por Pepe Escobar
Assim que Bashar al-Assad falou, exclusivamente com o jornal argentino Clarín (há uma imensa diáspora síria na Argentina, assim como no vizinho Brasil).
Vendo através da névoa da histeria ocidental, fez algumas observações valiosas. O histórico mostra que sim o regime aceitou várias vezes falar com a oposição; mas a miríade de grupos "rebeldes" sem uma liderançã crível e unificada, sempre se negou. Portanto, não existe uma maneira de cessar-fogo que possa finalmente ser aceita em uma cúpula, como a próxima conferência em Genebra de EUA e Rússia.
Assad faz sentido quando disse: "Nós não podemos discutir um roteiro com uma parte que não sabemos nem quem é".
Bem, a essa altura qualquer um que observa a tragédia síria sabe quem são em sua maioria. Sabemos que o exército de Canibais não-livres da Síria, perdão, o Exército Livre da Síria (ELS), é uma coleção heterogênea de senhores da guerra, bandidos e oportunistas de todo tipo juntos com os jihadistas linha-dura tipo Jabhat al-Nusra (mas também a outros grupos ligados à al-Qaeda ou inspirados por ela).
Reuters levou meses para finalmente admitir que os jihadistas dominam o show no terreno [1]. Mesmo um comandante "rebelde" queixou-se a Reuters, "Nusra é agora dos Nusras". Um que segue a agenda da Al Qaeda em um país islâmico e outro que é sírio com uma agenda nacional para ajudar a combater Assad". O que não disse que o grupo realmente efetivo está vinculado à al-Qaeda.
Síria é agora o inferno das Milícias; muito parecido ao Iraque em meados dos anos 2000, muito parecido ao "liberto" Estado fracassado líbio. Essa "agfanização/somalização" é uma consequência direta da interferência do eixo OTAN/CCG/Israel [2]. Portanto Assad tem razão quando diz que o ocidente está atiçando fogo e que só está interessado na mudança do regime, seja qual for o custo.
O que Assad não disse
Não se pode dizer que Assad seja exatamente o político mais brilhante, pois desperdiçou uma excelente oportunidade de explicar à opinião pública ocidental, ainda que brevemente, por quê as petro-monarquias do CCG, Arábia Saudita e Qatar, mais Turquia, estão interessadas em incendiar a Síria. Não pode falar que Qatar quer entregar a Síria à Irmandade Muçulmana e Arábia Saudita sonha com uma colônia que seja um "cripto-emirado". Pode falar que ambos estão aterrorizados com os xiitas do Golfo Pérsico que portam legítimos ideais da Primavera Árabe.
Pode apontar a ruína absoluta da política externa turca de "zero problemas com os nossos vizinhos": um dia há uma tríplice colaboração de Ancara-Damasco-Bagdá, e no dia seguinte Ancara quer mudança de regime em Damasco e se põe a frente de Bagdá. E ainda por cima Turquia se desconcerta ao ver que os curdos se sentem encorajados desde o norte do Iraque até o norte da Síria.
Pode detalhar que Grã-Bretanha e França dentro da OTAN, mas ainda não mencionou os EUA, assim como seus petro-monarcas marionetes, estão usando a desintegração da Síria para prejudicar o Irã e que a nenhum desses atores que fornecem armas e muito dinheiro lhes interessam os sofrimentos do "povo sírio". A única coisa que importa são os objetivos estratégicos.
Enquanto falava Bashar al-Assad, a Rússia atuava. O presidente Vladimir Putin - bem consciente de que as conversações de Genebra estão sendo prejudicadas por vários atores, mesmo antes que tenham lugar - enviou navios de guerra russos no Mediterrâneo Oriental e na Síria ofereceu um número de mísseis terra-mar Yakhont ultramodernos mais um quantidade de mísseis anti-aéreos S-300, o equivalente russo do Patriot dos EUA. A Síria também tem mísseis anti-aéreos russos SA-17.
Então, deixe, qualquer um de vocês, membros do bando OTAN-CCG, mesmo deixando de lado a ONU, de ter uma comoçãozinha e pavorzinho contra Damasco. Ou instalar uma zona de exclusão aérea. Qatar e a Casa de Saud, são uma piada do ponto de vista militar. Os britânicos e franceses estão seriamente tentados, mas não tem os meios, ou coragem. Washington tem os meios, mas não a coragem. Putin estava absolutamente certo de que o Pentágono compreenderia a sua mensagem de forma clara.
