sujeitos à pressão britânica se transformava em um ato de aceitação ou de resistência à vontade da Grã Bretanha como potência hegemônica e, dessa forma, no elemento fundamental da relação com tal potência. Dessa maneira se intrincava a política econômica com a política externa. Isto é, para todo Estado sujeito à pressão britânica, a adoção de um modelo econômico baseado no livre comércio ou no protecionismo econômico era um ato ou uma ação de política externa.

A essência da Política externa em sentido restrito

Em um sentido absolutamente restrito pode-se afirmar que a política externa - por contraposição à política doméstica ou interna - consiste nas ações com finalidade política - sejam estas executadas por órgãos oficiais ou não oficiais, sejam estas visíveis ou encobertas - levadas a cabo pelo Estado fora dos limites de seu território. Para levar a cabo as ações fora de seu território, os Estados contam tanto com instrumentos oficiais quanto com instrumentos não oficiais. Isto é, existem geradores oficiais da política externa - os organismos do Estado - e geradores não oficiais - as empresas privadas, as fundações, as ONGs - da política externa. Importa salientar que as ações de um Estado fora de seu território podem ter um caráter público (visível) ou um caráter secreto (invisível).

A essência da Política externa em um sentido amplo

Recordemos novamente que a hipótese sobre a qual repousam as relações internacionais consiste em que as unidades políticas que integram o sistema internacional sempre se esforcem em impor, umas às outras, sua vontade. Nenhum Estado pode se subtrair do fato fáctico de que a política internacional comporta, sempre, um choque de vontades: vontade para impor ou vontade para não se deixar impor a vontade do outro. Por isso, para qualquer Estado, a política externa implica, sempre, em resolver o interrogante de como vai relacionar-se com o mundo exterior, o como vai se relacionar com os "outros", isto é, com o conjunto de Estados que integram o sistema internacional. Não obstante, é necessário esclarecer que, no cenário internacional, há sempre um "outro principal", isto é, a unidade política que mais poder tem e sempre que uma unidade política se encontra diante de outra unidade política que a supera em poder - deve optar entre a submissão (subordinação) ou a resistência (insubordinação). A submissão implica sempre em abdicar total ou parcialmente da capacidade de decisão própria sobre os assuntos internos ou externos. A subordinação consiste na aceitação, em maior ou menos grau, da vontade da outra unidade política que a supera em poder. A subordinação conduz sempre à dependência. A resistência ou insubordinação implica sempre uma tentativa de pôr limites à vontade da outra unidade política, seja nos assuntos internos do próprio Estado ou no cenário internacional. A insubordinação supõe sempre uma tentativa de preservar a capacidade de decisão própria total ou parcialmente, seja no plano interno ou no externo. A insubordinação ou resistência, quando é exitosa, conduz sempre à autonomia, entendida esta como a máxima capacidade de decisão própria que se pode ter em conta os condicionamentos objetivos do mundo real. É preciso esclarecer, por sua vez, que: entre a dependência total e a autonomia plena há centenas de graus e matizes.

Realismo colaboracionista e realismo liberacionista

Em última análise, dado que, como sustentava Raymond Aron, na relação entre os Estados cada um guarda e reivindica o direito de fazer justiça por suas próprias mãos e o direito de decidir se deseja ou não combater, rege a lógica descrita por Hegel de como nascem os amos e os servos. Em seu "Fenomenologia do Espírito", Hegel descreve como nascem o Senhor e o Servo. Os homens querem ser livres, não estar constrangidos a viver segundo as imposições de outros. Por isso se confrontam entre si em uma luta mortal. Mortal literalmente. Porque vence somente aquele que está disposto a morrer pela liberdade. Quem tem medo e busca assegurar a sobrevivência física se retira e deixa o campo de batalha a mercê do "outro" que se torna, deste modo, o "Senhor" e ele, seu "Servo".

O raciocínio hegeliano pode ser aplicado, por analogia, ao cenário internacional ainda que, certamente, deva ser matizado, dado que o enfrentamento mortal só se produz em uma limitada série de instantes decisivos da história. No cenário internacional existem senhores e servos. Estados subordinantes e Estados subordinados. E para o exercício de seu domínio os Estados subordinantes utilizam tanto o poder militar quanto o poder econômico e o poder cultural. A fim de exemplo digamos que a guerra pela independência, protagonizada pelas treze colônias contra a Inglaterra, foi um destes instantes decisivos da história em que a sentença de Hegel se mostra irrecorrível, onde se vê claramente que só aqueles sujeitos (homens ou Estados) que estão dispostos a morrer por sua liberdade podem ser livres. Não obstante, essa liberdade que as treze colônias conquistaram no campo de batalha tiveram que proteger tanto econômica quanto culturalmente.

Para um Estado subordinado, o querer decidir sobre seu próprio destino implica sempre uma tensão dialética entre o temor às sanções que pode receber e o desejo de alcançar a liberdade - entendida como a máxima capacidade de autonomia possível que é capaz de conquistar. O temor conduz ao realismo colaboracionista ou claudicante, pelo qual o Estado abdica da capacidade de conduzir seu destino, se coloca em uma situação de subordinação passiva, atando sua sorte à boa vontade do Estado subordinante. O desejo de alcançar a capacidade de dirigir seu próprio destino leva ao realismo liberacionista, pelo qual o Estado, partindo da situação real, isto é, do estado de subordinação, decide transformar a realidade para iniciar um processo histórico no transcurso do qual buscará se dotar dos elementos de poder necessários para alcançar a autonomia. Nesse processo de construção da autonomia o primeiro estágio é o da "subordinação ativa".

Os tipos ideais de relação possíveis com a unidade política principal.

Entre uma unidade política e o outro principal (a potência hegemônica ou as potências hegemônicas), pode-se dar quatro tipos ideais de relação possível:

1.) Subordinação passiva
2.) Subordinação ativa
3.) Insubordinação pragmática
4.) Insubordinação revisionista.[29]

O poder levar adiante um ou outro tipo de relação com o outro principal depende sempre de três fatores: a.) da relação de força tanto interna como externa, b.) da margem de manobra internacional, c.) da vontade política da elite de condução.

Importa salientar que a relação de forças internas não é simplesmente a resultante dos interesses e capacidades dos atores domésticos em conflito porque há que ter sempre presente que a potência hegemônica intervém nos assuntos internos das outras unidades políticas através dos setores da população que controla por meio da subordinação ideológica cultural, através dos atores econômicos, com os quais compartilha interesses mercantis e/ou financeiros e através dos atores políticos que consegue subornar, intimidar e extorquir.

A subordinação passiva

Na subordinação passiva se abdica totalmente da capacidade de decisão própria sobre os assuntos internos ou externos que interessam estrategicamente à potência hegemônica, conservando-se só a capacidade de decisão sobre os assuntos em que não está presente o interesse estratégico da potência hegemônica, isto é, o "outro principal". Os Estados que se encontram em uma situação de subordinação passiva possuem só formalmente uma política externa, pois nos assuntos de importância estratégica sua política externa não é senão a expressão dos desejos e interesses da potência hegemônica. Com respeito à política econômica dos Estados que se encontram em situação de subordinação passiva pode se dizer que esta é o resultado da simples aplicação do modelo econômico querido e imposto pela potência hegemônica.

