- Sr. Mutti, nós gostaríamos de discutir com você sobre o fenômeno do islã político e a atividade em torno disso. Pode esclarecer-nos a definição disto e como funciona?
- O termo "islã político" pode ter sido cunhado pelo francês orientalista Oliver Roy em seu livro L'Echec de L'islam politique (Le Seuil, Paris 1992). Olver Royr nomeia "islã político" o que outra francês orientalista, Gilles Kepel, chama de "islamismo" (Le Prophute et Pharaon. Aux Sources des mouvements islamistes, Le Seuil, Paris 1984, edição revisada 1993; Jihad: espansion et duclin de l'islamisme, Gallimard, Paris 2000, edição revisada 2003) e "islã radical" (The roots of radical islam, Saqi, Londres 2005). "Islã político", "islamismo", "islã radical", simplesmente como "fundamentalismo islã" e "integralismo islã", são termos correspondentes com as tendências modernistas originadas pelos "reformistas islâmicos" e condenados como desvios pelos representantes do islã tradicional. Não obstante a linguagem política ocidental muitas vezes faz um amplo e incorreto uso destes termos, misturando o islamismo com islã e criando conclusões conformes com o padrão de "colapso das civilizações".
- Como isto se manifestou nos EUA e no Oriente Próximo? Qual a diferença dentro deste movimento?
- O assim chamado "islã político" é resultado das teorias Wahhabistas e Salafistas. O wahhabismo ganha seu nome do Muhammad ibn Abd al-Wahhab, que viveu na Península Arábica no século XVIII e, de acordo com Henry Cobin, foi "o pai do movimento salafista através dos séculos". O ancestral ideológico do salafismo foi Jamal ad-din al-Afghani, que em 1883 fundou a sociedade Salafiyyah e que em 1878 entrou para uma loja franco-maçônica no Cairo; seu discípulo e sucessor, Muhammad Abduh, também um franco-maçom, tornou-se o egípcio Mufti em 1899 com a aprovação das autoridades britânicas. A principal dessas escolas de pensamento é o movimento dos Irmãos Muçulmanos, fundada no Egito por Hasan al-Banna em 1928. Atualmente os Irmãos Muçulmanos são um movimento polimórfico representando a variante pragmática, realista e política de toda galáxia originada pela ideologia wahhabista-salafista. Portanto, a apelação de "salafista" é geralmente dada aos movimentos maximalistas e aos grupos extremistas, menos dispostos aos compromissos táticos de praticar atividades paramilitares e terroristas.
- O islamismo como visão radical tratando com violência: como incorporou o islã, o Estado e os atores políticos contemporâneos?
- Lembremos que o agente inglês Joh Philby foi o chefe conselheiro do Rei Ibn Saud, o usurpador da custódia dos Lugares Sagrados, que fez da heresia wahhabista a ideologia oficial da Arábia Saudita. O reinado wahhabista, historicamente aliado dos imperialistas anglo-saxãos, generosamente financiou e apoiou os grupos islâmicos. Agora estes grupos fundaram outro caixa wahhabista, o Qatari Emir; alojando Aljazeera e o assento regional da sede dos EUA, Al-Thani está tentando adotar um papel de líder no mundo árabe e tem se tornado o principal competidor da Arábia Saudita na coalisão pró-americana. Deste modo, quem paga pelos músicos, decide a música, que é depois de tudo, a música americana.
- É possível que seja organizado uma aliança entre os grupos extremistas islâmicos e os Estados? Quero dizer, não somente da Arábia Saudita, mas também com o departamento de Estado dos EUA, em operações encobertas e modernização do islã.
- Samuel Huntington escreve que o verdadeiro problema para os Estados Unidos não é o fundamentalismo islâmico, mas o islã em si. Então, se o islã é o inimigo estratégico dos EUA, o fundamentalismo islâmico pode ser um aliado tático. Essa teoria tem sido aplicada no Afeganistão, nos Bálcãs, na Chechênia, na Líbia, Síria. Conforme o departamento de Estado dos EUA, pode-se ler no CV de Abd al Wahid Pallavicini (A Sufi Master's Message, Milão 2011, p. 11) que organiza cursos para líderes muçulmanos no Insituto de Políticas Migratórias, em Washington. O propósito destes cursos é desenvolver líderes muçulmanos made in USA.
