domingo, 19 de janeiro de 2014

A verdade sobre o programa nuclear secreto de Israel

Israel andou roubando segredos nucleares e dissimuladamente fabricando bombas desde 1950. E os governos ocidentais, incluindo o Reino Unido e os EUA, fecham os olhos. Mas como podemos esperar que o Irã freie suas ambições nucleares se os israelitas não jogam limpo?

Dimona
Muito abaixo das areias desérticas, um Estado do Oriente Médio preparado para o combate constrói bombas nucleares às escondidas, usando tecnologia e materiais providenciados por poderes aliados ou roubados por redes clandestinas de agentes. É o tipo de coisa e de relatos usados para caracterizar os piores medos com relação ao programa nuclear iraniano. Na verdade, nem os EUA nem a inteligência britânica acreditam que Teerã tenha decidido construir uma bomba, e os projetos atômicas iranianos estão sob constante monitoramento internacional.

No entanto, o conto exótico da bomba escondida no deserto é verdadeiro. É apenas algo que se aplica a um outro país. Em uma façanha de subterfúgio, Israel conseguiu montar um arsenal nuclear subterrâneo - agora estimado em 80 ogivas, em par com Índia e Paquistão - e ainda testaram uma bomba a quase meio século atrás, com um mínimo de alarido internacional ou sequer consciência pública do que estava acontecendo.

Apesar do fato de que o programa nuclear israelense tem sido um segredo aberto desde um técnico descontente, Mordechai Vanunu, difundiu em 1986, a posição oficial israelense até hoje nunca confirmou ou negou sua existência.

Quando o ex-portavoz de Knesset, Avraham Burg, quebrou o tabu mês passado, declarando a posse de Israel tanto de armas nucleares como de armas químicas e descrevendo a política oficial não-divulgada como "antiquada e infantil" um grupo de direita formalmente o chamou para uma investigação policial por traição.

Enquanto isso, os governos ocidentais ajudaram com a política de "opacidade" evitando toda menção do fato. Em 2009, quando uma repórter de Washington veterana, Helen Thomas, perguntou ao Barack Obama no primeiro mês de sua presidência se ele sabia de algum país no Oriente Médio que tenha bombas nucleares, ele desviou do assunto dizendo apenas que não gostaria de "especular".

Os governos do Reino Unido seguiram esse comportamento. Perguntado na House of Lords em Novembro sobre as armas nucleares israelenses, Baroness Warsi respondeu tangenciando. "Israel não declarou um programa de armas nucleares. Nós temos discussões regulares com o governo de Israel no domínio de questões nucleares", disse a ministra. "O governo de Israel está sem dúvida nas nossas visões. Nós encorajamos Israel a participar no Tratado de Não Proliferação [NPT em inglês]".

Mas através das rachaduras na parede, mais e mais detalhes continuam a emergir de como Israel construiu suas armas nucleares contrabandeando partes e roubando tecnologia.

O conto serve como um contraponto histórico na atual luta prolongada sobre as ambições nucleares iranianas. Os paralelos não são exatos - Israrael, diferentemente do Irã, nunca assinou o Tratado de Não Proliferação de 1968, então não poderia violá-lo. Mas quase certamente quebrou um tratado banindo testes nucleares, bem como incontáveis leis nacionais e internacionais restringindo o tráfico de materiais nucleares e tecnologia.

A lista de nações que secretamente venderam a Israel material e tecnologia para a fabricação de ogivas, ou quem fechou os olhos ao seu roubo, inclui hoje os partidários mais ferrenhos contra a proliferação: EUA, França, Alemanha, Reino Unido e até mesmo a Noruega.
Mordechai Vanunu

Enquanto isso, os agentes israelenses comandam a compra de material e a tecnologia encontrada, em alguns dos mais sensíveis estabelecimentos industriais do mundo. Este ousado e incrivelmente bem sucedido anel de espionagem, conhecido por Lakam, o acrônimo hebreu para o som-inócuo de Science Laision Bureau, incluiu figuras coloridas como Arnon Milchan, um bilhonário, produtor de Hollywood e de filmes tais como Pretty Woman, LA Confidential e 12 Years a Slave, que finalmente admitiu seu papel mês passado.

"Vocês sabe o que é ser uma criança de vinte e poucos anos e seu país deixá-lo ser James Bond? Uau! A ação! Foi incrível", disse ele no documentário israelita.

A história de vida de Milchan é colorida, e diferente o bastante para ser sujeito de um sucesso que ele banca. No documentário, Robert de Niro relembra a discussão do papel de Milchan na aquisição ilícita de ogivas nucleares. "Em algum ponto eu perguntei sobre aquilo, sendo amigos, mas não de uma forma acusatória. Eu apenas gostaria de saber", disse De Niro. "E ele disse: sim, eu fiz. Israel é meu país".