Sem temor a exagerar pode-se dizer que uma unidade política em situação de subordinação passiva possui formalmente um governo soberano e os atributos formais da soberania, hino, bandeira e exército, mas em realidade se encontra em uma situação de "para-colonialismo".

Nos casos em que se planeja uma situação de subordinação passiva, a potência hegemônica impõe sua vontade, seja porque a relação de forças não permite à unidade política sujeita à pressão da potência hegemônica nenhuma outra alternativa, ou porque a potência hegemônica conseguiu impor sua vontade à elite da unidade política sujeita à sua pressão, através do suborno, da subordinação ideológica cultural ou por meio de uma combinação de ambos os métodos.

Quando a potência hegemônica tenta impor sua vontade sobre uma unidade política cuja forma de governo é a democracia, necessariamente a subordinação ideológica estará dirigida a ganhar a mentalidade da classe política, ou então a maioria da população. Em muitas ocasiões uma parte substancial da classe dirigente é consciente da subordinação que sofre seu Estado, mas, corrompida moralmente, não atina a denunciar a situação nem a tentar mudá-la porque só está interessada em se manter em seus cargos de governo ou em roubar - através da corrupção - o orçamento do Estado. Na  Argentina, a maioria dos dirigentes políticos (governadores, prefeitos, deputados e senadores) pertencentes ao Partido Justicialista, durante os dois governos do presidente Carlos Saúl Menem (1989-1999), foram um claro exemplo do que vínhamos expondo. A classe política russa durante o governo de Boris Yeltsin (1991-1999) é outro exemplo do que vínhamos afirmando.

Pode-se sustentar que todas as repúblicas hispanoamericanas se encontraram, depois de suas respectivas independências da Espanha, em situação de subordinação passiva com respeito à Grã Bretanha que, para conseguir chegar a estabelecer tal situação utilizou tanto a subordinação ideológica quanto o suborno. Todas as repúblicas hispanoamericanas, excetuando a do Paraguai e o contrário do ocorrido nos Estados Unidos, adotaram o livre comércio, a ideologia que a Inglaterra difundia no mundo como ideologia de subordinação. Passando, desse modo, todas elas do colarinho visível espanhol para o colarinho invisível inglês. Importa salientar que a Grã Bretanha, para reforçar a situação de subordinação passiva, conseguiu que as jovens repúblicas hispanoamericanas se endividassem com o Reino Unido, com a particularidade de ter outorgado créditos, os quais sabia que as repúblicas não estavam em condições de pagar sequer os interesses, e com o agravante de que os créditos eram irreais, pois geralmente só uma mínima porcentagem da quantidade outorgada chegava realmente aos Estados que o tinham solicitado.[30]

A Venezuela, por exemplo, encontrou-se em uma situação de subordinação passiva desde sua constituição como república independente em 1831 até a chegada ao governo de Rómulo Betancourt (1908-1981), em 1945, ainda que no transcurso desse lapso de tempo o "outro principal" fora primeiro a Grã Bretanha e depois os Estados Unidos. O Peru sofreu uma situação de subordinação passiva desde sua derrota na Guerra do Pacífico (1879-1883) até a primeira presidência do arquiteto Fernando Belaúnde Terry (1912-2002), em 1963, ainda que, como no caso venezuelano, o "outro principal" fosse primeira a Grã Bretanha e depois os Estados Unidos. A Argentina, durante as presidências de Mitre (1862-1868) e Sarmiento (1868-1874), esteve em uma completa situação de subordinação passivo em relação à Grã Bretanha.

Na Europa a Alemanha e na Ásia o Japão, desde o momento de suas respectivas rendições incondicionais aos Estados Unidos até o estouro da Guerra Fria são dois claros exemplos de unidades políticas em situação de subordinação passiva. As repúblicas socialistas da Europa do Leste - Tchecoslováquia, Hungria, República Democrática Alemã, Polônia, Bulgária e Romênia - mantiveram uma relação de subordinação passiva com respeito à União Soviética desde o fim da Segunda Guerra Mundial até a queda do Muro de Berlim, em dezembro de 1989. Durante esse período histórico a União Soviética exerceu seu domínio sobre a Europa do Leste através da subordinação ideológica, do uso da força e da ameaça do uso da força. É preciso esclarecer que, quando Hungria em 1956, ou a Tchecoslováquia em 1968, tentaram sair de suas respectivas situações de subordinação passiva para estabelecer uma relação de subordinação ativa (que no caso da Tchecoslováquia ficava sintetizada no slogan de construir um socialismo com rosto humano), a União Soviética não hesitou em fazer uso da força militar para impedir tais tentativas. Mais recentemente encontramos outros exemplos de subordinação passiva nos casos da Rússia governada por Boris Yeltsin (1991-1999) e da Argentina durante a última ditadura militar (1976-1983), ou durante as presidências de Carlos Saúl Menem (1989-1999) e Fernando de la Rua (1999-2001). Atualmente poder-se-ia afirmar que a Grécia esteve, desde a criação do Euro até a chegada ao poder de Alexis Tsipras, em janeiro de 2015, em uma situação de subordinação passiva diante da Alemanha.

A subordinação ativa

Na subordinação ativa a unidade política confrontada com a pressão da potência hegemônica - isto é, do "outro principal" - abdica só parcialmente da capacidade de decisão própria sobre os assuntos internos ou externos. Enquanto na subordinação passiva a situação de submissão é o resultado de uma relação de força desfavorável, do suborno da classe dirigente, da subordinação ideológica ou da combinação de ambas as coisas, na subordinação ativa a submissão é principalmente o resultado de uma relação de forças desfavorável entre a unidade política e o "outro principal". A principal diferença que existe entre a subordinação passiva e a subordinação ativa é que nesta a subordinação é tolerada, mas não aceita. A elite de condução - respeitando os grandes interesses estratégicos da potência hegemônica e aceitando ou rechaçando parcialmente o modelo econômico por ela proposto - trata de fixar fins próprios e distintos para seu Estado dos quais lhe outorgou a potência hegemônica. Fins próprios que podem até chegar a conformar o embrião de um projeto nacional. Isto acontece porque a elite de condução não foi conquistada pelo suborno nem por ideologia, e só está disposta a tolerar a situação de subordinação porque a relação de forças lhe é completamente desfavorável. A elite de condução vive a situação de subordinação como um fato negativo que deve ter um caráter provisório, transitório, e aspira permanentemente a alcançar uma maior autonomia. A elite de condução fixa certos "limites extremos" à ação da potência hegemônica, e, se esta trata de ultrapassá-los, a elite de condução está disposta a levar adiante uma resistência feroz.[31] A este tipo de subordinação Carlos Moneta [32] e Felix Peña [33] a denominam "dependência consentida", e Juan Carlos Putig de "dependência nacional".

