domingo, 31 de maio de 2015

A Redimida Prostituta em Crime e Castigo e Outros Trabalhos de Dostoievsky

por John Barthelette

A prostituta é uma curiosa fixação da literatura na era Vitoriana. Nos trabalhos de William Thackeray e Samuel Richardson era quase clichê para a heroína acabar em casa de prostituição e então para transcender a situação em uma mostra das próprias morais vitorianas. Tendo muitas jovens sido forçadas à extrema pobreza para tomar o ofício de uma mulher perdida, Fiodor Dostoievsky, um pequeno-burguês caído em tempos difíceis, tomou uma diferente abordagem em todo o assunto; ele reconheceu que essas mulheres não são de total sem-mérito como muitas pessoas pensavam na época. Georg Brandes falou muito bem quando disse: "Dostoievsky explorou esses assuntos através dos caracteres da prostituta em muitos dos seus trabalhos. O mais famoso desses caracteres são encontrados em Crime e Castigo, Notas do Subsolo e em 'A Dócil'. Cada um desses apresenta uma abordagem única para a condição das prostitutas e o problema da sua redenção.

Em Crime e Castigo, Dostoievsky usa a personagem Sonia Marmeladov, cujo primeiro nome significa sabedoria, não só para ilustrar a misericórdia divina com relação à mulher decaída, mas para ter dela sua própria salvação e a de Raskolnikov através da misericórdia divina. Como na parábola dada pelo padre Zossima em sua morte na cama, em Irmãos Karamazov, a conexão inicial de Raskolnikov com Sonia no Livro I funciona como uma "semente" que mantém ele seguro de ser abandonado pela graça divina. Como a velha na parábola foi sem-mérito, exceto pelo fato de que ela deu ao mendigo uma semente, Raskolnikov carece de mérito depois de seu assassinato, exceto pelo fato de que ele teve caridade para com a família de Marmeladov. Ele estava totalmente desligado da sociedade por sua caridade para com aquela família necessitada. Assim essa conexão seria pervertida se não fosse pela virtude de Sônia. Quando ele confessa seu abominável crime para ela, ela chora em desconsolo por ele e o incita a salvar-se pela confissão. O ponto de Dostoievsky aqui é que tomando a si como anátema da sociedade e de Deus, Raskolnikov é destruído pelo seu próprio espírito. Ele não está permitindo a si mesmo a função devida que tem-lhe sido dada, e uma casa dividida contra si mesmo não pode permanecer. Então, Raskolnikov não pode sobreviver como um homem em um mundo destruído e rompido além da compreensão pelo seu ato de violência e dissidência social. A Providência está ilustrada aqui: Raskolnikov não pode sobreviver sem a ajuda de Sônia, mas nem a Sônia teria sido salva se Raskolnikov não viesse com intuito de se salvar ele próprio; ela poderia ter continuado no rumo à perdição do qual seu impulso de caridade a arrancou.

O que Dostoievsky está ilustrando aqui? Ele nos mostra a crueldade da luta interior e o fato de que essa luta pode ser vencida somente através do poder da graça e do arrependimento. Sônia luta com o fato de que ela própria é uma casa dividida. Por um lado ela é o epítome da sabedoria e da solidão, e por outro ela é o instrumento do prazer humano. Essa flagrante contradição não pode se sustentar; Sônia deve escolher um caminho ou o outro. Raskolnikov também demonstra sua contradição inerente: ele é um tão puro bondoso quanto um puro malvado. Essa mistura de pecado e sadismo, de pureza e esperança não pode sobreviver, não pode permanecer como um todo coerente. A loucura espera aqueles que deveriam tentar ser nem uma coisa nem outra. A balbúrdia das emoções de Raskolnikov e a culpa o dirigem a confessar-se com a ajuda de Sônia, e com ajuda dele Sônia foge de sua vida depravada a buscar um nível superior de existência na estética Sibéria. O último homem decaído pode apenas ser compreendido por uma última mulher decaída. O tema da mútua redenção é melhor visto através dos olhos de uma Eva e um Adão, e Dostoievsky usa essa ideia para engrandecer o efeito. Henry Miller expõe o âmago por lembrar: "Dostoievsky é caos e fecundidade. Humanidade, com ele, é nada mais do que um vórtice no borbulhante turbilhão".

