(Entrevista com Mark Sleboda)
- Avaliando as informações existentes na mídia, podemos dizer que a
culpa dos Tsarnaev em cometer o ato terrorista de Boston é óbvia?
Mark Sleboda: Enquanto que a culpa dos irmãos Tsarnaev pelas bombas
da Maratona de Boston possa parecer auto-evidente para a maioria das pessoas,
dado à narrativa dos eventos colocada pelo governo e pela mídia de massas, os
EUA, como a maioria dos países, operam no princípio legal de inocente até que
se prove culpado. Até que a culpa desses crimes seja provada em um tribunal de
justiça (esperançosamente, em um tribunal de justiça civil e não em julgamento
militar de espetáculo) com a apresentação de evidências suficientes, eles são
presumidamente inocentes. Pessoalmente, eu acho que há muitos buracos e
inconsistências na narrativa dos eventos apresentada pelas autoridades e pela
mídia de massas que devam ser levados em conta e respondidos.
Como mandaria a legalidade, ainda
não se leu os Direitos de Miranda de Dzhokar Tsarnaev, um cidadão estadounidense
naturalizado, e ele ainda não foi acusado formalmente de nenhum crime sob a
legalmente duvidosa exceção da “segurança pública”, que foi expandida e abusada
pela administração de Obama sob a lógica de interrogar suspeitos para [conseguir]
“informações cruciais”. Alguns políticos neo-conservadores estão clamando para
que Dzhokar Tsarnaev seja declarado um “inimigo combatente” para que ele não
receba o devido processo legal, e alguns outros abertamente pediram que ele
fosse torturado. Isso tudo é extremamente perturbador para qualquer um
preocupado com a legalidade jurídica nos Estados Unidos.
- No geral, nos EUA há uma difundida percepção de que os Chechenos são
vítimas que sofreram [nas mãos] dos russos nas duas guerras da Chechênia. Há
pessoas simpáticas a eles até no meio acadêmico. Por exemplo, Bryan Williams,
um professor da Universidade de Massachussetts, enviou a Dzhokar Tsarnaev
material de, como ele chama, “A guerra genocida russa contra o povo checheno”. Neste
caso, por que os Tsarnaev viraram sua raiva contra os EUA? Dado o forte
sentimento patriótico dos Tsarnaev, devemos considerar, primeiramente, como
muçulmanos radicais ou como nacionalistas chechenos, como aplicado ao ato
terrorista de Boston.
M.S.: É parte da normalidade dos políticos e acadêmicos ocidentais
tomar uma visão extremamente crítica e não objetiva da Rússia e do governo
russo, dado à latente russofobia e farisaico etnocentrismo, enquanto que, ao
mesmo tempo, se mantêm hipocritamente silenciosos e deliberadamente ignorantes
dos crimes muito maiores e mais numerosos dos seus países [no que concerne] a
violação de direitos humanos, tanto os históricos quanto os atuais. Se ultrajam quanto às ações russas nas duas
guerras da Chechênia, enquanto simultaneamente reabilitam e não vêm equivalentes
nos permanentes crimes ocidentais nas invasões e ocupações do Iraque e
Afeganistão, nas operações de troca de regime na Líbia e na Síria e na contínua
chamada ‘Guerra Global ao Terror’, o que é um exemplo primário desse seletivo
e subjetivo ‘apontar o dedo’. Tal [situação] é extremamente danosa para os
esforços internacionais de genuinamente lidar com as causas raízes do
terrorismo e do extremismo. Schadenfreude….
