Para muitos dos nossos leitores o nome do filósofo,
cientista político, tradicioinalista, professor Alexander Dugin, como seus
vários livros, são bem conhecidos. É o motivo pelo qual não começamos por Adão e Eva.
Vocês podem encontrar mais informações sobre A. Dugin e seus trabalhos nestes
sites: http://www.arcto.ru, http://www.4pt.su, http://dugin.ru
O professor Dugin respondeu a algumas das nossas questões.
Segue abaixo a entrevista.
Entrevista: Caro professor, poderíamos começar nossa
conversa com sua própria e interessante biografia. Antes de tudo, é verdade o
que está escrito no Wikipedia e em outros locais? O que é verdade e o que não
é? Pai, que trabalhou na GRU, círculo nazista liderado por E. Golovin, muitas
perturbações políticas, intimidade com Putin?
Dugin: É tudo pura mentira. Nem Putin, nem nazista, nem pai
do GRU e assim por diante. Minha biografia é minha bibliografia (cf. J. Evola).
Eu não mexo no Wikipedia por duas razões:
1) Há um grupo de administradores
liberais que imediatamente restauram todas as mentiras para conservar a minha
imagem pejorativa (a guerra de rede – é apenas uma democracia, nada pessoa, mas
a democracia é sempre uma mentira);
2) O indivíduo (bem como eu mesmo)
não importa para mim; só a missão importa.
Então eu não me inclino a falar de mim mesmo. Leiam meus
livros, formem suas opiniões pessoais sobre minhas ideias primeiro, a
personalidade do autor, depois é opcional.
E: As principais coisas a se discutir nesta entrevista são
suas ideias, as quais eu considero mais interessantes e globalmente
importantes, de que o mundo ocidental parece estar entrando em colapso. É isto?
O fim da civilização ocidental foi previsto muito antes. Quanto tempo devemos
ainda esperar? Há algo que deve acontecer? Terceira Guerra Mundial? Revolução
global? Nada (quer dizer, o colapso como processo natural)?
Dugin: Eu mais penso que nada vai acontecer, nada. Isto é o
que é realmente terrível. A eternidade é o momento interminável do tédio.
Heidegger estudou em seu trabalho, Die Grundbegriffen der Metaphysik o fenômeno
do tédio profundo. Quanto ao caráter existencial do Dasein moderno, Gnostic
Basilides descreveu o mundo PÓS-fim como completamente balanceado, o mundo sem
eventos. Isto não quer dizer que não hajam mais eventos, mas que não
vivenciamos mais os eventos como eventos. O colapso permanente é bem analisado
pelo escritor inglês Alex Kurtagic.
O problema real surge quando ninguém percebe ele como
problema. Eis onde estamos. O Ocidente é o centro do tédio. Ele não explode,
mas implode sempre mais profundamente.
Eles estão certos de que isto durará para sempre. O fim do
mundo é a impossibilidade do Mundo de terminar. O mundo inacabável não é mais
um Mundo, é a agregação dos fragmentos insignificantes da existência como um
todo. Estamos vivendo nas 6-9 hipóteses do Parmênides de Platão – há multitudes(πολλά),
não há mais unidade (ἓν). Um mundo
assim não pode existir (de acordo com os neoplatônicos). Eu cocordo com eles,
não com a mídia de massa e com a cultura prêt-a-porter ou com os hegemônicos
intelectuais.
E: Você publicou muitos livros – nem posso conta-los (você
pode?). Eu lembro do primeiro que eu li – foi espantoso em 1999, sobre
conspiralogia. Você acredita em uma séria conspiração global como os
Bilderberg, Maçonaria, Illuminatti, ou outros grupos que REALMENTE estão
atuando hoje? Se sim, por favor, explique como isso funciona e o que deveríamos
esperar disto.
Dugin: Não me lembro quantos são os meus livros, mas da
qualidade deles. A qualidade é muito diferente porque os livros foram escritos
para públicos diversos. A conspiralogia é descrita por mim como um tipo de
sociologia primitiva. Para a sociologia há um ponto muito importante: o que a
sociedade pensa sobre o que está acontecendo não é menos importante que o que
realmente está acontecendo ou que o que os especialistas científicos pensam.
Então, estudando as teorias de conspiração acabamos por estudar a mente das
pessoas, os mitos, a cultura, os medos, as estruturas gnoseológicas e
cognitivas. A crença das pessoas nas conspirações. Significa que eles existem
ou subsistem (de acordo com a ontologia diferenciada de Alexius Meinong).