Milchan não estava envergonhado sobre usar as conexões de Hollywood para ajudar sua segunda e sombria carreira. Em certo ponto, ele admitiu no documentário, ele usou a isca de uma visita ao ator Richard Dreyfuss para conseguir um cientista top dos EUA, Arthur Biehl, para se juntar ao trabalho de uma de suas companhias.

De acordo com a biografia de Milchan, feita pelos jornalistas Meir Doron e Joseph Gelman, ele foi recrutado em 1965 pelo presidente israelita, Shimon Peres, com quem ele encontrou em Tel Aviv em um bar noturno (chamado Mandy's, nomeado depois que sua própria esposa, Mandy Rice-Davis, se envolveu num escândalo de sexo). Milchan, que então comandou a companhia, nunca olhou para trás, ocupando um cargo central no programa de aquisição clandestina israelita.

Ele foi responsável por garantir tecnologia de enriquecimento de Urânio, conseguir projetos centrífugos que um executivo alemão foi subornado a extraviar em sua cozinha. Os mesmos diagramas, pertencendo ao consórcio europeu de enriquecimento de Urânio, Urenco, foram roubados em uma segunda vez por um empregado paquistanês, Abdul Qadeer Khan, que usou para encontrar seu programa de enriquecimento e para estabelecer um contrabando nuclear global, vendendo o design para Líbia, Coreia do Norte e Irã.

Por esta razão, as centrífugas israelitas são muito parecidas com as iranianas, uma convergência que permitiu aos israelitas desenvolver um vírus de computador, de codenome Stuxnet, nas suas próprias centrífugas antes de deixá-la para o Irã em 2010.

Indiscutivelmente, as façanhas de Lakam foram ainda mais ousadas que as de Khan. Em 1968, organizou o desaparecimento de um cargueiro cheio de Urânio em minério no meio do Mediterrâneo. No que ficou conhecido como o caso Plumbat, os israelitas usaram uma rede de companhias para comprar uma consignação de óxido de Urânio, conhecido como Yellowcake, em Antwerp. O Yellowcake foi concedido em tambores etiquetados por 'Plumbat', um derivado de Chumbo, e carregado em um cargueiro arrendado por uma companhia de telefone liberiana. A venda foi camuflada como transação entre companhias da Alemanha e Itália com ajuda de oficiais alemães, em troca de uma oferta israelita para ajudar os alemães com tecnologia centrífuga.

Quando o barco, o Scheersberg A, ancorou em Rotterdam, todo pessoal foi demitido sob pretexto de que o navio foi vendido e um pessoal israelita tomou seu lugar. O barco embarcou em direção ao Mediterrâneo onde, sob a guarda naval israelita, a carga foi transferida para outro barco.

Documentos britânicos e estadunidenses desclassificados ano passado também revelaram um prévio desconhecimento da aquisição israelita de mais de 100 toneladas de yellowcake da Argentina em 1963 ou 1964, sem as salvaguardas tipicamente usadas em transações nucleares para prevenir o material usado em armas.

Israel teve algumas vertigens sobre a proliferação de armas nucleares bem conhecidas e materiais, dando ao regime de apartheid sul-africano ajuda no desenvolvimento de sua própria bomba nos anos 70 por 600 toneladas de yellowcake.
Dimona, planta camuflada

O reator nuclear israelita também exigiu óxido de Deutério, também conhecido como água pesada, para moderar a reação de fissão. Para isso, Israel foi atrás da Noruega e do Reino Unido. Em 1959, Israel conseguiu comprar 20 toneladas de água pesada que a Noruega vendeu ao Reino Unido, mas foi escessivo para o programa nuclear britânico. Ambos governos suspeitaram de que o material seria usado para fabricar armamento, mas decidiram olhar de outra forma. Em documentos vistos pela BBC em 2005, oficiais britânicos argumentaram que seria "zeloso demais" impôr salvaguardas. Por sua vez, Noruega se encarregou de apenas uma visita de inspeção em 1961.

O projeto de armas nucleares israelita nunca poderia ter ficado oculto, embora, sem uma enorme contribuição da França. O país que tomou a mais ferrenha linha na contra-proliferação quando se tratou do Irã, dirigido por um senso de culpa sobre permitir a queda de Israel em 1956 no conflito de Suez, simpatia dos cientistas franco-judaicos, compartilhamento de inteligência sobre Algéria e um direcionamento para a venda de especialistas franceses e estrangeiros.