Em Notas do Subsolo, Dostoievsky revela uma visão sobre prostituição e salvação que é muito mais reminiscente do "Paraíso Perdido" de Milton do que do "Paraíso" de Dante. Essas notas são reflexões de Dostoievsky sobre aspectos mais obscuros dos seus anos de devaneio pelas ruas de São Petersburgo, e ele invoca a esperança de um homem tão atolado em sua própria imundície mental e auto-ódio que regozija-se em sua doença, busca humilhação, e é a criatura mais perversa que se pode imaginar. Depois de tentar jantar com os velhos amigos do colégio, mas simplesmente se embaraçar todo e machucando a todos em torno dele, o Homem do Subsolo encontra uma puta sobre a qual inflige sua vitriólica carência de auto-estima. Ele encontra Liza, uma funcionária de um bordel. Seguindo a conubial atividade do Homem do Subsolo, erigida por um estranho impulso, começa a contar para Liza do fato inevitável de todas as prostitutas: ser usada, usada de novo e abandonada. Ele oferece-se para continuar conversando com ela e ser seu amigo, e ela tentativamente aceita. Essa é a abertura da graça para ambos deles: uma chance tanto de abrirem-se e reviverem o que há de humano neles. No entanto, o Homem do Subsolo está demasiadamente acostumado a usar de imundície, artimanhas e perversões mentais; quando Liza vem, ele rejeita sua amizade com ela violentamente. Duas almas completamente estranhas da humanidade permanecem assim para sempre porque não puderam cooperar um com o outro na graça. Este cenário toma o problema confrontado por Raskonlikov e Sônia e nos incita a considerar um final alternativo: um fim no qual o existencialista Homem do Subsolo "vence" a batalha contra sua humanidade e Liza se permite voltar para a penúria e para a prostituição. Os finais trágicos dessa história considerada à luz do epílogo de Crime e Castigo nos mostra apenas o quão ambos Sônia e Raskolnikov foram sortudos e o quanto ser aberto para a graça, ser honesto com seu próprio estado de ser, é em geral o bastante para Deus ajudar-nos através das crises de consciência.

Para uma mais refulgente compreensão de "A Dócil" vamos primeiro considerar outro caractere em Crime e Castigo, Dúnia, que gasta a maior parte da novela à beira da prostituição de outro tipo: prostituição espiritual. A ela Luzhin propõe casamento, um homem que deseja controlar os pensamentos, as mentes, e os corações de tudo em torno dele. Ele é um aborrecedor do pior tipo. Dúnia fugiu de uma posição sob o cruel Svidrigailov para evitar uma prostituição explícita, mas agora por amor de sua mãe e irmão ela é compelida a vender seu espírito tanto quanto o corpo. Dúnia é um tipo forte que vemos que é forçada em seu engajamento, tanto por seu próprio sentido de obrigação como por outros impulsos, ela vai à loucura e se mata. Esse é um fato terrível que sua família felizmente encontra um meio de inverter. No entanto, a heroína de "A Dócil" não é tão sortuda. Essa jovem moça está na mesma situação de Dúnia, ela só quer casar com seu Luzhin e se matar. Essa é a terceira possibilidade para uma mulher que vendeu sua alma: a "vitória" existencial da auto-destruição e a fuga da esperança. Como Ofélia, ela escolhe seu caminho longe das dificuldades da vida e desiste de sofrer para sofrer, desiste da loucura para loucuras piores, e cai no abismo ou do nada existencial ou da retribuição cristã.

Dostoievsky ilustra algumas ideias importantes quando examina a prostituta nos trabalhos que discutimos. Ele nos mostra que até mesmo os mais baixos dentre os inferiores são amados pelo Pai, e através dos seus sofrimentos ganham mérito. Em segundo lugar, ele nos mostra o fato de que eles também podem se salvar e podem funcionar como instrumentos da graça. Mas, o mais importante, ele nos conta que sem nossa tentativa de transcender nossa natureza pecadora acabaremos decaindo igual o Homem do Subsolo, ou então saltar para nossa morte espiritual e física como a heroína de "A Dócil" fez. Nós todos somos Raskolnikov, todos somos Sônia. A chave é lutar, lutar mais agressivamente e lutar sempre para alcançar a perfeição perdida para nós e inalcançável sem Deus.

Trabalhos citados e consultados:

-Dostoevsky, Fyodor. Crime and Punishment. Trans. Constance Garnett. New York: Bantam, 1981.

-Dostoevsky, Fyodor. The Brothers Karamazov. Trans. Constance Garnett. New York: Signet Classics, 1999.

-Dost. Research Station. Ed. Christiaan Stange. Vers. ? 17 July 1999 - kiosek.com/dostoevsky/quotations.html

-Martinsen, Deborah A., ed. Notes From Underground, The Double, and Other Stories. New York: Barnes and Noble Classics NY, 2003.

Nenhum comentário:

Postar um comentário