segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Como os Corvos se Tornaram Negros


Era uma vez, muito tempo atrás, Wotan caminhava sob os braços de Yggdrasil quando dois corvos mergulharam e pousaram em seus ombros. O corvo em sua esquerda era branco como a névoa de Niflheim (até então todos os corvos eram brancos), e seus olhos miraram as nuvens. O corvo em sua direita reluzia no sol como a neve de Jotunheim, e olhou-o com alvos e claros olhos. E Wotan chamou o corvo a sua direita de Hugin - Pensamento -, e o outro nomeou-o de Munin - Memória.

Conforme os dias passavam, Hugin e Munin fixaram-se na curiosidade do Pai de Todos por tudo que havia nos Nove Mundos, voando e observando e ouvindo a tudo que podiam, e às noites retornavam a Ele para contá-lo tudo que tinham visto e ouvido nas longas horas do dia. Contaram-lhe sobre os lentos pensamentos das montanhas, sobre as coloridas e sempre mutáveis memórias dos homens, e sobre o som da canção do coração de tudo que vive.

E embora Wotan se deleitasse com o conhecimento que lhe traziam ele sempre sentia que ali faltava algo, e dizia, "Foi muito, mas ainda não o bastante. Amanhã vocês devem voar de novo. Tentem descansar por ora". E os corvos dormiram com dificuldade, sem saber o que lhes faltava, e cada manhã eles voavam de novo. Chegou então uma de muitas noites depois de um longo dia em que eles tinham visto tudo o que a luz de Sunna poderia mostrar, tinham ouvido a todos os pensamentos brilhantes dos homens em Midgard, e leram suas memórias despertas, momento em que Hugin disse a Munin: "Ainda não podemos voltar. Precisamos ir adiante". E mergulharam na noite escura.

E Hugin voou através dos sonhos negros da humanidade e ouviu seus pensamentos os quais não deviam pensar durante o dia, nem mesmo diante de si mesmos. Ele guinou através do vazio entre as estrelas onde não havia nada, e para dentro do crepuscular mundo do futuro onde há tudo e nada ao mesmo tempo. E quando retornou, suas penas, de ponta a ponta, eram negras como a noite.

E Munin adentrou as mentes dos homens em cada canto e célula assombrada onde eles escondiam todas as coisas que não gostavam e as trancafiavam dizendo "não lembro mais". Planou o vácuo indistinguível de Ginnungagap, e sempre adiante até que alcançou as cinzas de Ragnarok que obscureceu esta era. E quando ele retornou, suas penas, do bico ao rabo, eram negras como a fuligem.

Os corvos voltaram a Wotan imediatamente antes do despertar da aurora, quando a noite estava em sua mais negra expressão, e quando eles pousaram em seus ombros ele soube tudo que eles tinham visto, e eles não precisaram lhe contar. E ele entendeu o que estava faltando, mas assentiu dizendo "É muito, e é o bastante. Descansarão por hoje". E os corvos piscaram sonolentos sob os primeiros raios do sol nascente que brilhou em suas agora penas negras, esconderam seus bicos sob suas asas e dormiram muito bem.

Desde então todos os corvos foram vistos negros como uma sombra em noite sem estrelas. Muito raramente acontece de alguém vislumbrar um corvo branco, e seria você um sortudo se visse algum, e viria a saber que já caminhara longe o bastante para a terra da memória, tempos de outrora em que os corvos costumavam ser alvos.