Segue se a tradução da entrevista de Aleida Guevara concedida ao RT
RT: Sra. Guevara, bem-vinda e obrigado por se juntar a nós. A senhora disse ter estado perto de Fidel Castro. O que a senhora pensa sobre a especulação mediática sobre sua saúde; alguns relatórios afirmando que ele está morto, alguns relatórios afirmando que ele está vivo? O que a senhora pensa sobre isso?
Aleida Guevara: Fidel é um homem totalmente único. Ele não se ofende facilmente, deve ser algo realmente ofensivo e geralmente algo sobre outra pessoa para ele se sentir ofendido. É porque, por exemplo, agora ele está chateado com todo esse falatório da mídia sobre os problemas médicos de Hugo Chávez. Mas Fidel nunca se importou com o que os outros diziam sobre ele. Ele não presta atenção em tais coisas, a menos que seja algo realmente ofensivo ou algo sobre o povo. É aí que ele reage imediatamente.
RT: Aleida, sua mãe ficou em silêncio sobre seu romance com o lendário Comandante Che Guevara há quase 40 anos - até recentemente, quando ela publicou um livro revelando alguns detalhes. Por que ela teve tanta dificuldade para contar sua história? Por que ela esperou tanto tempo?
AG: Em primeiro lugar, você deve conhecer a minha mãe. Ela veio de uma área rural, e o povo vilarejo de Cuba - como em qualquer, suponho - são muio sensíveis sobre suas experiências românticas. Eles são muito calados sobre essas coisas, e ela foi criada nessa cultura. Ela sempre foi assim. Quer dizer, ela estava extremamente apaixonada por ele. Foi uma incrível história de amor. E uma das coisas que me faz sentir tão especial - não porquê eu seja filha de um grande homem, ah não. Eu me sinto especial pois sou filha de um homem e uma mulher que estavam em um amor muito intenso um pelo outro, e eu sou fruo desse amor. Isso é que me faz sentir especial.
O livro da minha mãe conta a história de seu relacionamento, a história de sua vida através da lente daquele amor. Apenas imagine como foi para minha mãe quando o pai morreu. Ele tinha sido seu primeiro homem. Ele era seu noivo, seu companheiro, seu amigo, seu mentor, seu amante, o pai de seus filhos. Ele era tudo.
E então, assim, ele se foi. Imagine a dor que ela passou. Ela tinha que criar e apoiar quatro filhos pequenos. Então, ela foi obrigada a trancar todas essas memórias em algum lugar lá no fundo e seguir com sua vida. Se ela tivesse sido aberta, ela não teria sido capaz de seguir em frente. Um longo, longo tempo teve que passar antes que ela se sentisse forte o suficiente para revisitar essas memórias. Quando ela estava ficando para baixo para escrever o livro muitas vezes eu ia vê-la em lágrimas. Ela chorou tanto que eu uma vez disse-lhe: "Mãe, por que você não esquece esse livro." Felizmente, ela não me deu ouvidos e ela acabou. E esse livro é um presente verdadeiramente incrível para mim.
RT: Essa é uma história bonita. Nos últimos dez anos, houve muitos filmes sobre Ernesto Che Guevara, e muitas biografias escritas. Qual dos trabalhos que você já viu e leu dão relatos mais confiáveis?
AG: Até agora, não há uma única biografia que eu recomendaria. Quando falo com os jovens, eu normalmente os aconselho a ler o que meu pai escreveu sobre si mesmo. Ele tinha esse hábito de anotar tudo o que estava acontecendo em torno dele desde que ele tinha 17 anos. Muitos de seus diários têm feito isso através de nós, você pode lê-lo em primeira mão e tirar suas próprias conclusões. O único filme que eu, provavelmente indico é 'Diários de Motocicleta', a única produção digna na minha opinião. Ela foi feita inteiramente por latino-americanos. É um grande filme e eu recomendo fortemente.