"Houve uma tendência para tentar exportar e houve um sentimento geral de apoio a Israel", contou Andre Finkelstein, ex-vice deputado n no Comissariado Francês de Energia Atômica e deputado diretor geral na Agência Internacional de Energia Atômica, a Avner Cohen, um estadunidense-israelita historiador nuclear. O primeiro reator francês foi crítico como em 1948, mas a decisão de construir armas nucleares parece ter sido tomada em 1954, depois que Pierre Mendès France fez sua primeira viagem para Washington como presidente do conselho de ministros da caótica Quarta República. Na volta ele contou a um assessor: "É exatamente como um encontro de uma quadrilha. Todo mundo põe sua arma na mesa, e se você não tiver arma você não é ninguém. Então temos que ter um programa nuclear."

Mendès France deu ordem para começar a construir bombas em dezembro de 1954. E conforme construíra seu arsenal, Paris vendeu material de assistência para outros Estados aspirantes, não apenas Israel.

"Assim foi muitos, muitos anos até que tenhamos feito exportações estúpidas, incluindo Iraque e a planta no Paquistão, o que foi uma loucura", lembrou Finkelstein em uma entrevista que pode agora ser lida em uma coleção dos papeis de Cohen em um thintank Wilson Centre em Washington. "Nós tivemos sido o país mais irresponsável na não-proliferação".

Em Dimona, engenheiros franceses resolveram ajudar Israel a construir um reator nuclear e uma planta de reprocessamento secreto ainda mais secreta capaz de separar Plutônio do combustível gasto no reator. Essa foi a real doação que o programa nuclear israelita visava na produção de armas.

No fim dos anos 50, haviam 2500 cidadãos franceses em Dimona, transformando-a de uma vila para uma cidade cosmopolita, completa com liceus franceses e estradas cheias de Renaults, e já todo empenho foi conduzido sob um grosso véu de segredo. O jornalista investigador estadunidense Symour Hersh escreveu em seu livro The Samson Option: "Trabalhadores franceses em Dimona foram proibidos de escrever diretamente a parentes e amigos na França ou em qualquer lugar, mas enviam correio a uma caixa-postal na América Latina".

Os britânicos foram mantidos fora desse laço, sendo informados em diferentes momentos que a enorme construção estava em institutos de pesquisa em pradarias desérticas e em uma planta de processo de Manganês. Os estadunidenses, também mantidos no escuro tanto por Israel como pela França, mandaram aviões espiões U2 sobre Dimona em uma tentativa de encontrar o que estavam buscando. Os israelitas admitiram possuir um reator, mas insistiram que tinha propósitos totalmente pacíficos. O combustível gasto foi enviado para a França para reprocessamento, eles diziam, ainda providenciando filmagens do que supostamente estava sendo carregado em cargueiros franceses. Durante toda a década de 60 foi negada a existência de uma planta de reprocessamento subterrânea em Dimona que produzia Plutônio para bombas.
Produtor Arnon Milchan com Bred Pitt e Angeolina Jolie

Israel recusou visitas de compostura feitas pela Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA), assim no início dos anos 60 o presidente Kennedy exigiu que aceitassem inspetores estadunidenses. Físicos estadunidenses foram despachados para Dimona, mas foram atrasados desde o início. As visitas nunca foram duas vezes ao ano como combinado com Kennedy e foram sujeitas a repetidos adiamentos. Os físicos norteamericanos enviados para Dimona não foram permitidos trazer seu próprio equipamento ou coletar dados. O inspetor líder estadunidense, Floyd Culler, um especialista em extração de Plutônio, notou em suas anotações que foram novamente engessadas e pintadas paredes em uma das construções. Concluiu-se que antes de cada visita estadunidense, os israelitas construíam falsas paredes em torno dos elevadores que desciam seis andares para a planta de reprocessamento subterrânea.

Conforme mais e mais evidência de um programa de armas isralita emerge, o papel estadunidense progrediu de um joguete involuntário para cúmplice. Em 1968 o diretor da CIA, Richard Helms, contou ao presidente Johnson que Israel de fato construiu armas nucleares e que sua força aérea levou tipos a largarem eles.

A cronometragem não poderia ter sido pior. O NPT, tentado a prevenir muitos gênios nucleares de escapar das suas garrafas, compôs-se e se notícias surgissem que um dos Estados supostamente sem armas nucleares secretamente tivesse construído sua própria bomba, teria que se tornar letra morta que muitos países, especialmente árabes, recusariam a assinar.

A Casa Branca de Johnson decidiu não dizer nada, e a decisão foi formalizada em 1969 no encontro entre Richard Nixon e Golda Meir, no qual o presidente estadunidense concordou em não pressionar Israel a assinar o NPT, enquanto que o primeiro ministro israelita concordou que seu país não seria o primeiro a "introduzir" armas nucleares no Oriente Médio e não fazer nada para tornar pública sua existência.