Talvez o Brasil - desde a instalação da corte portuguesa no Rio de Janeiro, em 7 de março de 1808 (com exceção do período compreendido entre 1843 e 1861, quando Brasil tenta se manter em uma situação de insubordinação pragmática medular) até a instauração por parte do presidente Getúlio Vargas do Estado Novo, em novembro de 1937 - seja o exemplo mais claro que se possa citar de um caso de subordinação ativa[34] Os governos de Fernando Belaúnde Terry no Peru (1936-1968 e 1980-1985), os de Rómulo Betancur na Venezuela (1945-1948 e 1959-1964), o de Arturo Frondizi na Argentina (1958-1962), o de Robert Schuman na França (1947-1948), o de Konrad Adenauer na Alemanha (1949-1963), o de Alcide de Gasperi na Itália (1945-1953) e o de Fidel Castro em Cuba (1961-1989) com respeito à União Soviética são todos eles, também exemplos claros de uma política de subordinação ativa.

A insubordinação pragmática

Na insubordinação pragmática a unidade política confrontada com a vontade da potência hegemônia - isto é, do "outro principal" - recupera totalmente a capacidade de decisão própria sobre os assuntos internos e, quando não é superficial, mas profunda, põe em marcha um processo de insubordinação fundante, mas no plano externo, embora recupere sua capacidade de decisão, trata de não levar adiante uma política externa de desafio sistemático dos interesses da potência hegemônica, isto é, trata de não enfrentar a vontade da potência hegemônica nos assuntos que, para ela, são cruciais ou estratégicos. Os enfrentamentos com a potência hegemônica, quando se produzem, são devidos, sempre, a iniciativas ou ações da potência hegemônica tendidos a entorpecer ou fazer abortar o processo de insubordinação. No plano externo a unidade política insubordinada está, geralmente, com respeito à potência hegemônica, em uma posição defensiva e não ofensiva. Trata-se, então, de uma unidade política que não está incluída na órbita da hegemonia do "outro principal",, está submetida a fortes pressões, não tem condições para se opor à hegemonia do "outro principal", mas tem condições de estabelecer uma "fronteira" a esta hegemonia.

Para que uma unidade política esteja em situação de planejar uma relação de insubordinação pragmática se requer, sempre em todos os casos, que o Estado - que está confrontado à pressão da potência hegemônica - tenha conseguido alcançar o "umbral de resistência", isto é, a capacidade de poder determinar o que se faz em seu próprio território e que a elite de condução esteja disposta a fazer valer, a utilizar essa capacidade.

Cabe esclarecer que a realização no plano interno de um processo de insubordinação fundante é a condição necessária para que qualquer unidade política possa se manter, a longo prazo, em situação de insubordinação pragmática. É importante ressaltar que quando a elite de condução de uma unidade política decide levar adiante uma política de insubordinação pragmática, sem pôr em marcha no plano interno um processo de insubordinação fundante, - seja porque não sabe, não quer ou não pode - essa insubordinação pragmática constitui uma insubordinação pragmática "epidérmica", enquanto que, se a elite de condução política da unidade que decide levar adiante uma política de insubordinação pragmática puser em marcha um processo de insubordinação fundante, essa insubordinação pragmática constitui uma insubordinação pragmática "medular". Importa salientar que todo processo de insubordinação pragmática "epidérmica" que não se converter em um processo de insubordinação pragmática "medular" está a longo prazo condenado ao fracasso.

Quiçá os Estados Unidos - desde sua independência formal da Grã Bretanha até a Primeira Conferência Panamericana celebrada em 1889 - seja o exemplo mais claro que se possa citar de um caso de insubordinação ativa "medular".[35] O Império alemão sustentou uma política de insubordinação pragmática medular enquanto o chanceler Otto von Bismarck (1815-1898) se manteve em seu cargo entre os anos de 1871 e 1890[36]. Na América do Sul a Confederação Argentina levou a cabo uma política de insubordinação pragmática medular de 1835 a 1852 e o Império do Brasil de 1843 a 1861.[37]

Já entrado no século XX, o primeiro governo de Juan Domingo Perón, na Argentina (1946-1952), o de Getúlio Vargas no Brasil (1951-1954), o de Charles de Gaulle na França (1958-1965), o de Muhamad Mossadegh no Irã (1951-1953), o de Josip Broz Tito na Iugoslávia entre os anos de 1948-1961 [38], com respeito à União Soviética, são claros exemplos de insubordinações pragmáticas medulares, enquanto que no século XXI o governo de Hugo Chávez (1999-2013) na Venezuela é um claro exemplo de insubordinação pragmática "epidérmica".

A insubordinação revisionista

Na insubordinação revisionista, uma unidade política decide se opor, seja a nível regional ou a nível global, à vontade do outro principal porque aspira disputar com este espaços de poder, isto é, "zonas de influências", ou porque deseja participar, junto da potência hegemônica, da estrutura hegemônica do poder mundial, isto é, ser um dos polos de poder no caso de que o sistema seja multipolar, ou porque, diretamente, aspira a substituir a potência hegemônica. A insubordinação revisionista está caracterizada, então, pela decisão de uma unidade política de modificar a ordem regional dentro da qual se encontra inscrita a ordem internacional em seu conjunto.

Os Estados Unidos, a partir da Primeira Conferência Panamericana realizada em 1889 [39] até meados de 1930, protagonizaram um processo de insubordinação revisionista de caráter regional exitoso, enquanto que a Argentina de 1952 a 1955 e a França de 1963 a 1968 protagonizaram, respectivamente, processos de insubordinação revisionista de caráter regional finalmente falidos. [40]

Por ser um caso pouco conhecido e esquecido convém recordar que a República italiana, com Enrico Mattei (1906-1962) como presidente formal do Ente Nazionale Idrocarburi (ENI) - e de fato como ministro de Relações Exteriores e ministro de Economia na sombra - protagonizou, entre os anos de 1953 e 1962, um processo de insubordinação revisionista de caráter regional que só pôde ser detido com o assassinato de Enrico Mattei, ocorrido em 27 de outubro de 1962. [41]

Atualmente a República Federal Alemã, a partir da decisão do chanceler Helmut Kolh de realizar, em um ataque surpresa, em 1990, a unificação da Alemanha - sem consulta prévia com os Estados Unidos - leva adiante um lento e silencioso processo de insubordinação revisionista de caráter regional com respeito aos Estados Unidos, enquanto que ao mesmo tempo a Alemanha, a partir da criação do Euro, leva adiante um meticuloso processo de subordinação de seus aliados europeus. Por outro lado, a Rússia - como demonstram os acontecimentos ocorridos na Crimeia e na Ucrânia - começou a transitar o caminho que a conduz rumo à realização de uma insubordinação revisionista regional cada vez mais clara. [42]

