O
recente acordo comercial firmado entre os EUA, Japão e outros países
do Pacífico não se limita ao econômico.
Na
segunda-feira (05/10/2015) foi anunciado que Estados Unidos, Japão,
Canadá, México, Chile, Peru, Austrália, Nova Zelândia, Singapura,
Vietnam, Malasia e Brunei chegaram a um acordo para firmar o tratado
comercial com maior alcance da história. É conhecido como TPP,
Trans-Pacific Partnership,
e foi arquitetado para, em teoria, promover o livre comércio e
contra-atacar o poder da China no Pacífico. Ainda que, considerando
a questão ligeiramente e de uma maneira superficial, pode intuir-se
que o plano dos EUA é mais ambicioso, o país pretende em realidade
assumir um posicionamento para seguir sendo o grande líder global.
Depois
de anos de negociações secretas (só reveladas ao público através
do Wikileaks),
enfim se tornam conhecidos os detalhes daquilo que será a mudança
mais radical que temos visto no comércio mundial. Estamos diante de
um acordo histórico, como foi em seu momento o GATT,
em 1947, firmado pouco depois de Bretton Woods depois da Segunda
Guerra Mundial; ou o acordo que veio depois: A Organização
Mundial do Comércio,
cujas negociações se prolongaram de 1986 -no que ficou conhecido
como “Ronda Uruguai”- até o ano de 1994, sob a liderança de
Clinton.
O
GATT foi um acordo de menor alcance, limitado principalmente ao
comércio de bens. Posteriormente idealizou-se a OMC, cujo objetivo
era estabelecer um organismo global para regular o comércio moderno,
incrementando assim o controle a outros âmbitos, como os serviços,
a agricultura, o investimento estrangeiro... Foi um grande passo
adiante, mas se estagnou. Os interesses nacionais boicotaram a maior
parte dos possíveis acordos globais, e os países acabaram optando
por “acordos
bilaterais” firmados
entre si.
A
revolução do TPP é que, por um lado, regula
todos os âmbitos
que possamos imaginar (jurídico, patentes, propriedade intelectual,
internet...) e por outro lado, envolve
a países que perfazem 40% do comércio mundial.
Ademais, está implementado com o que poderíamos denominar
“arquitetura aberta”, de maneira que se um país deseja firmar o
acordo, só precisa cumprir alguns requisitos determinados para
fazê-lo, e dessa forma, favorecer a expansão da aliança e não
simplesmente constituir um clube fechado.
Soa
muito bem, mas a realidade é mais discutível. As principais
críticas ao acordo são:
foi realizado à imagem e semelhança das multinacionais
e que foi um tratado negociado de forma secreta, sem o conhecimento
da população. Acusações Graves, sem dúvida. Há que destacar,
entretanto que isso demonstra, mais uma vez, que a política exterior
estadunidense segue gozando de boa saúde. Alcançaram um acordo
muito favorável a seus interesses, a pesar de ser polêmico e
favorecer um tipo de globalização que em seu formato atual começa
a ser questionada.
Geopolítica
Estados
Unidos defende sua indústria, seu cinema, seus laboratórios
farmacêuticos, suas tecnologias... Estados unidos defende seu
modelo. Mas é o único que consegue. Não é algo casual que o
acordo envolva aos principais países do Pacífico, exceto a China.
E a crescente influência do gigante asiático na região preocupa
tanto à administração Obama como a seus vizinhos, que são céticos
em relação à suas verdadeiras intenções. Por isso, Estados
Unidos e Japão tiveram que dar um golpe na mesa diante do crescente
poder amarelo.
De
fato, o golpe é certeiro em muitos aspectos. Por um lado é uma
demonstração de força da política estadunidense, mandando uma
mensagem de “aqui estamos” ao resto dos países da região
asiática do pacífico, região
declarada estratégica
depois do fiasco do Oriente. Por outro lado promoverá que empresas
atualmente instaladas na China, ou aquelas que estejam investindo no
país, decidam investir ou transladar-se a outros países que hoje já
se mostram como uma alternativa em alguns setores, -como o têxtil- ,
diga-se de passagem, o Vietnam ou a Malásia, por exemplo.
Por
último, o TPP deixa a porta aberta para a entrada de novos membros.