RT: Há uma abundância de pontos de vista diferentes sobre Che Guevara. Alguns dizem que ele foi um herói e um mártir, outros dizem que ele era um terrorista, um assassino. O que a senhora acha sobre esse capítulo em sua vida, quando tinha que matar as pessoas por causa de suas idéias?
AG: Nós estamos falando sobre a guerra. Quando você está envolvido em numa guerrilha, você tanto vive quanto morre. Esta é a lei da guerra de guerrilha. Mas não é assassinato. Você não assassina pessoas. Assassinato é quando você ataca uma pessoa indefesa. Mas este não é o caso quando você está envolvido em uma batalha. Em uma batalha, você atira neles, porque eles atiram em você. Você mata porque senão eles vão te matar. Isso é guerra. Pelo contrário, foi o Che, que foi assassinado. Ele foi capturado, ele estava desarmado e indefeso, e eles o mataram sem julgamento. Isso foi assassinato real.
Mas meu pai nunca fez nada parecido. Eles nunca mataram seus prisioneiros; que cuidavam deles, davam assistência médica, eles até mesmo retardavam seu avanço porque eles tinham que guardar os presos e deixá-los em um lugar seguro.
Então, as pessoas que o acusam de assassinato simplesmente não sabem a história toda e não tem idéia de quão grande eram essas pessoas - não apenas Che, mas todo mundo que lutou com ele, todas essas pessoas. Esta guerra moldaram eles. A revolução cubana nunca envolveu o assassinato. Nós estávamos nos defendendo. E vamos continuar fazendo isso.
RT: Há também uma série de especulações sobre Fidel neste assunto. Alguns até dizem que Che morto seria muito mais útil para Castro do que quando ele estava vivo.
AG: Esta é a coisa mais estúpida que se pode dizer. Quando Che estava vivo, ele foi imensamente útil para Fidel em Cuba. Fidel disse isso muitas, muitas vezes. Ele disse que estava em paz trabalhando em outras coisas, porque ele sabia que o Che era o ministro de indústrias. A economia cubana estava em boas mãos, porque Fidel confiava totalmente em Che. Mas a situação mudou quando Che saiu. Mas Che teve que seguir em frente. Desde o início, quando Fidel e Che estavam no México, eles fizeram um acordo. Che prometeu a Fidel que iria permanecer em Cuba até que fosse liberado, e então, se ele ainda estivesse vivo, ele iria passar para outros países da América Latina. Fidel concordou com isso, e ele manteve a promessa.
Uma vez cheguei a Fidel. Tivemos uma conversa muito longa, nós conversamos por várias horas e, finalmente, eu disse a ele: "Diga-me sobre seus desentendimentos com o meu pai. Conte-me sobre estes argumentos que as pessoas continuam falando".
Então, ele me disse que uma vez, quando eles estavam no México, eles sabiam que seriam todos presos, e Fidel disse a todos para manter sua boca fechada sobre suas opiniões políticas. E então ele me perguntou: "O que você acha que o seu pai fez?" Quando ele estava na prisão, ele começou a falar com agentes penitenciários sobre política. Ele até conversou com eles sobre Stalin! Como resultado, todo mundo foi libertado, exceto Che, porque a polícia disse que ele era comunista. Fidel tentou falar com ele, mas, eventualmente, ele percebeu que o meu pai não podia mentir.
Ele era muito honesto, ele não podia mentir. E não havia nada que Fidel poderia dizer, não havia nada para falar. "Como posso discutir com uma pessoa assim?" Fidel disse. Então, esse é um dos argumentos que as pessoas dizem que eles tinham. Mas isso não era ainda um argumento. E Fidel esteve no México e não deixou até meu pai foi libertado, mesmo que isso comprometesse todo o plano que tinham para Cuba. E este foi o início de uma amizade única entre Fidel e meu pai. Meu pai percebeu que Fidel era um general de verdade que sempre se sentiu responsável por cada um de seus soldados.