É importante salientar que, para que uma insubordinação revisionista de caráter global seja efetiva e não simplesmente "declarativa", para que seja uma decisão e um ato racional e não irracional, requer, necessariamente, que a unidade política que a leva a cabo tenha adquirido condições econômicas, tecnológicas e militares de "equipolência" com a potência hegemônica. Enquanto que, ter alcançado o umbral de resistência é a condição sine qua non para que a decisão de levar adiante uma política de insubordinação pragmática seja uma decisão racional com altas possibilidades de êxito [43]; ter alcançado o umbral do poder é a condição sine qua non para que a decisão de levar a cabo uma política de insubordinação revisionista de caráter global não seja uma decisão irracional que leve a unidade política que a executa à catástrofe.[44]

Quando uma unidade política que leva a cabo uma insubordinação revisionista disputa zonas de influências ou aspira à co-hegemonia, ou simplesmente deseja chegar a ser um dos polos de um sistema multipolar, o enfrentamento com a potência hegemônica adquire, por lógica consequência, um caráter transitório, conjuntural, e é pouco provável que o sistema internacional entre em estado de convulsão generalizada. Pelo contrário, quando uma unidade política que leva a cabo uma insubordinação revisionista aspira a substituir a potência hegemônica, aumentam as possibilidades de que o sistema internacional entre em estado de convulsão generalizada, como ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial.

A Inglaterra isabelina (1558-1603) e os Estados Unidos, a partir de meados da década de 1930, protagonizaram processos de insubordinação revisionista de caráter global exitosos, enquanto a França napoleônica, a Alemanha nazista e o Japão imperial militarista constituem claros exemplos de casos de insubordinações revisionistas de caráter global falidos.

Para meados da década de 30, tanto os Estados Unidos quanto a Alemanha aspiravam a substituir a Grã Bretanha que, ainda que era um poder em crise, seguia exercendo o papel de potência hegemônica. Dos dois Estados que desafiavam o poder britânico, só os Estados Unidos tinham adquirido condições econômicas, tecnológicas e militares de "equipolência" com respeito à Grã Bretanha e, ademais, tinham-na ultrapassado muito longe. Só os Estados Unidos estavam em condições de levar adiante uma política de insubordinação revisionista de caráter global racional. Assim, uma vez que a Alemanha decidiu, irracionalmente, empreender o caminho de realizar uma insubordinação revisionista de caráter global, os Estados Unidos decidiu esperar que a Alemanha desgastasse o poder britânico para logo depois, mediante uma intervenção rápida na guerra, poder substituir ambas as potências na liderança do sistema. Em outubro de 1945 a chefia norteamericana fechava o ciclo de insubordinação revisionista de caráter global que tinha aberto em meados da década de 30, tinha substituído a Inglaterra como principal potência hegemônica do sistema internacional.

*Doutor em Ciência Política pela Universidade do Salvador, Licenciado em Ciência Política pela Universidade Nacional de Rosário, Graduado em Estudos Internacionais pela Escola Diplomática de Madri, Mestre em Relações Internacionais pelo Institut Universitaire de Hautes Etudes Internationales da Universidade de Genebra. Assessor em matéria de Relações Internacionais da Federação Latinoamericana de Trabalhadores da Educação e Cultura (FLATEC). Professor da Magistratura em Estratégia e Geopolítica da Escola Superior de Guerra e da Universidade Nacional de Lanús. Assessor da Comissão de Relações Exteriores da Câmara de Deputados da República Argentina.

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Notas

1.BOLIVAR, Jorge, Estrategia y juegos de dominación, Buenos Aires, Ed. Catálogos, 2008 p. 10.

2. Ibíd., Págs. 16 y 17.

3. CHÁVEZ, Fermín, Epistemología para la periferia, Buenos Aires, Ed. de la Universidad Nacional de Lanús. 2012, p. 168.

4. O conceito de "universal situado" foi cunhado pela primeira vez pelo filósofo argentino Mario Casalla em sua obra "Razão e liberação. Notas para uma filosofia latinoamericana", que foi publicada em Buenos Aires no ano de 1973. Quatro anos mais tarde Casalla formulou o método da "leitura culturalmente situada", em seu livro "Crise da Europa e reconstrução do homem. Um estudo sobre M. Heidegger" e realizou uma nova ampliação do mesmo em suas obras "Tecnologia e pobreza. A modernização vista em perspectiva latinoamericana" publicada em 1988 e em "América no pensamento de Hegel, Admiração e rechaço" publicada em 1992.

5. CASALLA, Mario, La filosofía latinoamericana como ejercicio de lo universal situado, Bahía Blanca, Revista Cuaderno del Sur de la Universidad Nacional del Sur, nº 33, 2004, Págs. 59 y 60.

6. Stanley Hoffman afirma corretamente que "aos acadêmicos não agrada pensar sobre sua dependência intelectual do status de seu país e sobre as ambições de sua elite política, isso perturba seu sentido de pertencer a uma comunidade científica, cosmopolita e livre de correntes... E, não obstante, o vínculo existe. E ás vezes é reforçado por liquidações institucionais". HOFFMANN, Stanley, Jano y Minerva. Ensayos sobre la guerra y la paz, Buenos Aires, Grupo Editor Latinoamericano, 1991, p. 25.

7. CASALLA, Mario, Op. Cit., p. 61.

8. Ibíd., p. 62.

9. HOFFMANN, Stanley, op.cit., p. 35.

10. BARRIOS, Miguel, Una geopolítica desde A. Latina para romper el imperialismo cultural de las relaciones internacionales. http://alainet.org/active/73474&lang=es

11. HOFFMANN, Stanley, op.cit, p. 25.

12 .BARRIOS, Miguel, op.cit.

13 .BARRIOS, Miguel, op.cit.

14. São as condições reais do poder que determinam a localização dos Estados no sistema internacional, incluídas nessas condições a cultura de uma sociedade e sua psicologia coletiva. Isto é, o poder está composto por fatores tangíveis e intangíveis.

15. Em 1958, ao voltar ao poder o general De Gaulle, planemente consciente do estado de subordinação em que se encontrava a França, começou uma política de recuperação da autonomia nacional cujos três eixos principais foram 1) o desenvolvimento da investigação científica e técnica para converter a França em uma potência tecnológica, 2) a retirada da França da organização militar atlântica e de seus mandos integrados - fato que se produziu finalmente em 7 de março de 1966 - e 3) a construção de uma força de detenção nuclear própria. A respeito disso, ver DE LA GORCE, Paul-Marie, El sueño de una política autónoma, Le Monde diplomatique, edición cono sur, Buenos Aires, março de 2003, p. 14.

16. A respeito disso, ver ARON, Raymond, Paix et guerre entre les nations (avec une presentation inédite de l’auteur), Paris, Ed. Calmann-Lévy, 1984.