Não se deve esquecer do "Oleodutostão"
Assad também pôde falar - do que mais? - do "Oleodutostão". Dois minutos seria suficiente para explicar o significado do acordo do Irã-Iraque-Síria de 10 mil milhões que foi assinado em julho de 2012. Este nó crucial do "Oleodutostão" exportará gás do campo de Pars do Sul do Irã (o maior do mundo, compartilhado com Qatar), através do Iraque para a Síria, com uma possível extensão para o Líbano, com os clientes confirmados na Europa Ocidental. É o que os chineses chamam de situação que você não pode perder (para os brasileiros, "negócio da China").
Mas não para - quem será? - Qatar e Turquia. Qatar sonha com um gasoduto rival do Campo do Norte (ao lado do campo de Pars Sul do Irã) passando a Arábia Saudita, Jordânia, Síria e finalmente Turquia (que é apresentado como o centro privilegiado de trânsito de energia entre Leste e Oeste). O destino mais uma vez: a Europa Ocidental.
Como em tudo que tem a ver com o "Oleodutostão", o ponto crucial do jogo é deixar de lado Irã e Rússia. É o que acontece com o oleoduto catari, freneticamente apoiado pelos Estados Unidos. Mas no caso do gasoduto Irã-Iraque-Síria, a rota de exportação não pode se originar de outro lugar senão Tartus, o porto sírio no Mediterrâneo Oriental que abriga a marinha russa. Obviamente a Gazprom faria parte da coisa toda, desde os investimentos até a distribuição.
Que não haja dúvidas: o "Oleodutostão" - novamente ligado a contornar a Rússia e o Irã, explica muito sobre a destruição da Síria.
O instrumento do petróleo da União Européia para a al-Qaeda
Enquanto isso, o verdadeiro exército Sírio - apoiado pelo Hezbollah - recupera metodicamente Al-Quseir do controle "rebelde". Seu próximo passo é olhar para o leste, onde al-Nusra Jabhat está se beneficiando alegremente outra "bola fora" típica da UE: a decisão de impor sanções petroleiras contra a Síria [3].
O blogueiro da Syria Comment, Joshua Landis, tirou as conclusões necessárias: Quem assume a petróleo, água e agricultura, terá em suas mãos a Síria sunita. Por enquanto é al-Nusra. O fato é que o mercado petróleo europeu abriu impôs esta situação. Daí a conclusão dessa insanidade que a Europa está financiando a Al Qaeda. Chamemos de instrumento do petróleo da União Européia para a al-Qaeda.
O Sudoeste da Ásia, o que o Ocidente chama o Oriente Médio, continuará a ser um campo privilegiado de irracionalidade. Como as coisas estão na Síria, ao invés de uma zona de exclusão aérea, o que na verdade deve ser estabelecido é "todos voam para a paz", e cada homem e seu vizinho devem ser envolvidos: os EUA, Rússia, União Europeia e Hezbollah, Irã, Israel e, certamente, com o mesmo entusiasmo, destacou o chanceler russo, Sergei Lavrov [4].
Muito além da obsessão ocidental pela mudança de regime, o que a problemática conferência de Genebra pode produzir é um acordo pela Constituição da Síria que, aliás, é absolutamente legítima, adotada em 2012 pela maioria dos votos do verdadeiro e sofrido "povo sírio". Isso pode até significar que Assad não seja um candidato a presidente nas eleições previstas para 2014. Mudança de regime, sim. Mas, por meios pacíficos. Permitirão OTAN, CCG e Israel que isso aconteça? Não.
via Voltairenet
[1] Insight: Syria’s Nusra Front eclipsed by Iraq-based al Qaeda, Reuters, 17 de mayo de 2013.
[2] Organización del Tratado del Atlántico Norte-Consejo de Cooperación del Golfo-Israel.
[3] EU decision to lift Syrian oil sanctions boosts jihadist groups, Guardian, 19 de mayo de 2013.
[4] Russia says Iran must take part in proposed Syria talks, Reuters, 16 de mayo de 2013.
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