Se a China quisesse ser um deles, teria que reformar profundamente
sua economia (empresas estatais, sistema financeiro...), algo custoso
e difícil, o que de toda forma, seria resignar-se e “passar
através do aro”, deixando
que os Estados Unidos marquem as regras do comércio mundial.
Regras que são boas para as multinacionais pela facilidade na
realização das operações comerciais e também porque influenciam
o ambiente empresarial ou redundam em uma regulação laboral mínima.
Isto é, regras travestidas de boas intenções que prejudicam a
muitas empresas emergentes.
O
tratado é um golpe que afeta a região, moral e economicamente, e
não só isso. Sua maior virtude é que seus efeitos serão globais.
E que sem dúvida, o estabelecimento do TPP será um forte empurrão
para a aprovação do polêmico Trans-Atlantic
Trade and Investment Partnership (TTIP).
Esse acordo é similar àquele firmado com os países do Pacífico,
mas nesse caso concentrado na União Europeia, aonde as críticas são
numerosas. Depois do seu estabelecimento, é provável que o eixo do
mundo transferir-se-á ao Leste se não concordamos com estas regras.
Se assim ocorrer, os EUA conseguirão que 2/3 do volume de seu
comércio exterior se realize mediante acordos de livre comércio.
O
mesmo ocorreu nos anos oitenta, quando a abertura comercial dos
Estados Unidos para a Ásia provocou a inclusão da União Europeia
na “Ronda Uruguai”, que terminou por ser o gérmen da Organização
Mundial do Comércio, como já mencionamos anteriormente. Agora
poderia repetir-se essa mecânica. Será esta a razão do estranho
comportamento que estão tendo ultimamente Alemanha
e Rússia?
Ao invés de ater-nos às palavras para julgar, vamos aos fatos.
Está
chamando a atenção de muitos o fato de que, apesar de enfrentar-se
pela Ucrânia, pela Grécia, ou pelo poder no leste europeu, Alemanha
e Rússia negociaram um acordo para a ampliação do Nord
Stream.
Este gasoduto conecta diretamente por mar os russos com os alemães,
e possibilita que as vias atuais possam ser cortadas se a Rússia
assim desejar, enquanto o gás continuaria chegando na parte
ocidental da Europa. Na prática, a
ampliação outorga um enorme poder à Rússia
e reitera sua política de pressão à seus países satélites.
É
perceptível e chama a atenção o fato de que a Rússia não fez nem
sequer ameaçou ajudar a Grécia em sua “luta” contra alguns
países da zona do euro. Acredita-se que seja devido à crise e a
falta de fundos, mas não era necessário dinheiro para defender a
postura helena: bastaria fornecer energia barata ou pronunciar-se
favoravelmente para fortalecer a Grécia no debate. È possível que
a Rússia não quisesse incomodar a Alemanha? Nunca o saberemos, só
podemos observar a história e ver que as
mudanças drásticas são comuns nas relações entre ambos os
países.
Talvez
isso se explique em parte pelas
sinergias
mútuas: um possui energia e o outro possui indústria para
desenvolvê-la e/ou utilizá-la. Mas, em qualquer caso, e ainda que
as relações não fossem realmente boas, o que ganha a Alemanha não
cancelando o Nord Stream? Ganha subsídio energético à custa de
favorecer a Rússia, à custa de não respeitar o acordo tácito para
debilitá-la que em teoria existe no Ocidente depois dos incidentes
na Criméia. Ganharia
também uma posição de força para negociar o TTIP?
O
que parece evidente em qualquer caso é que, da mesma forma que a
China conseguiu uma vitória com seu AIIB, agora são os Estados
Unidos que consegue dar um soco na mesa e convencer os seus sócios
para que suas regras sigam sendo a referência mundial. Algo nada
fácil tendo em conta os numerosos interesses nacionais existentes em
meio a tudo isso. É um debate bem distinto se isso é algo positivo
ou não, o que não podemos responder pela quantidade de informação
desconhecida sobre o tratado. Uns pensarão como Obama que “não
podemos deixar que China escreva as regras do futuro”, outros
pensarão que as formas são passíveis de melhoramento, e haverá
quem o qualifique como desastre. Seja como for, este parece ser o
futuro. Ainda que, uma coisa é criar as regras, e outra bem
distinta, ganhar o jogo.
via elconfidencial, traduzido por Maurício Oltramari
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