17. A irrelevância do Direito Internacional e seu não acatamento por parte das grandes potências não é uma característica conjuntural, mas estrutural do sistema internacional, e tampouco é uma circunstância advinda das recentes mudanças políticas internas produzidas nos Estados Unidos ou na Rússia. O direito internacional jamais regeu o comportamento dos Estados na cena internacional. No cenário internacional a força sempre venceu a legalidade. Não há uma pós-legalidade e nunca houve legalidade. Feita esta condição, mostram-se úteis as reflexões de Juan Gabriel Tokatlian quando afirma: "A pós-legalidade se caracteriza pelo fato de que o direito interno e internacional se manipula, se desconhece ou se quebra às custas de um Estado ou um conjunto de Estados que operam com escassa rendição de contas e grande uso militar. O exemplo da OTAN e Kosovo em 1999, o dos Estados Unidos e Iraque em 2003; o da OTAN fazendo mal uso da resolução da ONU para proteger civis e estabelecer uma zona de exclusão aérea na Líbia em 2001; e o mais recente de Rússia e Crimeia em 2014 constituem exemplos, com variações do direito internacional. Não se trata de dois pesos [e duas medidas], mas de um tipo de padrão no qual muitos dos poderosos, independentemente da ideologia e dos regimes que os identificam, não se sentem restringidos para avançar em seus objetivos estratégicos." TOKATLIAN, Juan Gabriel, Kosovo, Irak, Libia y Crimea: la fuerza le gana a la legalidad, Clarín, Buenos Aires, 8 de abril, 2014, p. 23.

18. DE ANQUIN, Nimio, citado por CHÁVEZ Fermín, op. cit. p. 141.

19. "A interdependência pode ser descrita como uma condição. Refere-se a uma situação de sensibilidade e vulnerabilidade mútua que afeta todos os Estados... É devido a essa condição que se ouve com frequência dizer: 'todos estamos no mesmo barco' ou 'a espaçonave terra'. Mas essa não é uma maneira adequada de considerar a política mundial. Pois a condição comum não nos diz nada sobre as situações individuais. Em particular, não nos diz nada sobre as duas questões principais da política: quem manda e quem se beneficia? É claro que o balanço de ganâncias e perdas da interdependência varia de país a país, que alguns são menos vulneráveis do que outros e que a condição universal cobre tanto Estados que são capazes, digamos assim, de propagar dependência ao seu redor e de exportar mais problemas do que importar, como Estados que estão em uma situação de dependência unilateral de um amo ou  sócio dominante" HOFFMANN, Stanley, op.cit. p. 260.

20. Refletindo sobre a questão da interdependência, Stanley Hoffmann afirma: "Os estudiosos da política mundial trataram de valorizar a medida em que a interdependência muda as características tradicionais, distintivas, das relações entre Estados... a pergunta que fizeram os estudiosos é se os imperativos e restrições particulares da interdependência fornecem meramente novas oportunidades e alguns novos rodeios para a velha contenda das unidades soberanas que tratam de alcançar suas metas em um mundo sem consenso substantivo nem poder central, ou se as novas características transformam o jogo das nações tão profundamente que começa a se parecer com o que nos é familiar na política interna. Estamos ainda em um 'estado de guerra' ou na 'política global'? ( HOFFMANN, Stanley, op. cit.,p. 259) Para responder esta pergunta acreditamos ser necessário compreender - como sustena Jorge Bolívar - que a interdependência subverteu ou inverteu a máxima lição de Causewitz, já que o que hoje é evidente "é que a política e boa parte da atividade humana resultam, frequentemente, em guerras por outros meios". BOLIVAR, Jorge, Op.Cit., p. 12.

21. A respeito disto ver: OPPENHEIMER Walter, “Así evitó Gran Bretaña que España entrara en la II GuerraMundial”. http://cultura.elpais.com/cultura/2013/06/01/actualidad/1370105485_283805.html

22. MORGENTHAU, Hans, Política entre las naciones. La lucha por el poder y la paz. Buenos Aires, Grupo Editor Latinoamericano, 1986, p. 86.

23. NYE, Joseph, La naturaleza cambiante del poder norteamericano, Buenos Aires, Grupo Editor Latinoamericano, 1991, Pgs. 39 y 40.

24. Paradoxalmente, a revolução francesa foi, em princípio, funcional aos interesses econômicos e políticos da Grã Bretanha: "Depois de 1789 a revolução política francesa consolidou a revolução industrial inglesa. A noite de 4 de agosto de 1789, a constituinte, abolirá os obstáculos ao tráfico internacional em uma embriaguez doutrinária liberal que faz Camilo Desmoulina exclamar: 'Nesta noite histórica caíram todos os privilégios; concedeu-se a liberdade do comércio; a indústria é livre'. A França se enche de tecidos ingleses de Manchester, que arruínam sua produção nativa aos compassos da liberdade,, da igualdade e da fraternidade... a Europa se arruína, mas seus teóricos leem, em Adam Smith, que a liberdade de comércio é a base da riqueza, e lhes parece uma verdade científica e irrespondível. É a base da riqueza, mas para a Inglaterra somente... Os liberais ingleses donos do capital industrial aplaudem as loucuras da Constituinte. Pitt mira, em 1790, complacente com a obra revolucionária". Não era para menos, Inglaterra estava conquistando, comercialmente, a Europa, os compassos da Marselhesa. ROSA, José María, Historia Argentina, ed. Oriente, Buenos Aires, 1974, p. 12.

25. “Esse mesmo 26 de maio, para festejar o enorme triunfo de que Inglaterra vinha de conseguir o capitão da esquadra britânica, emparelhou os navios e disparou salvas de festejo". GULLO, Marcelo, La historia oculta, La lucha del pueblo argentino por su independencia del imperio inglés, Ed. Biblos, Buenos Aires, 2013, p. 124.

