quarta-feira, 24 de abril de 2013

Os Tsarnaev são produto dos EUA


 (Entrevista com Mark Sleboda)



- Avaliando as informações existentes na mídia, podemos dizer que a culpa dos Tsarnaev em cometer o ato terrorista de Boston é óbvia?

Mark Sleboda: Enquanto que a culpa dos irmãos Tsarnaev pelas bombas da Maratona de Boston possa parecer auto-evidente para a maioria das pessoas, dado à narrativa dos eventos colocada pelo governo e pela mídia de massas, os EUA, como a maioria dos países, operam no princípio legal de inocente até que se prove culpado. Até que a culpa desses crimes seja provada em um tribunal de justiça (esperançosamente, em um tribunal de justiça civil e não em julgamento militar de espetáculo) com a apresentação de evidências suficientes, eles são presumidamente inocentes. Pessoalmente, eu acho que há muitos buracos e inconsistências na narrativa dos eventos apresentada pelas autoridades e pela mídia de massas que devam ser levados em conta e respondidos.

Como mandaria a legalidade, ainda não se leu os Direitos de Miranda de Dzhokar Tsarnaev, um cidadão estadounidense naturalizado, e ele ainda não foi acusado formalmente de nenhum crime sob a legalmente duvidosa exceção da “segurança pública”, que foi expandida e abusada pela administração de Obama sob a lógica de interrogar suspeitos para [conseguir] “informações cruciais”. Alguns políticos neo-conservadores estão clamando para que Dzhokar Tsarnaev seja declarado um “inimigo combatente” para que ele não receba o devido processo legal, e alguns outros abertamente pediram que ele fosse torturado. Isso tudo é extremamente perturbador para qualquer um preocupado com a legalidade jurídica nos Estados Unidos.

- No geral, nos EUA há uma difundida percepção de que os Chechenos são vítimas que sofreram [nas mãos] dos russos nas duas guerras da Chechênia. Há pessoas simpáticas a eles até no meio acadêmico. Por exemplo, Bryan Williams, um professor da Universidade de Massachussetts, enviou a Dzhokar Tsarnaev material de, como ele chama, “A guerra genocida russa contra o povo checheno”. Neste caso, por que os Tsarnaev viraram sua raiva contra os EUA? Dado o forte sentimento patriótico dos Tsarnaev, devemos considerar, primeiramente, como muçulmanos radicais ou como nacionalistas chechenos, como aplicado ao ato terrorista de Boston.

M.S.: É parte da normalidade dos políticos e acadêmicos ocidentais tomar uma visão extremamente crítica e não objetiva da Rússia e do governo russo, dado à latente russofobia e farisaico etnocentrismo, enquanto que, ao mesmo tempo, se mantêm hipocritamente silenciosos e deliberadamente ignorantes dos crimes muito maiores e mais numerosos dos seus países [no que concerne] a violação de direitos humanos, tanto os históricos quanto os atuais.  Se ultrajam quanto às ações russas nas duas guerras da Chechênia, enquanto simultaneamente reabilitam e não vêm equivalentes nos permanentes crimes ocidentais nas invasões e ocupações do Iraque e Afeganistão, nas operações de troca de regime na Líbia e na Síria e na contínua chamada ‘Guerra Global ao Terror’, o que é um exemplo primário desse seletivo e subjetivo ‘apontar o dedo’. Tal [situação] é extremamente danosa para os esforços internacionais de genuinamente lidar com as causas raízes do terrorismo e do extremismo. Schadenfreude….