Se os Tsarnaev são culpados dos
crimes dos quais são suspeitos, como apresentado pelas autoridades, parece que
uma leitura estrita da sua etnia chechena teria apenas uma influência marginal
nas suas neuroses e motivações. Como o líder checheno Ramzan Kadyrov notou
acertadamente, “Eles cresceram e estudaram nos Estados Unidos e suas atitudes e
crenças se formaram lá. Qualquer tentativa em traçar conexões entre a Chechênia
e os Tsarnaev, é em vão.” Os irmãos Tsarnaev viveram a maior parte de suas
vidas no Quirguistão e nos Estados Unidos. Se o seus estilos de vida [servem]
de qualquer indicação, eles obviamente têm conexões emocionais apenas
desvanecentes e vagas de suas raízes étnicas. Se eles são culpados do que
alegadamente fizeram, parece que a motivação mais provável seria um fundamentalismo
islâmico e a radicalização de uma perniciosa variedade de Wahhabismo, que
ocorreram, primariamente, na internet. Tamerlan esteve recentemente na Rússia,
mas ele não agiu violentamente lá contra os russos. Ele cometeu um ato de
terror contra os Estados Unidos e contra os estadounidenses, pelos quais ele
obviamente tinha sentimentos conflituosos. Como a ‘Guerra Global ao Terror’ dos
EUA é comumente percebida tanto por estadounidenses quanto pelo resto do mundo
como uma guerra hegemônica contra o Islã, tal ato é facilmente entendido, senão
aceito. Ele está longe de ser o primeiro a fazer isso e ele não será o último.
A sangrenta ‘Guerra Global ao Terror’ dos EUA é auto-perpetuante, criando seus
próprios terroristas. Os Tsarnaev são um produto dos EUA e, então, descontaram
suas frustrações políticas e religiosas nos EUA.
- Os Republicanos estão pedindo as autoridades para tratarem Tsarnaev
como um terrorista e não apenas um criminoso. Nesse contexto, o que você pensa
da prisão de Guantânamo? A sua existência contribui para a erradicação do terrorismo
ou exatamente o contrário?
M.S.: O Gulag da Bahia de Guantânamo é uma fossa sangrenta de
crimes contra a humanidade e escandalosas violações das leis internacionais e
domésticas. Nós podemos apenas esperar que um dia os líderes políticos e
militares dos EUA, tanto dos regimes de Bush quanto de Obama, sejam
responsabilizados e que a justiça seja feita. É uma vergonha para a nação, o
que já manchou a reputação internacional dos EUA e seu já questionável
posicionamento moral. Isso só causa mais ódio e ressentimento contra os EUA,
estimulando mais violência e atos de terror.
- Recentemente nos EUA, não muito antes da tragédia de Boston, houve
uma série de tiroteios, onde pessoas inocentes, incluindo crianças, foram
mortas. Então poderíamos dizer que os Tsarnaevs foram um tipo de produto da
sociedade ou sua origem nos Cáucasos foi um fator decisivo?
M.S.: Os EUA tem, de fato, uma terrível “cultura” de violência,
glamourizada e normalizada por Hollywood, video games e o Império militar
global dos EUA. É perfeitamente razoável acreditar que isso teve tanto quanto,
senão mais influência do que os restos de sua etnia, quanto à motivação dos
alegados crimes dos Tsarnaev, considerando que eles passaram a maior parte de
suas vidas no chamado ‘melting pot’ dos EUA e muito pouco nos Cáucasos.
- Qual é a sua atitude quanto ao direito de portar e usar armas? Após
os tiroteios alguns políticos estadounidenses começaram a demandar
crescentemente uma limitação. No entanto, pessoas foram mortas em Boston com o
uso de uma bomba caseira. Deveríamos nos focar tanto nos meios que se cometem
os crimes?
M.S.: Eu não acredito que haja qualquer direito inerente de portar
ou usar armas para além dos limites da caça e de propósitos esportivos. A
segunda emenda da constituição dos EUA sobre milícias reguladas ou forças
armadas tem sido muito abusada e mal interpretada por lobbies especiais, como a
National Rifle Association (NRA).
Pelo contrário, eu diria que Hobbes estava certo. Nós demos ao Leviatã, nossos
estados, um monopólio da violência, porque, sem ele, a vida é de fato ‘vil,
brutal e curta’. É entendível temer o poder do Estado. Mas eu tenho muito mais
medo e sou muito mais desconfiado de armas letais nas mãos dos meus concidadãos
irracionais, emocionais, mal-ajustados e frequentemente embriagados. Eu temo as
pessoas mais do que o Estado e os irmãos Tsarnaev, se culpados pelos crimes que
supostamente cometeram, são uma ilustração perfeita do porque. O resto do mundo
olha horrorizado o constante fluxo de sangrentas manchetes sobre
estadounidenses se matando com armas.