26. De acordo com uma análise histórica séria não há nenhuma dúvida de que Grã Bretanha foi a "pátria do protecionismo econômico". A primeira tentativa de desenvolver a fabricação de tecido de lã - alterando deliberadamente os princípios do livre-comércio e do livre-mercado - foi levado a cabo por Eduardo III (1327-77). Este proibiu lisa e claramente a importação de tecidos de lã. É importante destacar que, depois de Eduardo III, a orientação dada por este à economia inglesa foi continuada por seus sucessores, que procederam em 1455 a proibir a introdução de tecidos de seda a fim de favorecer os artesãos ingleses. Anos mais tarde, a fim de deslocar os negociantes italianos e flamengos, proibiu-se aos estrangeiros exportar lã. Em 1464 - como destaca Henri Pirenne - a monarquia decretou a proibição da entrada de panos do continente, anunciando dessa forma a política decididamente protecionista que, poucos anos mais tarde, levará a cabo Henrique VII, a partir de 1489. Não resta dúvida alguma de que, a partir de Henrique VII, o protecionismo econômico se converteu em uma verdadeira política de Estado. Henrique VII e Isabel I usaram do protecionismo, das subvenções, da distribuição de direitos de monopólio, da espionagem industrial patrocinada pelo governo e de outros meios de intervenção governamental, para desenvolver a indústria manufatureira da lã na Inglaterra, naquela ocasião o setor mais avançado tecnologicamente da Europa. Em 1565 Isabel I renovou e reformulou a proibição de exportar ovinos vivos estabelecida por Eduardo III, punindo com um ano de prisão e a amputação da mão esquerda a todo súdito que violasse a proibição de exportar ovelhas vivas. Em caso de reincidência a legislação permitia a aplicação da pena de morte. Finalmente, em 1578 Isabel estimou que Grã Bretanha estava já em condições de processar toda sua produção de lã e procedeu, em consequência, a proibir totalmente a exportação de lã virgem. Isabel I, além de fomentar a indústria manufatureira de lã, promoveu a totalidade da economia nacional inglesa protegendo a nascente indústria da metalurgia, da refinação de açúcar, do cristal, do sabão, do alumínio e do sal. Isabel desenvolveu o mercado interno para a nascente indústria, estabelecendo salários mínimos, ditando diversas leis protetoras dos camponeses e proporcionando trabalho aos pobres. Durante os 45 anos de reinado de Isabel I a Inglaterra gozou de uma extraordinária prosperidade econômica. A respeito de como o protecionismo econômico e o impulso estatal foram a chave do desenvolvimento industrial da Inglaterra pode-se consultar as seguintes obras: CHANG, Ha-Joon, ¿Qué fue del buen samaritano? Naciones ricas, políticas pobres, Buenos Aires, Ed. Universidad Nacional de Quilmes, 2009. GULLO, MARCELO, La Insubordinación Fundante. Breve historia de la construcción del poder de las naciones, Buenos Aires, Ed. Biblos, 2008. GULLO, Marcelo, Insubordinación y desarrollo. Las claves del éxito y el fracaso de las naciones, Buenos Aires, Ed. Biblos, 2012. REINERT, Eric, La globalización de la pobreza. Cómo se enriquecieron los países ricos y por qué los países pobres siguen siendo pobres, Barcelona, Ed. Crítica, 2007. TRIAS, Vivián, El Imperio británico, Cuadernos de Crisis nº 24, Buenos Aires, Ed. Del noroeste, 1976.

27. JAGUARIBE, Helio, prólogo a La insubordinación fundante. Breve historia de la construcción del poder de las naciones, GULLO, Marcelo, Ed. Biblos, Buenos Aires, 2008, p. 14.

28. A respeito disso ver: GULLO, Marcelo, La insubordinación fundante. Breve historia de la construcción del poder de las naciones, Ed. Biblos, Buenos Aires, 2008.

29. Para a elaboração destes quatro tipos ideais de relação entre uma unidade política e o outro principal (a potência hegemônica ou as potências hegemônicas) temos nos inspirado (atualizando-o e corrigindo-o na medida do requerido pelas mudanças produzidas no sistema internacional) no pensamento de Juan Carlos Puig (1928-1989), exposto principalmente em sua obra Doctrinas internacionales y autonomía latinoamericana, ed. Universidad Simón Bolívar, Caracas, 1980.

30. Em 1825, a dívida externa das jovens repúblicas hispanoamericanas com a banca inglesa era de pouco mais de 17 milhões de libras, a qual se distribuía por repúblicas da seguinte maneira: a grande Colômbia - que abarcava as atuais repúblicas da Venezuela, Equador, Colômbia e Panamá - 6,75 milhões, México 4,40 milhões, Peru 1,82 milhões, Chile 1 milhão, Argentina 1 milhão, América Central 0,16 milhão. Segundo Raúl Scalabrini Ortiz, da soma recebida só chegaram ao Rio da Prata, em ouro, como estava combinado, 4% do comprometido, ou seja, 20.678 libras. Tal foi o peso da dívida contraída pelas repúblicas hispanoamericanas com a banca inglesa que esta se constituiu em uma carga induportável para as jovens repúblicas. Argentina conseguiu pagar, finalmente, seu primeiro empréstimo cem anos depois, em 1946. Venezuela conseguiu apenas em 1952 cancelar a dívida que tinha herdado da Grande Colômbia com a banca inglesa. Equador terminou de "pagar" seu primeiro empréstimo com os ingleses apenas em 1976. A respeito disso, ver as seguintes obras: JENKS, L., The migration of British capital to 1875, London, Ed. Thomas Nelson and Sons, 1963. AVELLA GOMEZ, Mauricio, Antecedentes históricos de la deuda externa colombiana, Revista Económica Institucional, Segundo Semestre, Vol. 6, Bogotá, Universidad Extremado de Colombia. SCALABRINI ORTIZ, Raúl, Política británica en el Río de la Plata, Buenos Aires, Ed. Sol 90, 2001.

31. PUIG, Juan Carlos, Doctrinas internacionales y autonomía latinoamericana, Ed. Universidad Simón Bolívar, Caracas, 1980, p. 150.

32. MONETA, Carlos, “Un modelo de política exterior”, Análisis, nº 532, Buenos Aires 1971.

33. PEÑA, Félix, “Argentina en América Latina”, Criterio, nº 10, Buenos Aires, 1970.

34. Com a independência, a elite de condução luso-brasileira aceitou o modelo econômico - baseado na não-intervenção do Estado na economia e o livre-comércio - proposto pela Grã Bretanha, mas fixou fins geopolíticos próprios. Com razão. Celso Lafer afirma que o domínio britânico no Brasil "não foi tolerado pacificamente, e que o país, na medida do possível, reagiu e defendeu sua independência" (LAFER, Celso, Argentina y Brasil en el sistema de relaciones internacionales, Ed. Nueva Visión, Buenos Aires, 1973, p. 81). A preocupação permanente da elite brasileira foi conservar intacto o território brasileiro, neutralizando as tendências separatistas de algumas regiões que ocultamente a Grã Bretanha sempre se encarregou de fomentar. A elite de condução luso-brasileira não estave mais disposta - ao contrário dos políticos unitaristas que tiveram responsabilidade o governo das Províncias Unidas do Rio da Prata desde 1816 até 1829 - a permitir a fragmentação territorial desejada pela Grã Bretanha e estava sempre disposta a levar adiante uma resistência ferrenha para impedir qualquer tentativa inglesa de balcanização do Império do Brasil. Esse foi o limite extremo que a elite brasileira impôs à ação da potência hegemônica.

35 . Foi George Washington (1732 - 1799) quem, com seu exemplo e testamento político, determinou a política externa e o tipo de relação que a jovem república norteamericana deveria seguir diante do Reino Unido da Grã Bretanha. A política de insubordinação pragmática estabelecida por Washington e que todos os presidentes seguiram cegamente até 1889 foi o fator principal que fez, por exemplo, com que os Estados Unidos não intervissem a partir de 1789 a favor da Revolução Francesa, a pesar das afinidades ideológicas que os uniam à França revolucionária.