Se os Tsarnaev são culpados dos crimes dos quais são suspeitos, como apresentado pelas autoridades, parece que uma leitura estrita da sua etnia chechena teria apenas uma influência marginal nas suas neuroses e motivações. Como o líder checheno Ramzan Kadyrov notou acertadamente, “Eles cresceram e estudaram nos Estados Unidos e suas atitudes e crenças se formaram lá. Qualquer tentativa em traçar conexões entre a Chechênia e os Tsarnaev, é em vão.” Os irmãos Tsarnaev viveram a maior parte de suas vidas no Quirguistão e nos Estados Unidos. Se o seus estilos de vida [servem] de qualquer indicação, eles obviamente têm conexões emocionais apenas desvanecentes e vagas de suas raízes étnicas. Se eles são culpados do que alegadamente fizeram, parece que a motivação mais provável seria um fundamentalismo islâmico e a radicalização de uma perniciosa variedade de Wahhabismo, que ocorreram, primariamente, na internet. Tamerlan esteve recentemente na Rússia, mas ele não agiu violentamente lá contra os russos. Ele cometeu um ato de terror contra os Estados Unidos e contra os estadounidenses, pelos quais ele obviamente tinha sentimentos conflituosos. Como a ‘Guerra Global ao Terror’ dos EUA é comumente percebida tanto por estadounidenses quanto pelo resto do mundo como uma guerra hegemônica contra o Islã, tal ato é facilmente entendido, senão aceito. Ele está longe de ser o primeiro a fazer isso e ele não será o último. A sangrenta ‘Guerra Global ao Terror’ dos EUA é auto-perpetuante, criando seus próprios terroristas. Os Tsarnaev são um produto dos EUA e, então, descontaram suas frustrações políticas e religiosas nos EUA.

- Os Republicanos estão pedindo as autoridades para tratarem Tsarnaev como um terrorista e não apenas um criminoso. Nesse contexto, o que você pensa da prisão de Guantânamo? A sua existência contribui para a erradicação do terrorismo ou exatamente o contrário?

M.S.: O Gulag da Bahia de Guantânamo é uma fossa sangrenta de crimes contra a humanidade e escandalosas violações das leis internacionais e domésticas. Nós podemos apenas esperar que um dia os líderes políticos e militares dos EUA, tanto dos regimes de Bush quanto de Obama, sejam responsabilizados e que a justiça seja feita. É uma vergonha para a nação, o que já manchou a reputação internacional dos EUA e seu já questionável posicionamento moral. Isso só causa mais ódio e ressentimento contra os EUA, estimulando mais violência e atos de terror.

- Recentemente nos EUA, não muito antes da tragédia de Boston, houve uma série de tiroteios, onde pessoas inocentes, incluindo crianças, foram mortas. Então poderíamos dizer que os Tsarnaevs foram um tipo de produto da sociedade ou sua origem nos Cáucasos foi um fator decisivo?

M.S.: Os EUA tem, de fato, uma terrível “cultura” de violência, glamourizada e normalizada por Hollywood, video games e o Império militar global dos EUA. É perfeitamente razoável acreditar que isso teve tanto quanto, senão mais influência do que os restos de sua etnia, quanto à motivação dos alegados crimes dos Tsarnaev, considerando que eles passaram a maior parte de suas vidas no chamado ‘melting pot’ dos EUA e muito pouco nos Cáucasos.

- Qual é a sua atitude quanto ao direito de portar e usar armas? Após os tiroteios alguns políticos estadounidenses começaram a demandar crescentemente uma limitação. No entanto, pessoas foram mortas em Boston com o uso de uma bomba caseira. Deveríamos nos focar tanto nos meios que se cometem os crimes?

M.S.: Eu não acredito que haja qualquer direito inerente de portar ou usar armas para além dos limites da caça e de propósitos esportivos. A segunda emenda da constituição dos EUA sobre milícias reguladas ou forças armadas tem sido muito abusada e mal interpretada por lobbies especiais, como a National Rifle Association (NRA). Pelo contrário, eu diria que Hobbes estava certo. Nós demos ao Leviatã, nossos estados, um monopólio da violência, porque, sem ele, a vida é de fato ‘vil, brutal e curta’. É entendível temer o poder do Estado. Mas eu tenho muito mais medo e sou muito mais desconfiado de armas letais nas mãos dos meus concidadãos irracionais, emocionais, mal-ajustados e frequentemente embriagados. Eu temo as pessoas mais do que o Estado e os irmãos Tsarnaev, se culpados pelos crimes que supostamente cometeram, são uma ilustração perfeita do porque. O resto do mundo olha horrorizado o constante fluxo de sangrentas manchetes sobre estadounidenses se matando com armas.