É irônico que você menciona os Bilderberg (grupo
internacional oficialmente existente) ou os Maçons (organização historicamente
documentada) e os Illuminatti, que são produto das teorias de conspiração
modernas (houve uma organização assim no fim do século XVIII, mas logo desapareceu).
Os Bilderberg planejam? Os Maçons planejam? Penso que sim. O que eles planejam
exatamente? Ninguém sabe a não ser os membros. Os membros não falam sobre o que
eles planejam. Então não sabemos muito claramente de seus planos. Mas as
pessoas imaginam, deduzem, acham, adivinham. É apaixonante estudar, como elas
fazem. Elas expressam medos, desejos subconscientes, compreensão oculta da
sociedade, da história, das hierarquias, do destino...apaixonante estudar tudo
isso.
E: Você é considerado como o pai do Eurasianismo e da Quarta
Teoria Política. Você poderia explicar o foco das suas ideias?
Dugin: O Eurasianismo pensa que a Rússia não é um país, mas
uma civilização. Então deveria ser comparada não com os países europeus ou asiáticos,
mas com as civilizações europeias, islâmicas ou hindus. A Rússia-Eurásia
consiste do caráter moderno e pré-moderno, das culturas e etnias do
Leste-Europeu. Esta identidade particular deveria ser reconhecida e reafirmada
no contexto do novo projeto de integração. O Eurasianismo nega a universalidade
da civilização ocidental e a unidimensionalidade do processo histórico
(dirigido pelo liberalismo, pela democracia, direitos humanos, economia de
mercado e assim por diante). Há culturas diferentes com diferentes
antropologias, ontologias, valores, tempos e espaços. O Ocidente não é nada mais
que uma província mundial hipertrofiada e insolente com megalomania. É caso
abjeto da hybris. A humanidade deveria lutar contra o Ocidente com fim de pôr
suas pretensões nos limites legítimos. A província mundial deveria voltar a ser
o que é – a província, o histórico caso isolado, a opção – não um fato
universal, normativo ou de objetivo comum.
A Quarta Teoria Política é a teoria que afirma:
1) Três
principais ideologias políticas modernas (o liberalismo, o comunismo/socialismo
e o fascismo/nazismo) não são mais adequadas – então precisamos descartar todas
elas (ou seja, sem mais liberalismo, socialismo e fascismo – notem o fascismo e
comparem com o que eles dizem de mim);
2) Precisamos
construir a Quarta Teoria Política além das três descartadas; dessa vez não pode
ser moderna (pós-moderna ou pré-moderna);
3) O
sujeito da Quarta Teoria Política é o Dasein segundo o que Heidegger descreveu
em seus trabalhos (não o indivíduo como no liberalismo, nem a classe como no
marxismo, nem a raça ou o Estado como no fascismo/nazismo) – O Dasein deveria
ser libertado do modo inautêntico de existência;
4) O
Dasein é plural e depende da cultura, de modo que o mundo deve ser multipolar
(toda cultura, etnia ou religião tem seu própria Dasein – não estão
necessariamente em contradição, mas são diferenciadas).
5) Clamamos
pela revolução existencial mundial dos Daseins – Daseins fas sociedades humanas
unidas pela luta contra-hegemônica global – contra o globalismo ocidental e
contra o universalismo liberal, assim como contra a a dominação dos EUA.
E: A União Eurasiana estabeleceu-se muitos anos atrás. Agora
parece estar no esquecimento, apesar de que se pode ver que a parte oriental do
mundo (China, Irã, etc.) está se fortalecendo enquanto a parte ocidental se
enfraquece. Prossegue? Qual é a situação da União Eurasiana agora e o que você
prevê para o futuro dela?
Dugin: A União Eurasiana é nossa ideia tomada pelos
burocratas de Putin. Penso que é somente uma forma de assegurar o futuro da Rússia
e a condição indispensável para a multipolaridade. A Rússia deveria estar do
lado dos poderes não-ocidentais. Há muitos problemas com a União Eurasiana –
objetivos e subjetivos. A hegemonia americana e quinta coluna na Rússia danifica
ela, e a ineficácia da burocracia russa torna a situação sempre pior. Não
obstante será estabelecida, porque deve ser estabelecida.
E: Guerras e revoluções por toda parte agora... Mali, Síria,
Palestina, Tunísia... O que você pensa sobre a situação no Magreb/Oriente Médio?
Terminará o sangue e outra guerra de mais de dez anos?