- A inquietação social e os movimentos islâmicos no Oriente Próximo e no norte africano - qual sua análise para isto? Samir Amin pensa que é o antigo "Lunga Manus" do capitalismo que agora trabalha em novas condições de bazar-nets para combater ideias esquerdistas de justiça, etc.
- No mundo muçulmano as ideias de justiça não são esquerdistas, elas são relativas ao Alcorão. Já que o islã é anti-pático ao capitalismo, os liberais precisam de um islã "reformado", que alguém resolveu chamar de "versão árabe da ética calvinista". Os executores deste projeto são os movimentos wahhabistas e todos aqueles que querem "reformas democráticas" no mundo islâmico. Os patrocinadores desta manipulação do islã são os petromonarcas e os petroemirados do Golfo Arábico; eles estão criando um Banco de Desenvolvimento do Oriente Médio, que emprestará aos países árabes para apoiar sua transição à democracia e para fortalecer as correntes de seu débito. Enquanto isso, no Egito os Irmãos Islâmicos pedem ao Fundo Monterário Internacional um empréstimo de 3,2 bilhões de dólares.
- A propósito do islã tradicional - das ordens sufi para a comunidade shia, conectadas com o Irã, Iraque, Líbano, etc. É um antídoto para um islã pós-moderno ou também é grupo alvo de seitas financiadas e do Ocidente?
- Na Península Arábica e na Turquia, sob a ilusão que eles podem enraizar o sufismo, os wahhabistas e os kemalistas baniram as ordens sufi. Na Líbia, na Tunísia, no Mali, os salafistas e outras ordens islâmicas destruíram locais tradicionais e bibliotecas islâmicas, igual como aconteceu em Meca e em Medina sob a ocupação wahhabista. As comunidades Shia são perseguidas pelos regimes wahhabistas, como no Bahrein. Grupos heterodoxos e governos atacam o islã tradicional de todas as formas - Sunitas e shiitas indiferentemente - considerando-os como o maior obstáculo para sua ação subversiva.
- E sobre Israel? A Inteligência Nacional dos EUA prevê que Israel não existirá dentro de 30 anos. Há verdadeira ameaça vinda do islã ou os EUA rearranjarão uma relação com este estado como ponto crítico na região importante?
- A nova e ambígua estratégica americana, que Obama inaugurou com seu discurso no Cairo, quer estabelecer a hegemonia americana no mundo árabe e no Oriente Médio com o consentimento árabe. Para isto, é necessário misturar os poderes regionais em uma ampla afronta contra o Irã, considerado principal inimigo naquela região; portanto os Estados árabes precisam colaborar com o regime sionista. Os anteriores devem empenhar-se em apoiar o regime sionista, que, em troca, deve aceitar o nascimento de uma insignificante entidade palestina.
- Além disso nós também vemos bom exemplo de coexistência de Estado e religião - como a Indonésia com a ideia do movimento dos moderados...você pensa isto (ideias do fundamentalismo com violência como poder externo) depender de região/ethnos, interpretações do Corão ou prosperidade social?
- De acordo com a doutrina islâmica, a política é parte da religião; o Estado é fundamentado na religião e tem um propósito religioso, de modo que, como Imam Khomeiny disse, "governar significa implementar as leis do Corão". Como para as comunidades muçulmanas habitadas em Estados não-islâmicos, o dever dos estudiosos muçulmanos é encontrar aquelas soluções que, enquanto correspondem com as leis islâmicas, podem facilitar a coexistência com povos não-islâmicos. Na Europa, onde a presença de um alto número de povos islâmicos é um fato recente, este trabalho está apenas começando.
- Qual seu prognóstico para o futuro próximo - como o movimento do islã político tratará todos os lados e especialmente com os EUA?
- O fenômeno anti-islâmico chamado islamismo é dependente em grande parte dos regimes wahhabistas aliados aos EUA. Portanto podemos esperar que o "islã político" será usado de acordo com os desejos da estratégia dos EUA; por exemplo na Algéria, que muito provavelmente é o próximo alvo do sub-imperialismo francês que por sua vez depende dos EUA. Com relação à União Europeia, a experiência mostra que os EUA e a inteligência israelense estão esperando a manipulação dos grupos extremistas; portanto não é improvável que os grupos salafistas possam ser postos em ação com fim de extorquir os governos europeus.
Entrevista por Leonid Savin
Tradução por Álvaro Hauschild
Via Geopolitica
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