A Rússia é uma aberração estatística e social, já que tem níveis extremamente altos de homicídios, suicídios e violência doméstica, mesmo sem [a legalização] do porte de arma. Eu tremo de pensar qual seria o resultado de adicionar armas de fogo a essa mistura.
   
- O que as autoridades podem fazer para evitar tais atos de terrorismo? O que deve ser feito primeiro: leis imigratórias mais severas, controle mais rígido de lugares públicos ou alguma outra coisa?

 M.S.: Não há uma única solução mágica para acabar com o ‘terrorismo’. O terrorismo é apenas uma tática. Atos de terror muito frequentemente têm motivações e raízes políticas, étnicas, religiosas e econômicas que devem ser levadas em consideração. O contexto é tudo.

A Rússia, por exemplo, tem visto um notável sucesso durante a última década em reduzir a violência e o terrorismo na Republica Chechena, sob a liderança de Ramzan Kadyrov, através da combinação de um governo autônomo e autonomia na República étnica da Chechênia, um pulso firme, um considerável influxo de fundos federais trazendo empregos e reconstrução, reformando a educação e as universidades e promovendo as instituições e um guia moral do tradicional e moderado Islamismo Sufi. Este modelo precisa ser repetido e expandido através do Cáucaso do Norte.

A maior coisa que os Estados Unidos pode fazer para dar fim ao terrorismo é acabar com a sua hegemonia militar global, parar com a sua ‘Guerra Global ao Terror’, fechar as centenas de bases militares no Oriente Médio e levar suas tropas para casa, parar de apoiar, armar e financiar ditaduras brutais, incluindo a Arábia Saudita, o Qatar e o Bahrain, e parar de interferir generalizadamente no mundo Islâmico e tentar impor seus valores e modo de vida ao povo que lá vive.

Resumindo, nas palavras do grande pensador político e filósofo estadounidense, Noam Chomsky: “Todos estão preocupados em parar o terrorismo. Bom, há uma maneira bem fácil: parem de participar dele”.

 - Na mídia estadounidense, os chechenos são frequentemente chamado de “os russos”. No entanto, na Rússia é crucial enfatizar que essas são duas nações diferentes. Pela parte da mídia dos EUA, isso é apenas um erro ou talvez esteja sendo feito deliberadamente?

M.S.: A grande etnia russa e os chechenos são duas etnias diferentes. No entanto, assim como as outras 185 etnias na rica tapeçaria que forma a Federação Russa, as suas vidas, histórias, culturas e sangue têm sido entremeados há séculos. A Rússia é um país multi-étnico e multi-confessional e tem sido – desde o tempo da Horda Dourada, passando ao início do Império Russo, ao Império Romanov, através da União Soviética e na atual Federação Russa. Nós não seríamos os mesmos sem eles e seriam muito menos com a sua perda. A vasta maioria dos chechenos e povos do Cáucaso são pessoas normais e pacíficas com uma rica tradição, religião e cultura – preocupados primariamente com sua situação econômica pessoal, famélia e comunidades – assim como nós. Nós não podemos cair na armadilha de estereotipar um culpar o todo pelas desprezíveis ações de uma minoria extremista, frequentemente motivados à violência pelo Wahhabismo forâneo promovito pela [Arábia] Saudita. Isso levaria à desintegração da Rússia.

Os estadounidenses são, como via de regra, ignorantes sobre outros países, culturas, religiões e povos. O resto do mundo não existe para eles. Eles não entendem a diferença entre Russos (Russkii) e Russos (Rossisski) e não o quanto as várias etnias russas são importantes para quem e o que somos. Nós não devemos nos tornar como eles. Não não podemos afirmar que a Chechênia ou qualquer outra república étnica seja parte da Rússia, mas depois tentar renegá-los e manter distância deles quando for inconveniente. Chechenos são russos (rossisski) e russos são chechenos. E nós devemos ter orgulho disso. Os russos  são muitos e um.

 “Quantas pessoas há na Rússia que não têm sangue Khazar ou Polovtsian, Tatar ou Bashkir, Mordin ou Chuvash nas suas veias” [Isso se aplica a sangue russo ou checheno também]- P.N Savitsky, Povorot k Vostoku (Virada ao Leste), 1921

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