Naquela mesma noite, quando eu tive essa conversa com Fidel, eu ri e ele me perguntou o que era tão engraçado. Eu disse: "Tio, - ele sempre foi o tio Fidel para mim - eu estou rindo de você." Ele disse: "Por quê?" Eu disse: "Você nem percebe, mas você fala sobre o pai no tempo presente , como se ele ainda estivesse vivo". Ele me deu um olhar muito sério e disse: "Não, seu pai está realmente aqui com a gente". E isso foi o fim da nossa conversa naquela noite.
RT: O mundo inteiro conhece a cara do seu pai, e as pessoas compram mercadorias com a sua foto. O que a senhora sente quando vê isso?
AG: Às vezes eu fico com raiva porque em muitos casos as pessoas abusam de sua imagem. Às vezes eu até brinco que eu vou processá-los por distorcer seu rosto porque meu pai era um homem bonito. Algumas de suas imagens são apenas feias. Por outro lado, eu sempre digo que essas imagens não significam nada se você não sabe o que elas representam, se você não está familiarizado com a sua vida e que ele fez. Às vezes eu gostaria de pedir a alguém: "Por que você colocou essa camiseta com Che?" E eles dizem: "Eu tenho um exame chegando, e eu não tenho certeza que vou passar. Então eu coloquei a camiseta, olho pro Che e digo a mim mesmo para não desistir, porque se ele fez isso, então eu também posso". Algumas respostas são simplesmente maravilhosas. Isso significa que, apesar de toda a propaganda e absurdo dito sobre ele, as pessoas não se deixam enganar. Eles não acreditam nessas mentiras. Eles entendem que tipo de pessoas eram os revolucionários.
RT: Viajar pela América Latina mudou mentalidade de Che Guevara. Isso fez dele um revolucionário. Se ele fosse fazer uma viagem semelhante hoje, o que ele veria? Teria impactado tanto quanto naquela época na década de 1950?
AG: Lamentavelmente, o que fez de Che buscar a justiça social para todos ainda está vivo e tem até ganhou espaço desde então. O fosso entre ricos e pobres está cada vez maior, e as pessoas na América Latina sabe m muito bem disso. No entanto, nos últimos anos temos observado uma nova tendência, com os líderes se preocupando mais com as necessidades das pessoas. Os líderes latino-americanos estão começando a entender que, se juntarmos os nossos esforços, nada vai nos parar.
Meu pai teria certamente gostaria de descobrir que um nativo americano como Evo Morales chegou à Presidência. Eu acho que Che iria apoiá-lo e oferecer toda a assistência que podia. Ele teria também apoiaria a Revolução Bolivariana na Venezuela. Pela primeira vez na história, um presidente fez seu povo o único proprietário de todos os recursos de petróleo do país. Ele é único na história moderna. Eu acho que Che teria acolhido e teria feito o seu melhor para ajudar a Chávez. Tantas coisas que hoje em dia teria feito a ele um pouco mais feliz, mas as mesmas coisas que o teria tornado ainda mais zeloso, porque ainda há muito mais a fazer.
RT: Como você acha que Che iria responder a integração de hoje na América Latina? Será que ele apoiaria?
AG: Bem, isso tem sido um sonho, e não apenas para Che. Che dizia que a unidade entre todos os latino-americanos é a nossa única esperança de ficar forte contra nosso inimigo comum. E ele deixou claro que o pior inimigo da América Latina é os Estados Unidos.
RT: E sobre Cuba? Se Che fosse ver a situação e da qualidade de vida em Cuba de hoje, ele se sentiria orgulhoso sobre isso?
AG: Ele iria perceber que ainda há muitas questões que precisam ser abordadas, e muitas coisas que precisam ser melhoradas. Mas meu pai sempre acompanhou o povo de Cuba. Ele tinha essa maneira de expressar sua crítica, e as pessoas estavam sempre dispostas a ouvir. Então, se ele ainda estivesse conosco hoje, ele estaria trabalhando como todo mundo, tentando fazer as coisas melhores. Eu acho que ele não iria segurar sua crítica, também, mas ele estaria empenhado em encontrar soluções. Ele estaria muito ocupado.
Entrevista feita pelo RT
Tradução por Conan Hades
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