De fato, o envolvimento dos EUA se tornou mais profundo que mero silêncio. No encontro em 1976 que teve só recentemente se tornado público conhecimento, o diretor deputado da CIA, Carl Duckett, informou uma dúzia de oficiais da Comissão de Regulamento Nuclear dos EUA que a agência suspeitou que algumas das bombas de fissão israelitas foram de urânio, roubadas diante do nariz estadunidense de uma planta de processamento na Pensilvânia.

Não apenas foi uma quantidade alarmante de material de fissão sendo perdida na companhia, Corporação de Materiais e Equipamento Nucleares (Numec), mas foi visitada por um verdadeiro agente de inteligência israelita, incluindo Rafael Eitan, descrito pela firma como ministro de defesa "química" israelita, mas, na verdade, um alto agente do Mossad da chefia de Lakam.

"Foi um choque. Todo mundo ficou de boca aberta", lembra Victor Gilinsky, que foi um dos oficiais norteamericanos informados por Duckett. "Foi um dos casos mais flagrantes de material nuclear desviado, mas as consequências pareceram tão surpreendentes para as pessoas envolvidas e para os EUA que ninguém realmente quis saber o que estava acontecendo".

A investigação foi adiada e nenhuma cobrança foi feita.

Poucos anos mais tarde, em 22 de setembro de 1979, um satélite dos EUA, Vela 6911, detectou o duplo-flash típico de um teste de arma nuclear na costa da África do Sul. Leonard Weiss, um matemático e especialista em proliferação nuclear, estava trabalhando como assessor no momento e depois tendo sido informado sobre os incidentes pelas agências de inteligência dos EUA e dos laboratórios de armas nucleares do país, ele se tornou convicto de um teste nuclear, em contravenção sobre o Tratado Limitado de Teste (Limited Test Ban Treaty).

Foi apenas depois de ambas administrações, de Carter e depois de Reagan, tentarem silenciá-lo sobre o incidente e tentarem caiar com um não-convincente painel de inquérito, que raiou sobre Weiss que foram os israelitas, e não os sul-africanos, que detonaram a bomba.

"Foi dito que isto criaria um problema de política externa muito sério para os EUA, se fosse dito que foi um teste. Alguém deixou claro que os EUA quisessem que ninguém ficasse sabendo", disse Weiss.

Fontes israelitas contaram a Hersh que o flash pego pelo satélite Vela foi o terceiro de uma série de testes dos testes nucleares da Índia Oceânica que Israel conduziu em cooperação com a África do Sul.

"Foi fodido", uma fonte lhe contou. "Houve uma tempestade e nós pensamos que bloquearia Vela, mas houve uma brecha no tempo - uma janela - e Vela se cegou pelo flash".

A política estadunidense de silêncio continua ainda hoje, ainda apesar de Israel parecer continuar a agir no mercado negro nuclear, embora em volumes reduzidos. Em um documento no mercado ilegal de material e tecnologia nuclear publicado em Outubro, o Instituto de Ciência e Segurança Internacional baseado em Washington (ISIS) notou: "Sob a pressão dos EUA nos anos 1980 e 90, Israel... decidiu amplamente parar sua procura ilícita pelo programa de armas nucleares. Hoje, há evidência que Israel pode ainda fazer procurações ocasionais ilícitas - operações ferroadas dos EUA e casos legais mostram isto".

Avner Cohen, autor de dois livros sobre bombas israelitas, disse que a política de opacidade tanto de Israel como de Washington é mantida agora por inércia. "Em nível político, ninguém quer tratar disso com medo de abrir a caixa de Pandora. Isto se tornou de muitas formas um fardo para os EUA, mas pessoas em Washington, todo caminho até Obama não irá tocar nisto, por causa do medo de se comprometer com muitas bases do entendimento Israel-EUA".

No mundo árabe e além, cresce a impaciência com o enviesado status quo nuclear. O Egito em particular ameaçou rumar ao NPT a menos que haja progresso com relação a criar uma zona livre de força nuclear no Oriente Médio. Os poderes ocidentais prometeram manter uma conferência na proposta em 2012, mas foi jogada fora, largamente no comando estadunidense, para reduzir a pressão sobre Israel a atender e declarar seu arsenal nuclear.

"De alguma maneira o kabuki vai em frente", disse Weiss. "Se é admitido que Israel tem armas nucleares ao menos você pode ter uma discussão honesta. Parece a mim ser muito difícil manter uma resolução sobre o Irã sem ser honesto sobre o assunto".

Via Theguardian

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