36. Depois da guerra franco-prussiana e do nascimento do Império Alemão em 1871, Otto von Bismarck, o chanceler de ferro, se transformou no principal fiador da estabilidade da Europa e concentrou as forças da Alemanha na realização de sua própria insubordinação fundante, tratando de não perturbar em nada a política externa britânica. Bismarck, para não desafiar a Grã Bretanha, manteve a Alemanha longe do vórtice imperialista que naquele momento arrastava o resto das potências europeias. Foi particularmente a decidida política de Bismarck de não participar na disputa colonialista para não enfrentar a Grã Bretanha, a que lhe fez enfrentar o novo imperador Guilherme II (1888-1918), partidário da aquisição de um Império ultra-marino, assunto que provocou a queda de Bismarck em 1890.

37. O Império do Brasil tentou, desde o ano de 1843 até 1861, levar adiante uma política de insubordinação pragmática "medular". Com a independência, Brasil herdou o tratado de 1810 que, no essencial, com o pretexto de facilitar reciprocamente a navegação e o comércio, tinha outorgado o monopólio do transporte de mercadorias de e para Brasil à marinha mercante inglesa e tinha concedido às mercaodiras britânicas a tarifa privilegiada de 15% ad valorem. Depois, Grã Bretanha, seguindo a mesma política de dar ajuda diplomática ou militar em troca de favores econômicos, conseguiu em 1827 prorrogar o tratado de 1810 em quinze anos e, em 1843, extender sua vigência até 9 de novembro de 1844. Não obstante, para 1843, um setor da elite luso-brasileira já era consciente de que os acordos de livre-comércio com a Grã Bretanha tinham exercido uma ação inibidora sobre o desenvolvimento industrial brasileiro e que uma tarifa protecionista bem planejada, como a que aplicavam os Estados Unidos, poderia instaurar condições próprias para realizar a industrialização do Brasil. Foi então que: "O gabinete conservador de 1843, com Francisco Joaquim Viana no Ministério da Fazenda, se rebela contra o liberalismo de Cairú e Vasconcelos - que tinha contribuído a tornar aceitável o tratado de 1810 e sua prorrogação em 1827 - e adota, segundo Liszt, uma política protecionista e industrialista. Faz frente à pressão britânica e a vigência do tratado se limita a um ano a mais. Em 10 de novembro de 1844 Manuel Alves Branco, Vizconde de Caravelas, liberal moderado, sucessor de Francisco Joaquim Viana, declara solenemente que no dia anterior se extinguiu o antigo tratado. Nesse mesmo ano, Alves Branco regula a nova tarifa aduaneira votada no ano anterior, que eleva de 30 para 100 e de 60 para 100 ad valorem os impostos sobre os artefatos estrangeiros, de acordo com a maior ou menor possibilidade e conveniência de estimular a produção nacional". Brasil começava, dessa forma, a recorrer ao mesmo caminho que tinham seguido os Estados Unidos desde a assunção de Alexander Hamilton como secretário do Tesouro. A reação da Inglaterra foi enérgica e quase imediata, estabelecendo em 8 de agosto de 1845 a repressão definitiva do tráfico de escravos e lançando através dos diários que controlava no Brasil, através da subordinação ideológica ou através do subordno, uma campanha de imprensa enfurecida e permanente contra o protecionismo econômico instaurado pelo Vizconde de Caravelas. Não obstante, a iniciativa privada brasileira respondeu de forma extraordinariamente positiva e teve lugar no Brasil, a partir da política protecionista instaurada em 1844, um surpreendente surgimento industrial. "Segundo Caio Prado Filho, no decênio seguinte ao de 1850 se estabeleceram no Brasil 62 empresas industriais, 14 bancos, 3 poupanças, 20 companhias de navegação a vapor, 23 de seguros, 4 de colonização, 8 mineiras, 3 de transporte urbano, 2 de gás e 8 linhas de estradas de ferro." É importante destacar que os meios de imprensa, apesar do êxito da política protecionista, não fecharam sua campanha antiprotecionista, propagando uma forma simplista e vulgarizada do liberalismo que sustentava que "os preços dos produtos industriais brasileiros eram exorbitantes por serem consequência de uma indústria artificial" e que "mais valia para o bem público que se comprassem os artigos no exterior a preço menor". A campanha antiprotecionista - fomentada pela Grã Bretanha - cavou fundo na opinião pública e na tribuna parlamentar, sobretudo desde meados de 1857 até finais de 1858, quando durante a gestão de Bernardo de Souza Franco se desatou um processo inflacionário. Além disso, os partidários do livre-comércio nos meio de comunicação e no parlamento "tinham a seu favor os interesses pragmáticos dos exportadores brasileiros de bens primários" que se viam prejudicados pelo aumento do preço das manufaturas. Finalmente, em 1861, a sustentada campanha de imprensa contra a política protecionista e a oposição permanente dos grandes proprietários de terras exportadores de café e outros produtos primários conseguiu torcer o braço dos setores protecionistas, e o Brasil - sob a administração de Angelo Muñiz Ferraz, futuro Barão de Uruguaiana - adotou novamente o livre-comércio. Dessa forma "o desenvolvimento industrial brasileiro teve uma conclusão abortiva ao invés de ter se mantido como aconteceu nos Estados Unidos, em constante crescimento". O não ter sido abortada a política protecionista "poderia ter provocado - e assim parecia ser seu destino - o processo de decolagem do desenvolvimento brasileiro um século antes do momento em que se produziu". Brasil voltou então, a partir de 1861, a estar na posição de subordinação ativa com respeito ao "outro principal", Grã Bretanha, aceitando o livre-comércio e a divisão internacional do trabalho que o colocava como um simples produtor de matérias primas, mas começou a elaborar uma estratégia de aproximação e aliança com o "outro principal" a nível regional, os Estados Unidos, para acalmar e equilibrar a dominação britânica. É importante destacar que no altar sesta estratégia iniciada pelo mesmo Imperador Pedro II a elite de condução brasileira sacrificou o sistema monárquico que lhe tinha dado ótimos resultados em matéria de estabilidade política e mantimento da integridade territorial. A república trouxe, pelo contrário, a instabilidade política, mas sobretudo o crescimento das forças desagregadoras ou balcanizadoras da unidade territorial do Brasil. O Brasil recém pôde reverter a situação da latente balcanização em 1930 com a chegada ao poder de Getúlio Vargas, que, aliás, em 1951, retomou o caminho de realizar a insubordinação fundante que havia sido abandonada em 1861 e lentamente começou a planejar que sua relação com o "outro principal" - já os Estados Unidos - não fosse mais uma relação de subordinação ativa, mas de insubordinação pragmática "medular". Todas as citações correspondem a JAGUARIBE, Helio, Desarrollo económico y desarrollo político, Buenos Aires, Ed. EUDEBA, 1964, Págs 155 a 160.