Dugin: Não. Nunca terminará. É o projeto do caos financiado
pelo Ocidente enfraquecido a fim de controlar as sociedades não-ocidentais por
outros meios. O sangue será espalhado mais e mais. Só quando todos os islâmicos
voltarem suas armas contra os hegemônicos ocidentalistas e unirem-se à batalha
final dos eurasianistas poderá terminar. O Império continua a dividir, mas não
pode mais efetivamente controlar. Então começa a dividir e, e é tudo. Não pode
dominar, só matar. Então precisamos revidar.
E: Qual é sua opinião sobre o Islã e o Irã?
Dugin: Eu admiro o Irã e admiro o shiismo e o sufismo. É a
tradição espiritual que luta contra a modernidade mirando seu centro. Há muitos
tipos de Islã. Gosto do Islã tradicional e tenho algumas dúvidas sobre a versão
wahhabista. É uma versão modernista e universalista do Islã e parece funcionar
sob os interesses dos EUA como um tipo de unidade sub-imperialista. Em suma, eu
apoio o tradicionalismo em todas as religiões. Mas o Irã e a tradição shiita eu
os amo com meu coração.
E: Que futuro (próximo e distante) gostaria de ver para o
mundo? Qual sua visão?
Dugin: No status quo estamos desprovidos de futuro.
Compreendo o futuro existencialmente como o horizonte da existência autêntica
do Dasein, como Ereignis (evento/em si mesmo), a vinda do último Deus (letzte
Gott). Mas este futuro é incompatível com o Logos decadente da história
Ocidental. O Ocidente atual (EUA e em parte a Europa) deveriam ser aniquilados
e a humanidade deveria ser reconstruída sob fundamentos diferentes – em face da
Morte e do Abismo.
Deveria haver um Novo Começo da Filosofia ou...nada mais. O
mesmo nada de agora, não perseguido mais como tal. Assim, o futuro não deveria
vir por si mesmo. Nós deveríamos fazê-lo. Mas antes precisamos destruir o que é
ou parece ser.
E: Como vejo do Facebook e das páginas da internet, há
muitas pessoas prontas para alguma revolucionária mudança de paradigma de suas
mentes e talvez ainda revoluções físicas. Mudanças reais estão para surgir no
nosso mundo? Poderia prever quando e como?
Dugin: A mudança de paradigma é absolutamente necessária. Eu
não vejo homens ou mulheres suficientes e prontos para mudar eles próprios e o
mundo em torno deles. Mas vejo alguns. É muito pouco para a esperança, mas
muito grande para o desespero. Eu gostaria de ver passos mais decisivos e
concretos. É bom que alguns começam a despertar. O ódio ao Ocidente, ao
globalismo, ao consumismo, à mídia de massas, às mentiras democráticas, ao lixo
dos direitos humanos, ao capitalismo, à ditadura tão chamada “sociedade civil”
e à dominação americana estão obviamente crescendo. Então deveríamos seguir
adiante. Fraqueza significa revolução e guerra. É pouco provável que eles
começarão agora. Mas eles deveriam começar exatamente agora porque amanhã será
tarde demais.
E: Desejo a você todo o melhor e agradeço pelas respostas –
a última questão: quais são as principais ideias nas quais você está
trabalhando agora?
Dugin: No manual de Relações Internacionais para as
universidades russas, na Teoria do Mundo Multipolar (publicada, mas ainda em
desenvolvimento), no desenvolvimento da Quarta Teoria Política, nos estudos
heideggerianos no campo da filosofia (tenho escrito já dois livros sobre
Heidegger e continuo trabalhando no mesmo projeto), no tradicionalismo (Henry
Corbin, círculo Eranos – tenho comprado recentemente todas as edições do Eranos
Jahrbuch na Suíça), na sociologia da imaginação (no estilo de G. Duran – fazem dois
anos do meu doutorado sobre o assunto), em novos livros sobre geopolítica (geopolítica
histórica da Rússia, regiões do mundo e assim por diante), no platonismo e
neoplatonismo, eurasianismo (claro), na teologia ortodoxa, antropologia social
e etnossociologia, economia (meios alternativos), e em estudos conservadores.
Também: ensino na Universidade Estatal de Moscou (sendo
chefe do departamento de sociologia das Relações Internacionais) – RI, geopolítica,
etnossociologia, sociologia; conferências (ao redor do mundo); aconselhando o
governo russo e o parlamento (enquanto membro oficial dos conselheiros do chefe
de Estado Duma S. Naryshkin); e dirijo o Movimento Internacional Eurasiano.
E: Obrigado.
Dugin: De nada.
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