sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Sexo com o Vento: Sobre Rituais de Fertilidade na Rússia Pagã

Em Небесные Жены Луговых Мари [Esposas Celestiais dos Prados de Mari], o cineasta Aleksey Fedorchenko explora os rituais ocultos e práticas de fertilidade de uma tribo pagã nos Urais Russos.

Uma mulher estende uma roupa branca e azul no chão coberto de folhas do outono. Então ela põe três pães redondos, três ovos, alguns chocolates em embalagens brilhantes e farfalhantes, e estaca uma vela. "Mãe do Nascimento, ajudai-me", diz ela. "Retira minhas marcas de nascença, elas me tornam feia". Esta é a cena de abertura do filme de Aleksey Fedorchenko, Esposas Celestiais dos Prados de Mari, uma exploração dos costumes antigos do povo Mari e uma das mais cativantes narrativas femininas do cinema contemporâneo russo.

Os Mari são um grupo fino-úgrico que vive na parte oriental da Rússia Ocidental: principalmente na República Mari e em torno das Montanhas Urais no Bashkortostão e no Tatarstão. Eles não são uma minoria isolada por quaisquer motivos - no censo russo de 2010, mais de 574.000 pessoas se identificavam como Mari - mas suas histórias são em geral esquecidas da narrativa oficial russa como país branco, eslavo e cristão ortodoxo.

Não é a primeira fez que Fedorchenko trabalha com religiões e culturas tradicionais. Seu criticamente aclamado filme Almas Silenciosas, nomeado pela Golden Lion como melhor filme no Festival de Filmes de Veneza em 2010, centrou em torno de rituais antigos de sepultamento aquático da extinta tribo russa Meriana. Fedorchenko se baseia nessas sutis, pessoais e ainda inacreditáveis e poderosas histórias de seu colaborador, o escritor Denis Osokin. Esposas Celestiais dos Prados de Mari é baseado livro de novelas homônimo de Osokin. O filme é compilado por 23 histórias de 23 mulheres - uma exploração às vezes tocante, às vezes hilária da sexualidade e do comportamento social, das tradições e rituais ainda amplamente praticados pelo povo de Mari.

A realidade e a mágica estão proximamente entrelaçadas na cultura Mari: a grande altaneira bétula pode amaldiçoar e perdoar, pães e pássaros são sacrificados aos deuses em bosques sagrados, mulheres fazem sexo com o vento, jovens meninas têm de soprar um tubo especial no topo de um penhasco para celebrar a chegada do seu primeiro período. Conversamos com Fedorchenko antes das filmagens em Londres em 2 de Dezembro.

Broadly: Qual foi seu primeiro contato com a cultura Mari?
Aleksey Fedorchenko: Eu primeiro trabalhei com a cultura Mari quando fazia o filme Shosho [2006]. O filme é feito em língua Mari e poderia ser chamado de Maridos Celestiais dos Prados de Mari. É sobre os homens Mari, karts [líderes religiosos] e sacerdotes dos bosques sagrados. Todas as partes foram filmadas com sacerdotes reais. Para uma visão completa esses filmes deveriam realmente ser apresentados juntos.

Como você se preparou para as tomadas? Você ficou muito tempo nas vilas Mari?
Quando filmamos Shosho moramos na vila de Shorudzha, é o principal enclave do paganismo na Europa. É na Mari El (República), e os mais fortes shamãs, karts e sacerdotes vivem lá. Ficamos lá por um tempo tentando pegar a primavera, essencial para o filme. Quando chegamos era menos de 40ºC, e quando deixamos havia grama fresca. Quando chegamos para filmar o Esposas Celestiais todo mundo já nos conhecia, encontramos o principal kart da República e ele nos abençoou para o filme.

Vocês participaram em algum ritual?
Claro. O filme mostra rituais reais que ainda são praticados. O bosque sagrado com o sacrifício de gansos, a vigília - participamos em todos esses. Todos foram fascinantes. É um mundo mágico que existe muito perto de nós, completamente esquecido. É o bastante dirigir alguns quilômetros - e você termina em um universo completamente diferente. A TV nos dá falsos estereótipos, nos conta que para ver algo diferente você precisa viajar milhares de milhas. Na verdade, é só ir para o interior.

Os costumes mostrados no filme são autênticos?
São todos autênticos, e certos costumes são de mais de cem anos.

A cultura de Mari está sendo transmitida para a geração jovem? Há risco de um declínio gradual?
A cultura Mari data de milhares de anos e seu fio não foi interrompido. O único momento em que algo pode ter sido perdido foi durante os anos 1970 e 1980, quando o governo soviético ativamente lutou contra o culto. No momento, o interesse nas crenças tradicionais está crescendo. Há uma dupla fé na República de Mari, o povo vai tanto às igrejas ortodoxas como nos bosques sagrados. O paganismo Mari é muito tolerante; eles aceitam tudo. Muitas pessoas vêm para uma grande reza pública - mais de 5.000. São principalmente os mais velhos, mas há famílias e jovens também. Eu amo essas grandes rezas, são como grandes celebrações. O paganismo, entretanto, é ainda exótico e não é para qualquer um.

Para os papeis principais no seu filme você elencou não apenas atrizes, mas mulheres reais do povo Mari.
Sim, há atrizes russas, atrizes Mari e mulheres que não são atrizes profissionais. Eu pus junto pessoas diferentes, mas todas atuaram na língua Mari.

Você pensa que as narrativas femininas tem o bastante de presença no cinema russo contemporâneo?
Não acho, mas há diferentes tipos de narrativas. A mídia pega uma imagem feminina que é apenas de três a cinco porcento de toda diversidade da beleza feminina. Meu interesse é mais amplo, ampliar os limites e mostrar diferentes tipos de beleza, diferentes mulheres. Por ora não é muito representado. A maioria das atrizes jovens parecem realmente idênticas, então eu dificilmente vou às agências.

A imagem predominante da Rússia construída pela mídia não é tão diversa: cristã ortodoxa, eslava, branca. O paganismo e toda a diversidade das religiões não são representados. O que você pensa disso?
A verdade é que a Rússia não é totalmente ortodoxa e não apenas eslava. O território onde o povo eslavo vive hoje pertence às nações fino-úgricas e foram assimilados pelos russos, então no final das contas é mais sangue finlandês do que eslavo. O impacto do cristianismo ortodoxo é raso; penso mesmo para pessoas que creem em Deus, é muitas vezes um deus pagão e rituais pagãos. Na verdade todos os rituais ortodoxos são baseados no paganismo. A Páscoa, o Natal, a Comunhão, as relíquias sagradas - é tudo muito pagão e é o motivo de ser tão amado.

Nota do blog: não compartilhamos da visão parcial e quase depreciativa do cineasta em relação aos eslavos e à Ortodoxia, tampouco com a superficial visão histórica de que a Rússia pertence aos fino-úgricos, motivo, aliás, por ter sido divulgado amplamente em Londres, que deseja ver uma Rússia dividida. Ficou claro, no entanto, como as tradições até mesmo pagãs são tão importantes para a Ortodoxia, com a atual valorização e o crescimento da importância que as tradições dos povos pagãos recebem de um país cuja base é cada vez mais ortodoxa.

Um comentário:

  1. Percebi a diversidade russa sua grandeza, agora vejo uma Russia Multicultural e Forte!

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