38. Em 1948, Tito começou um processo de insubordinação ideológica com respeito á União Soviética, pregando a necessidade de elaborar e recorrer uma via independente ao socialismo a qual denominou "comunismo nacional". Passando rapidamente da rebelião ideológica à ação política, Tito decidiu criar uma economia forte e independente de Moscou, e pôs em marcha, então, um plano de desenvolvimento econômico com o objetivo de alcançar a independência econômica da Iugoslávia em relação à União Soviética, fato que provocou uma escalada diplomática entre Moscou e Belgrado, seguida de um duro e agressivo intercâmbio epistolar entre Stálin e Tito.

39. Em 1881, James Baline (1830-1893), Secretário de Estado dos Estados Unidos, ipulsionou como eixo central de uma nova política externa norteamericana a realização de uma Conferência Panamericana. Não obstante, a reunião não pôde acontecer tanto pela morte do presidente dos Estados Unidos, pela separação de James Baline da Secretaria de Estado, mas sobretudo pela negativa do Congresso dos Estados Unidos que preferia manter uma política de insubordinação pragmática e não se aventurar em uma política de insubordinação revisionista que implicava enfrentar abertamente a Grã Bretanha. Em 1888, o Congresso mudou de posição e autorizou, mediante uma lei, o presidente a convocar uma Conferência dos Estados do continente, determinando, por sua vez, os temas a discutir. Os objetivos estratégicos dos Estados Unidos eram a formação de uma união aduaneira - que estabelecera fortes tarifas protecionistas - e a adoção do padrão prata. Com estas medidas os Estados Unidos buscava expulsar a Grã Bretanha da América Latina e converter a América Latina em um mercado cativo para a indústria norteamericana em expansão. A concreção desses dois objetivos implicavam um golpe mortal à Grã Bretanha, que reagiu utilizando sua influência sobre o governo argentino para que a delegação argentina enviada à Conferência boicotasse o projeto norteamericano de união aduaneira e substituição do padrão ouro pelo padrão prata. Sobre os aspectos formais da Primeira Conferência Panamericana ver: DALLANEGRA PEDRAZA, Luis, Relaciones políticas entre Estados Unidos y América Latina. http://luisdallanegra.bravehost.com/EUA_Amla/tapausal.html Pode-se também consultar MUÑOZ AZPIRI, José Luis, La Conferencia Panamericana de 1998, http://unamiradaaustral.com.ar/la-conferencia-panamericana-de-1889/

40. Em 1963, depois de ter resolvido o problema da Argélia, De Gaulle pôs em prática a segunda fase de sua política externa, que estará caracterizada por uma atitude claramente revisionista com respeito à ordem estabelecida na Europa Ocidental pelos Estados Unidos, e como ressalta Raymond Aron em suas Memórias, por uma mudança de linguagem. Em 1966, De Gaulle, que se manteria firme em sua posição revisionista, ordenou que as forças armadas francesas fossem retiradas do comando integrado da OTAN e que todas as tropas não francesas abandonassem o território gaulês. A resposta anglonorteamericana à rebelião gaullista foi a organização encoberta, através de seus respectivos órgãos de inteligência, da revolta infantil de maio de 1968 que desestabilizou o governo francês e provocou a queda do gabinete do primeiro ministro gaullista Georges Pompidou. A respeito [desse assunto] ver as seguintes obras: ARON, Raymond, Mémoires: 50 ans de réflexion politique, Paris, Ed. Julliard, 1983. BARNAVI, Elise et FRIEDLANDER, Saul, La politique étranger du General De Gaulle, Presses Universitaires de France, 1985. COUVE DE MURVILLE, Maurice, Une politique Etrangère. 1958-1969, Paris, Ed. Plon, 1971. HAMON, Leo, La révision, Paris, Ed. Stok, 1974. FERRO, Maurice, De Gaulle et l’Amérique, une amitie tumultueuse, Paris, Ed. Plon, 1973. GROSSER, Alfred, Affaires Extérieures de la France 1944-1984, Paris, Ed. Flammarion, 1984. LEDWIDGE, Bernard, De Gaulle et les américains, Paris, Ed. Flammarion, 1984.

41. Em 1953, Enrico Mattei impulsionou a criação do Ente Nazionale Idrocarburi (ENI), empresa estatal italiana, para que o Estado italiano pudesse competir diretamente contra as grandes companhias petroleiras dos Estados Unidos, da Grã Bretanha, da Holanda e da França, aqueles que acusava de formar carteis e desta maneira se beneficiar mutuamente dos altos preços do petróleo, ao invés de estabelecer uma competência real. Mattei, a fim de quebrar o monopólio das 5 grandes irmãs do petróleo, iniciou uma ação política de aliança com os países produtores de petróleo como Irã ou o financiamento oculto da Frente Liberação Nacional que lutava pela independência da Argélia [em relação à] França. A polícia de Mattei foi tão bem sucedida que a Itália, que apenas contava com recursos petroleiros, se converteu em uma grande potência neste setor. Além disso, Mattei extendeu a atividade do ENI à construção e ao controle de oleodutos, lançando ao mar uma grande frota de petroleiros. Mattei como ministro da economia na sombra, contrariando os princípios do liberalismo econômico, aprofundou o papel protagonista do Estado na economia. Mattei fomentou a investigação em matéria de energia nuclear e deu um grande impulso a todas as indústrias relacionadas com tal energia. Por outro lado, impulsionou a construção de estradas, hotéis e armazéns, sob um prisma estatizador e inclusive anticapitalista, muito próximo ao socialismo, proclamando que ia contra os grandes grupos financeiros e monopolistas anglosaxões. Para defender sua política e popularizar a insubordinação ideológica que o mesmo protagonizava fundou o diário Il Giorno en Milán.

42. O presidente russo Vladimir Putin levou adiante - no começo se seu primeiro governo, quando a relação de forças lhe era bastante desfavorável - uma política de subordinação ativa cujas manifestações mais notáveis foram o fechamento das bases russas de Cuba e Vietnã no ano de 2000 e o apoio ao presidente norteamericano George Bush depois dos atentados terroristas em Nova York em setembro do ano de 2001. Esse breve período de subordinação ativa deu passo a um período mais prolongado de insubordinação pragmática que se transformou a partir do mês de março de 2014 - depois que 97% da população da Crimeia optou por sua incorporação à Rússia - em insubordinação revisionista regional.

43. Recordemos que a realização de uma insubordinação fundante é a condição necessária para que uma insubordinação pragmática seja possível de ser sustentada a longo prazo. A realização de uma insubordinação fundante é a condição indispensável para que o umbral de resistência adote um caráter estrutural.

44. Na história recente da América Latina é possível encontrar casos de governos que, irresponsavelmente, desde o ponto de vista discursivo - e sem ter elementos de poder suficientes para tornar realidade o discurso - planejaram, por cálculo eleitoral ou infantilismo político, uma insubordinação revisionista que só existe em relato oficial de tal governo.