A Rússia é uma aberração estatística
e social, já que tem níveis extremamente altos de homicídios, suicídios e
violência doméstica, mesmo sem [a legalização] do porte de arma. Eu tremo de
pensar qual seria o resultado de adicionar armas de fogo a essa mistura.
- O que as autoridades podem fazer para evitar tais atos de terrorismo?
O que deve ser feito primeiro: leis imigratórias mais severas, controle mais
rígido de lugares públicos ou alguma outra coisa?
A Rússia, por exemplo, tem visto
um notável sucesso durante a última década em reduzir a violência e o
terrorismo na Republica Chechena, sob a liderança de Ramzan Kadyrov, através da
combinação de um governo autônomo e autonomia na República étnica da Chechênia,
um pulso firme, um considerável influxo de fundos federais trazendo empregos e
reconstrução, reformando a educação e as universidades e promovendo as
instituições e um guia moral do tradicional e moderado Islamismo Sufi. Este
modelo precisa ser repetido e expandido através do Cáucaso do Norte.
A maior coisa que os Estados
Unidos pode fazer para dar fim ao terrorismo é acabar com a sua hegemonia
militar global, parar com a sua ‘Guerra Global ao Terror’, fechar as centenas
de bases militares no Oriente Médio e levar suas tropas para casa, parar de
apoiar, armar e financiar ditaduras brutais, incluindo a Arábia Saudita, o
Qatar e o Bahrain, e parar de interferir generalizadamente no mundo Islâmico e
tentar impor seus valores e modo de vida ao povo que lá vive.
Resumindo, nas palavras do grande
pensador político e filósofo estadounidense, Noam Chomsky: “Todos estão preocupados
em parar o terrorismo. Bom, há uma maneira bem fácil: parem de participar dele”.
M.S.: A grande etnia russa e os chechenos são duas etnias
diferentes. No entanto, assim como as outras 185 etnias na rica tapeçaria que
forma a Federação Russa, as suas vidas, histórias, culturas e sangue têm sido
entremeados há séculos. A Rússia é um país multi-étnico e multi-confessional e
tem sido – desde o tempo da Horda Dourada, passando ao início do Império Russo,
ao Império Romanov, através da União Soviética e na atual Federação Russa. Nós
não seríamos os mesmos sem eles e seriam muito menos com a sua perda. A vasta
maioria dos chechenos e povos do Cáucaso são pessoas normais e pacíficas com
uma rica tradição, religião e cultura – preocupados primariamente com sua
situação econômica pessoal, famélia e comunidades – assim como nós. Nós não
podemos cair na armadilha de estereotipar um culpar o todo pelas desprezíveis
ações de uma minoria extremista, frequentemente motivados à violência pelo
Wahhabismo forâneo promovito pela [Arábia] Saudita. Isso levaria à
desintegração da Rússia.
Os estadounidenses são, como via
de regra, ignorantes sobre outros países, culturas, religiões e povos. O resto
do mundo não existe para eles. Eles não entendem a diferença entre Russos
(Russkii) e Russos (Rossisski) e não o quanto as várias etnias russas são
importantes para quem e o que somos. Nós não devemos nos tornar como eles. Não
não podemos afirmar que a Chechênia ou qualquer outra república étnica seja
parte da Rússia, mas depois tentar renegá-los e manter distância deles quando
for inconveniente. Chechenos são russos (rossisski) e russos são chechenos. E
nós devemos ter orgulho disso. Os russos
são muitos e um.
“Quantas pessoas há na Rússia que não têm
sangue Khazar ou Polovtsian, Tatar ou Bashkir, Mordin ou Chuvash nas suas veias”
[Isso se aplica a sangue russo ou checheno também]- P.N Savitsky, Povorot k
Vostoku (Virada ao Leste), 1921
Nenhum comentário:
Postar um comentário